sábado, 13 de julho de 2019

CONTRA O INVERNO RIGOROSO, CAMA QUENTE, ALIMENTO E DIGNIDADE A QUEM PERDEU TUDO.

Por Célia Ribeiro

Na noite da última segunda-feira, as baixas temperaturas transformaram em deserto a maioria das ruas. Com os termômetros atingindo quatro graus, quem tem casa e comida sentiu muito a onda repentina de frio. Agora, o que dizer dos sem-teto espalhados pela cidade? Graças a uma rede de proteção social, Marília se tornou exceção ao acolher, alimentar e oferecer cama quente aos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sem preconceito.
Severino veio de Catanduva em busca de emprego
Inaugurada no final da junho, a Casa Cidadã, mantida pela Secretaria Municipal da Assistência Social, é a prova de que, com planejamento e um pouco de boa vontade, é possível levar dignidade às pessoas e fazer valer os impostos pagos pelos cidadãos. O prédio localizado à Rua Paraíba, 674, impressiona pelo porte, limpeza e organização.
Dormitório masculino 
Ali são recebidos homens, mulheres, crianças, idosos, população LGBT, enfim, pessoas que não têm a quem recorrer e passariam a noite na rua. Concebida para atender até 50 pessoas por noite, a estrutura possui dormitórios masculino e feminino, um quarto para famílias e outras pessoas que não poderiam permanecer nas acomodações destinadas a homens e mulheres.

A entrada ocorre entre 17h e 19h30: quem tem cadastro deixa seus pertences no guarda-volumes e se dirige aos banheiros, também separados para homens e mulheres, com chuveiros quentes e área para quem deseja se barbear. Os que chegam pela primeira vez passam pela triagem, segundo o coordenador da Casa, Rafael Alvarez.
Arroz, feijão, carne com batata e salada:
refeição quente à vontade

“Preenchemos um cadastro para saber de onde a pessoa vem, por que está na rua, se pretende ficar na cidade etc”, assinalou o funcionário, aprovado no último concurso público como cuidador social. Depois do cadastro, os assistidos recebem o kit de higiene com sabonete, escova de dentes e creme dental, além de toalha de banho que, assim como a roupa de cama, é higienizada diariamente na lavanderia do local.

Uma sala de TV com cadeiras simples, mas em bom estado, serve de área de convivência enquanto as pessoas aguardam o jantar ser servido. Na lateral interna do prédio há um fumódromo, bem longe da área comum, e na noite fria de segunda-feira havia alguns homens encolhidos enfrentando o vento entre um cigarro e outro.

O colorido e as mensagens de otimismo estão por toda parte na Casa Cidadã, dando um toque de humanização. Há muitos quadros, vasos e pneus reciclados, que fazem as vezes de banquetas, confeccionados pelos frequentadores do Centro POP, outra estrutura da Secretaria da Assistência Social que atende a população em situação de rua.

TRABALHO ESCRAVO

Respeitando o pedido para que não fossem fotografados de frente, o JM conversou com algumas pessoas. Histórias de tristeza, perdas e desalento misturaram-se à gratidão pela forma como foram recebidos e à esperança de superarem essa fase difícil de suas vidas, como Margarida Silva, 42 anos, que frequenta o lugar desde que ficou desabrigada, junto com o marido.

Margarida quer recomeçar
Ela contou que morava em uma casa simples, onde pagava aluguel, quando foram convidados a trabalharem em uma chácara no bairro Palmital. “O patrão disse que a gente teria casa, comida, não pagaria água e luz e ainda teria um salário. Mas, o tempo foi passando e ele não deu nenhuma assistência pra gente, nem uma cesta básica. Não pagou nada em quatro meses e para comer a gente tinha que sair catando papelão na rua”, relatou.

Quando Margarida e o marido foram reclamar com o patrão, foram expulsos com a roupa do corpo: “Ele estava bêbado e colocou uns homens armados lá, dizendo que a gente tinha invadido a chácara. Não deu tempo de pegar nada. A gente foi para a rua. Se não fosse a Casa de Passagem e depois aqui, não sei o que a gente ia fazer”, contou, emocionada.

Ela disse que, como todos que passam a noite na Casa Cidadã, depois do café da manhã, servido às 6h30, deixa o local. Ela e o marido não ficam na rua. Voltam para o Centro POP onde podem lavar as poucas roupas, fazem atividades artesanais, passam por assistentes sociais e psicólogas e recebem um ticket para almoçarem no Restaurante Bom Prato, mantido pela Prefeitura em convênio com o governo do Estado. Depois, saem em busca de trabalho.
Mulheres acomodam seus pertences após o banho
O sonho de Margarida é conseguir um emprego para poderem alugar uma casa simples e recomeçarem a vida. Como ela, Severino Marques Ferreira, 39 anos, está em Marília em busca de uma nova oportunidade. Ele veio de Catanduva com a promessa de trabalho. Não deu certo e não tinha dinheiro para voltar para sua cidade e acabou ficando. Ele contou que chegou a dormir três noites na rodoviária onde o frio é cortante, até que foi encaminhado para a Casa Cidadã.

RESISTÊNCIA

A secretária da Assistência Social, Wania Lombardi, explicou que nem todos os moradores de rua abordados pela equipe aceitam ir para a Casa Cidadã: “A maioria das pessoas que ficam na rua tem casa. Ficam na rua para consumir drogas. A gente vai conversar e sabe que é do Argolo Ferrão, da Vila Barros. Muitos preferem ficar na rua passando frio porque tem a bebida, tem a droga. E aqui não pode. Se estiver alcoolizado não entra”.
Secretária Wania Lombardi
No abrigo, há pessoas em situações diferentes, acrescentou a secretária: “Acaba aparecendo transexual que o pai colocou para fora de casa, idosos, famílias que estão de passagem etc. Tem as mais diferentes histórias, como alguém da família que faleceu e parentes de fora vêm e não têm dinheiro para voltar”. Em comum, a falta de condições de pagar pela mais simples das hospedagens, restando a rua.
Refeitório: limpeza e organização chamam a atenção
Embora a estrutura funcione das 17 às 7h, e não é permitido entrar após às 19h30, já houve casos de atendimento emergencial de madrugada. Wania Lombardi contou o caso de uma mulher que estava na rodoviária com quatro filhos pequenos. Ela havia perdido a passagem e alguém avisou o Conselho Tutelar. Como a Casa Cidadã tem um quarto para família, o grupo foi acolhido tarde da noite, alimentado e pode dormir em segurança.
Há mensagens por toda parte, como no guarda-volumes
Wania Lombardi disse que a Casa Cidadã era um sonho antigo que foi concretizado através do planejamento: “Eu não faço mágica. É gestão pública, como a que o Daniel está fazendo na Prefeitura, mesmo com todo mundo puxando o tapete. Temos uma equipe muito boa”, frisou, acrescentando que está “fazendo o empoderamento da equipe” com gratificação salarial àqueles que assumirem as responsabilidades de chefia e coordenação como ocorre com outras secretarias.
São atendidas 50 pessoas por noite

Ela elogiou os servidores da pasta, em especial os que estão na Casa Cidadã e têm se dedicado bastante. Só de sentir o aroma do jantar de segunda-feira, no amplo refeitório, à base de arroz, feijão, salada e carne de panela com batata, deu para perceber o capricho. Embora não tenha conseguido tudo o que planejou, Wania chegou perto: “Eu queria ter todos os lençóis brancos, como os de hotel. Não deu. Mas, viabilizamos de um jeito diferente”.

A secretária explicou que alguns alunos do curso de costura do CEPROM não tinham dinheiro para comprar material e praticar o que aprenderam. A Secretaria da Assistência Social providenciou os tecidos e os alunos confeccionaram fronhas, lençóis e até almofadas que decoram o local. E assim, das mãos que receberam ajuda para se profissionalizar saíram as roupas de cama que tornam mais humanas e confortáveis as noites no abrigo.

*Reportagem publicada na edição impressa  de 14.07.2019 do Jornal da Manhã

3 comentários:

  1. Fantastico!!!! Sao pessoas que realmente precisam de todo o acolhimento possivel

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  2. Olha, parabenizo e espero que seja mantido no futuro.

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  3. Faz um tempo enorme que fui convidada a planejar e implantar uma Secretaria para o atendimento social...não foi fácil e a cidade ganhou a Secretaria de Bem Estar Social... atualmente Secretaria de Assistência Social...meu carinho e parabéns pelo bom trabalho a todos os funcionários...Deus os abençoe!!!

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