Por Célia Ribeiro
Não foi preciso superar desertos ou rios a caminho de Canaã, a terra prometida relatada na Bíblia. Mas, para chegar ao interior paulista fugindo da guerra, da fome ou da perseguição política, centenas de refugiados precisaram vencer muitos obstáculos em pleno século XXI. Só em Marília, nos últimos três anos, a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos atendeu 717 pessoas vindas de 20 países.
Sala
de atendimento aos migrantes
De acordo com a secretária Wânia Lombardi, o Núcleo de Apoio Humanitário atende os migrantes internos e externos oferecendo suporte: “A gente faz todo o atendimento e também uma triagem, identificando o que a pessoa precisa”. Ela explicou que o núcleo trabalha em sintonia com entidades governamentais do Brasil e do exterior e com a Polícia Federal, responsável pela documentação dos cidadãos.
Wânia e as boas-vindas
em vários idiomas
Apesar de pouca estrutura e de recursos limitados, a gestora conseguiu imprimir sua marca, a exemplo do que fez na Secretaria da Assistência Social. Em entrevista ao JM, ela informou que a equipe atua em várias frentes, além do apoio aos migrantes: Centro de Referência da Mulher, Procon, Disque 100 voltado ao atendimento de denúncias de violação de direitos humanos (criança, mulher, idoso) e apoio às entidades beneficentes.
“O migrante é aquele que
saiu de um lugar de bastante vulnerabilidade, dentro ou fora do Brasil. Se saiu
contra a vontade é considerado refugiado”, observou a secretária. Neste
sentido, acrescentou que “a guerra, a fome e a perseguição política fizeram com
que milhares de pessoas deixassem tudo para trás”. No caso de Marília, os
venezuelanos são a maioria esmagadora: 568 pessoas.
Refugiados pelo mundo (Foto: Getty Images/iStockphoto) |
No ranking de atendimento, nos últimos três anos, estão ainda os países: Colômbia (36), Haiti (25), Guiné Bissau (12), Bolívia (12), Portugal (10), Síria (08), Argentina (08), República Dominicana (06), Egito (06), Peru (03), Itália (03), Líbia (03), República do Congo (02), China (02), Alemanha (01), Irã (01), Irlanda (01), Paraguai (01) e Tunísia (01).
Wânia
Lombardi e a assessora Zileide Bernardo
Conforme disse, o Núcleo de Apoio Humanitário faz o possível para acolher e dar o respaldo que essas pessoas necessitam, desde a disponibilidade de tradutores para orientarem com a documentação, até o encaminhamento para o mercado de trabalho.
Através de parceria com
universidades, a Secretaria de Direitos Humanos oferece aulas de português para
os migrantes, além de apoio psicológico para crianças e adultos que chegam de
países distantes. Um dos convênios é com a UNESP, campus de Marília. Há uma
sala reservada para os estrangeiros receberem aulas de portugues online com os
tradutores da universidade que falam vários idiomas.Parede
na Secretaria com fotos dos
países
VENEZUELA
Angeli e a pequena Hanna Caballero |
Angeli Palma, 25 anos, é
um dos quase 600 venezuelanos cadastrados em Marília. Sua mãe e alguns
familiares vieram há quatro anos. A partir daí, ela começou a se preparar para
também fugir da situação de vulnerabilidade que enfrentava em seu país. Para
começar, fez um curso online de português e, com um bebê no colo, cruzou a
fronteira em 2021.
Em entrevista à coluna, Angeli disse que passou maus momentos quando chegou porque não conseguia trabalho. Através da Secretaria de Direitos Humanos de Marília, no entanto, surgiu a grande oportunidade, após nove meses: por falar bem o português, ela foi contratada em uma empresa de tecnologia de Garça, onde se comunica com clientes em espanhol.
Lilian
Cunha - Coletivo de
Mulheres Indígenas (centro)
Embora trabalhando na
cidade vizinha, a venezuelana se estabeleceu em Marília, cidade que a acolheu
de braços abertos. “Tenho um bom trabalho em Garça e minha filhinha está na
escola em Marília, onde tenho família. O que mais gosto do Brasil é como as
pessoas gostam de ajudar as outras e de podermos trabalhar”.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Marília integra o Comitê Estadual de Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo, acrescentou a secretária, destacando que se trata de uma área que exige muita atenção. Ela observou que “quando se fala em trabalho escravo, a gente pode pensar em alguém com correntes nos pés, trabalhando em uma mina de carvão. Mas, tem o caso da senhorinha que pega uma mocinha na fazenda para trabalhar em casa onde ela passa a vida toda, cuidando dos filhos e depois dos netos desta família”.
Artesanato das indígenas de Tamarana
Outra frente de atuação da pasta é com relação aos chamados povos originários. Os indígenas, por exemplo, são protegidos por lei. E a Secretaria tem que ter todo cuidado ao lidar com os grupos que chegam, de tempos em tempos, para venderem artesanato. Wânia Lombardi citou as mulheres de Tamarana (Paraná) que costumam vender cestos na Avenida das Esmeraldas: “Uma coisa é preservar sua identidade de povos originários”, observou, acrescentando que sua pasta está atenta para que as crianças estejam em segurança, com alimentação e local adequado para dormir.
Ela explicou que o mesmo ocorre com grupos nômades, de ciganos, que não aceitam ajuda. “Se entregar um marmitex de almoço eles jogam fora porque têm o hábito de preparar as suas refeições, de dormir em barracas”. No entanto, a secretária assinalou que a equipe está atenta para que os direitos sejam preservados sem colocar crianças em situação de vulnerabilidade.
Para saber mais sobre os refugiados no Brasil, acesse: https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-sobre-refugio-no-brasil/
Leia outras reportagens sobre o trabalho de Wania Lombardi AQUI e AQUI
*Reportagem publicada na edição de 16.07.2023 do Jornal da Manhã
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