domingo, 28 de julho de 2019

PRODUZINDO VERDURAS ORGÂNICAS, HORTA DOS BOMBEIROS AJUDA PROJETO SOCIAL.

Por Célia Ribeiro

Às 11 horas de terça-feira (23), sob o céu azul sem nuvem alguma por testemunha, um ex-padre, um aposentado conhecido pelos trabalhos em pastorais católicas, um voluntário e um ex-dependente químico revolviam a terra preparando-a para receber a irrigação. Cuidadosos, eles inspecionavam os canteiros, em busca de ervas daninhas, como quem conhece bem cada palmo do terreno que lhes retribui a atenção oferecendo hortaliças frescas.
No Centro, Sr. Francisco e Tenente Rodon
Formada há menos de um ano, a horta está localizada na Avenida Nelson Spielmann, 1.219, endereço bem conhecido dos marilienses por abrigar o 10º Grupamento dos Bombeiros. No local, o coordenador da Pastoral de Rua da Igreja São Miguel, Francisco Augusto Pereira Neto, lidera um grupo de voluntários que ajuda os bombeiros no cultivo de legumes, verduras e algumas frutas. De quebra, uma parte da produção é utilizada para enriquecer as marmitas que os voluntários católicos entregam aos moradores de rua.
Legumes e verduras orgânicos: esterco de galinha garante a nutrição das planntas
Respeitados e queridos pela população, os bombeiros não param de dar bons exemplos através de contribuições junto às comunidades em que estão inseridos. No caso da horta, ao invés de deixarem os alimentos apenas para uso próprio, foram além ao implementarem uma parceria com um projeto social.
Como são vários canteiros, diariamente há colheita na horta.
Quem conta sobre o início do trabalho é o tenente Luciano Rondon: “O Major Marcelo, subcomandante do 10º Grupamento de Bombeiros de Marília, implantou esse tipo de atividade tendo como objetivo principal a cultivação da horta pelos próprios bombeiros, como oportunidade de um contato com a natureza, principalmente após atendimento de algumas ocorrências em que os bombeiros chegam ao desgaste físico e emocional extremos”.


Sr. Francisco está toda semana no quartel
Dessa forma, prosseguiu, “em alguns períodos, eles poderiam estar presentes nesse espaço para se reconectar com a natureza, diminuir a ansiedade, proporcionando momentos de reflexão e relaxamento, visando uma qualidade melhor de vida”.
Bananeira doada por Rossana Camacho
De acordo com o tenente, “posteriormente, fizemos uma parceria com o Senhor Francisco da Pastoral da Igreja São Miguel, que juntamente com outras pessoas frequentam nosso quartel diariamente, onde passam algumas horas juntamente com alguns bombeiros”. Ele destacou a importância dos alimentos cultivados no local serem utilizados para alimentar quem mais precisa.
Ex-padre Urbano: mexer com a terra é o melhor remédio
Francisco explicou que os voluntários se reúnem em três turnos para o preparo de até 130 marmitas. Toda quinta-feira à noite, um grupo sai para a entrega “aos irmãos de rua”, como explicou. Os legumes e verduras cultivados na horta dos Bombeiros enriquecem as refeições pela variedade e qualidade tendo em vista que são produtos orgânicos.
Chance de recomeçar

DEPRESSÃO

Durante muitos anos, Francisco coordenou a Pastoral da Sobriedade, também na Igreja São Miguel, e conhece bem a realidade dos dependentes químicos e suas famílias. Com a horta, viu a oportunidade de levar alguns deles, em recuperação, para “trabalharem a terra e ocuparem a mente”, assinalou. Na terça-feira, havia um deles empenhado na atividade.

“Tem muita gente com depressão. O número de suicídios não para de crescer em Marília”, observou Francisco, explicando que também convida para atuarem como voluntários algumas pessoas solitárias. Um deles é o ex-padre Urbano José Alicate. Aos 65 anos, esperando se aposentar, ele contou ter ficado feliz com o convite: “É uma terapia. Mexer com a terra, com as plantas, com a natureza, é o melhor remédio”, frisou.

A solidariedade está presente em cada palmo da horta. O adubo orgânico vem do esterco de galinhas doado por uma amiga do grupo. Sementes e mudas também são doadas por pessoas que frequentam o local ou ficam conhecendo o projeto.
À esquerda, Ten. Rodon e  bombeiros em foto de arquivo
Nesta semana, por exemplo, o Grupo Recanto do Terço, que o JM registrou na edição de 16 de junho, visitou a horta. Levadas pela delegada aposentada e empreendedora social Rossana Camacho, que já havia doado mudas de bananeira, as integrantes fizeram doação de sementes, mudas e implementos agrícolas no valor de 660 reais.
Tomates verdes logo estarão no ponto de colheita
Atualmente, estão em produção: hortelã, salsinha e cebolinha, abobrinha, berinjela, tomate, couve, espinafre, coentro etc. Há algumas bananeiras também que, em pouco tempo, começarão a dar frutos. Verduras como alface e agrião foram replantadas e logo estarão prontas para consumo.
Recanto do Terço doou sementes, mudas e implementos agrícolas
Enquanto isso, a solidariedade continua a irrigar aquele pedaço de chão. Os bombeiros, acostumados a manusear pesadas mangueiras no combate aos incêndios, agora também têm a oportunidade de levarem água para fazer brotar os alimentos que aplacam a fome e dão um novo sentido à vida de quem encontrou motivação para recomeçar.

* Reportagem publicada na edição de 28.07.2019 do Jornal da Manhã
No arquivo do blog, leia sobre a Pastoral da Sobriedade, em reportagem de 2011, acessando AQUI
E sobre o Recanto do Terço, acessando AQUI






sábado, 20 de julho de 2019

CANNABIS MEDICINAL: A SAGA DAS MÃES EM BUSCA DE QUALIDADE DE VIDA PARA OS FILHOS.

Por Célia Ribeiro

Com cinco anos de diferença, Mateus e Letícia carregam uma grande responsabilidade. São depositários da esperança das famílias que se inspiram na luta de duas mães em busca de tratamento e qualidade de vida para os filhos. Cláudia Marin e Nayara Mazini são um exemplo de determinação. Enfrentando inúmeros desafios, a começar pelo preconceito e desinformação, são pioneiras em Marília no cultivo da Cannabis Medicinal após obterem salvo conduto na Justiça.
Mateus observa a plantinha brotar

Mãe de Mateus Castelazi, 11 anos, diagnosticado com “Síndrome de West” ainda bebê, Cláudia Marin iniciou o tratamento com Cannabis, em 2015: “No ano anterior, consegui liberação pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e começamos a importar”, explicou, acrescentando que por alguns períodos obteve o medicamento pelo Governo do Estado, mas com o desabastecimento, foi preciso importar a pasta por conta própria.

Ela contou que “essa medicação importada fez efeito no Mateus, mas demorou quase um ano. Por isso, digo que a persistência é o senhor da razão”. Apesar dos altos e baixos, ela observou resultados animadores: “Neste período, ele teve algumas perdas. Por exemplo, começou a babar e ele nunca babou. Ele ficava mole, muito sonolento ou muito agitado. A gente teve muitas perdas, mas a gente ganhou muitas coisas também, como a imunidade dele que melhorou. Ele passou a não ter mais tantos problemas respiratórios”.
Nayara Mazini e Cláudia Marin

 O uso da Cannabis Medicinal é um entre tantos recursos que Cláudia e o esposo Rafael elegeram para o tratamento do filho, hoje com 11 anos, que chegou a ter 80 convulsões por dia. Ele se alimenta com uma dieta cetogênica (rica em gordura, proteína na medida necessária e pobre em carboidrato), é acompanhado por fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudióloga, além de neuropediatra, nutricionista e professora de educação especial.

“Eu achava que só existia a medicina alternativa. Aí aprendi que existe a medicina integrativa em que o indivíduo é estudado como único e exclusivo e dentro dos padrões dele eu consigo tratar. Por isso, hoje eu trato com alopatia, homeopatia, dieta cetogênica, cannabis medicinal, manipulados reguladores além de frequência quântica. Também fazia ozonoterapia, mas tivemos que parar por causa dos custos. Tudo isso para ver o meu filho melhor. E o melhor de tudo isso é que, agora, vai existir a possibilidade de começar a retirar os alopáticos da vida dele”, assinalou.

EVOLUÇÃO

O otimismo de Cláudia Marin se explica após uma mudança recente: ela foi procurada por uma pessoa que estava cultivando a Cannabis e extraindo óleo orgânico integral que se mostrou muito potente. Com a introdução do óleo, em pequenas gotas nas refeições, em seis meses os resultados foram surpreendentes.
Cláudia pinga gotas do óleo na colher durante o jantar dado pelo pai, Rafael.
Ela contou que “a Cannabis importada reduziu as crises convulsivas do Mateus. De 80 crises convulsivas por dia, veio a ter 30 por dia. A convulsão dele vinha com espasmos, ele entortava todo, com intensidade maior ou menor. Se ele não dormia, a intensidade era muito maior”. Já com o uso do óleo a melhoria é imediata.
Nayara, Letícia e a plantinha brotando

Conforme disse, “já aconteceu do Mateus não dormir cinco dias e cinco noites e ter uma crise sequencial. Pego o óleo e pingo uma gota na boca dele e acaba a crise. É um milagre? Não sei dizer. Mas, para o Mateus, a vida dele mudou depois do óleo artesanal. Mudou na imunidade, parte motora, parte cognitiva, parte visual e parte intelectual porque ele consegue fazer contatos, ele está mais atento às terapias”.

Entre tantos profissionais que acompanham Mateus e Letícia, destaca-se o médico Vinicius Barbosa, de Sorocaba, doutorando em Cannabis. Cláudia explicou que antes desse óleo artesanal, fez um teste com o óleo da ABRACE (Associação Brasileira de Apoio Canabis Esperança), da Paraíba, mas não surtiu os resultados esperados.

CULTIVO LEGALIZADO

A exemplo de Cláudia, a enfermeira Nayara Mazini pesquisou muitas alternativas para a filha Letícia, de seis anos. Ela nasceu com a “Síndrome 1p36” (doença genética congênita) e desenvolveu a “Lennox-Gastaut”, conhecida como síndrome epilética pediátrica. Ela contou que a filha tinha muitos problemas de imunidade.

Sementes brotando
Nayara utilizava a Cannabis Medicinal importada, em pasta, e resolveu substitui-la pelo óleo orgânico: “Eu não conseguia trabalhar e nem fazer nada na minha vida porque eu vivia com a Lelê no hospital”. Após a nova medicação, a menina apresentou ganhos na parte imunológica: “Não internei mais minha filha, nem dei mais antibiótico. Se ela pega uma gripe, com antialérgico eu tiro”, frisou.

Além de poupar a filha de longos períodos de hospitalização, muitas vezes em UTI, o novo tratamento trouxe um ganho para a família, também: “Voltei a trabalhar, voltei a ser ativa socialmente. Trouxe uma melhoria da qualidade de vida para todos. Como mãe, não tem como a gente estar bem se nossos filhos não estiverem bem”.

Diante do impacto do uso da Cannabis Medicinal na saúde dos filhos, Claudia e Nayara decidiram ingressar na justiça com pedido de Habeas Corpus Preventivo a fim de importarem sementes e produzirem canabidiol para o tratamento das duas crianças. Os advogados Pedro Luís Fracaroli Pereira e Estevan Luís Bertacini Marino tiveram êxito e obtiveram a autorização legal.

“Nós fizemos o caminho totalmente oposto da grande maioria das famílias que conseguiram salvo conduto no Brasil. São aproximadamente 40 famílias. A maioria começou a plantar e depois foi em busca do salvo conduto. Nós fomos atrás da regularização primeiro para depois plantar”, explicou Cláudia que, por questões de segurança, mantém em segredo os dois endereços em que as plantas são cultivadas em Marília, já que o THC é um dos princípios ativos da maconha.
Em foto de arquivo, Cláudia e os dois filhos
Conforme disse, “nós temos nosso plantio. Eu tenho o meu e a Nayara tem o dela. Plantei 02 sementes de Charlotte (14% de Canabidiol e 3% de THC) e 02 de Amnésia (10% de Canabidiol e 10% de THC). Exige muito cuidado, dá muito trabalho. Mas, vale a pena depois que a gente vê o que a Cannabis medicinal integral faz na vida de uma criança”.

Cláudia informou que a primeira extração deve levar entre quatro e cinco meses ainda. A produção exige uma infraestrutura cara, além de seis mil reais por estufa, ainda precisa de iluminação permanente, ventilador etc. Para a extração do óleo, as duas mães dividirão os custos dos equipamentos e pretendem enviar o produto para análise antes de ministrarem aos filhos.

ASSOCIAÇÃO

Nayara e Cláudia anunciaram o plano de fundarem uma entidade sobre a Cannabis para ajudar outras famílias. Estima-se que, no Brasil, 4.500 pessoas portadoras de epilepsia, esclerose, autismo e dores crônicas façam uso da Cannabis Medicinal. “Nossa intenção é poder fazer isso crescer. A gente sabe que como associação, que é mais uma sementinha que a gente vai lançar, a gente quer ajudar outras famílias que, às vezes, não têm a mesma condição”, frisaram.
Fé: Nayara colocou as sementes importadas envoltas no terço
Cláudia lembrou que os pacientes com síndromes epiléticas utilizam medicamentos controlados, de alto custo, e nem sempre disponíveis na rede pública. Por isso, defendeu a importância de se investir em alternativas: “Quando a gente vê uma planta que a natureza nos deu e que fornece para todo e qualquer ser humano melhoras desde depressão, hipertensão até doença degenerativa, é animador”.

Por sua vez, Nayara disse que luta diariamente contra o preconceito: “Não só como profissional de saúde, mas faz parte da nossa cultura essa questão da endemonização, da planta ser tratada como uma droga, que vai causar dependência, psicose. E como profissional de saúde, isso pega mais ainda porque eu atuo na saúde mental, sou articuladora de saúde mental. Faço frente com 62 municípios da DRS de Marília. É complicado porque quando consegui meu salvo conduto, não posso entrar nestas questões porque afronto várias coisas do Estado. Não vou falar sobre Cannabis no meu trabalho”.
Dieta cetogênica: muito azeite

Por outro lado, visando contribuir com a difusão de informações sobre o assunto, Cláudia e Nayara estão à frente da organização de um seminário, que será realizado em Marília, no fim do ano, voltado aos profissionais de saúde e aberto à população. Participarão médicos e pesquisadores que estudam a Cannabis Medicinal, além de advogados e servidores da Defensoria Pública.

Nayara Mazini assinalou que enfrenta muitas dificuldades, como as famílias que passam pelo mesmo problema: “É muita luta, quebra de paradigma, quebra de tabu. A gente precisa disseminar conhecimento. As pessoas precisam conhecer para repensarem tudo o que a gente pode conseguir em qualidade de vida que a gente não tem hoje”.

Na noite da última quarta-feira, a reportagem do JM acompanhou Mateus recebendo sua dose de óleo orgânico integral de Cannabis durante o jantar. Em janeiro de 2018, quando foi realizada uma reportagem sobre a ONG Anjos Guerreiros, da qual Cláudia é presidente vitalícia e fundadora, o menino estava bem diferente. Um ano e meio depois, a melhoria atribuída ao medicamento é celebrada a cada dia.

Cláudia não tem uma noite inteira de sono há 11 anos. Graças ao tratamento de Mateus com Cannabis Medicinal, hoje ela consegue dormir até quatro horas direto porque cessaram as convulsões do filho. A qualidade de vida de Mateus, assim como as melhoras na imunidade de Letícia, são o combustível que mantém a determinação de Cláudia e Nayara em difundirem as boas novas às famílias que, mais do que nunca, precisam tanto de esperança.

Para entrar em contato com Cláudia Marin, o telefone celular é: (14) 997974850 e o e-mail: rafaclamarin@gmail.com

Leia AQUI a reportagem de 20 de janeiro de 2018, sobre o início da luta de Cláudia Marin.


sábado, 13 de julho de 2019

CONTRA O INVERNO RIGOROSO, CAMA QUENTE, ALIMENTO E DIGNIDADE A QUEM PERDEU TUDO.

Por Célia Ribeiro

Na noite da última segunda-feira, as baixas temperaturas transformaram em deserto a maioria das ruas. Com os termômetros atingindo quatro graus, quem tem casa e comida sentiu muito a onda repentina de frio. Agora, o que dizer dos sem-teto espalhados pela cidade? Graças a uma rede de proteção social, Marília se tornou exceção ao acolher, alimentar e oferecer cama quente aos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sem preconceito.
Severino veio de Catanduva em busca de emprego
Inaugurada no final da junho, a Casa Cidadã, mantida pela Secretaria Municipal da Assistência Social, é a prova de que, com planejamento e um pouco de boa vontade, é possível levar dignidade às pessoas e fazer valer os impostos pagos pelos cidadãos. O prédio localizado à Rua Paraíba, 674, impressiona pelo porte, limpeza e organização.
Dormitório masculino 
Ali são recebidos homens, mulheres, crianças, idosos, população LGBT, enfim, pessoas que não têm a quem recorrer e passariam a noite na rua. Concebida para atender até 50 pessoas por noite, a estrutura possui dormitórios masculino e feminino, um quarto para famílias e outras pessoas que não poderiam permanecer nas acomodações destinadas a homens e mulheres.

A entrada ocorre entre 17h e 19h30: quem tem cadastro deixa seus pertences no guarda-volumes e se dirige aos banheiros, também separados para homens e mulheres, com chuveiros quentes e área para quem deseja se barbear. Os que chegam pela primeira vez passam pela triagem, segundo o coordenador da Casa, Rafael Alvarez.
Arroz, feijão, carne com batata e salada:
refeição quente à vontade

“Preenchemos um cadastro para saber de onde a pessoa vem, por que está na rua, se pretende ficar na cidade etc”, assinalou o funcionário, aprovado no último concurso público como cuidador social. Depois do cadastro, os assistidos recebem o kit de higiene com sabonete, escova de dentes e creme dental, além de toalha de banho que, assim como a roupa de cama, é higienizada diariamente na lavanderia do local.

Uma sala de TV com cadeiras simples, mas em bom estado, serve de área de convivência enquanto as pessoas aguardam o jantar ser servido. Na lateral interna do prédio há um fumódromo, bem longe da área comum, e na noite fria de segunda-feira havia alguns homens encolhidos enfrentando o vento entre um cigarro e outro.

O colorido e as mensagens de otimismo estão por toda parte na Casa Cidadã, dando um toque de humanização. Há muitos quadros, vasos e pneus reciclados, que fazem as vezes de banquetas, confeccionados pelos frequentadores do Centro POP, outra estrutura da Secretaria da Assistência Social que atende a população em situação de rua.

TRABALHO ESCRAVO

Respeitando o pedido para que não fossem fotografados de frente, o JM conversou com algumas pessoas. Histórias de tristeza, perdas e desalento misturaram-se à gratidão pela forma como foram recebidos e à esperança de superarem essa fase difícil de suas vidas, como Margarida Silva, 42 anos, que frequenta o lugar desde que ficou desabrigada, junto com o marido.

Margarida quer recomeçar
Ela contou que morava em uma casa simples, onde pagava aluguel, quando foram convidados a trabalharem em uma chácara no bairro Palmital. “O patrão disse que a gente teria casa, comida, não pagaria água e luz e ainda teria um salário. Mas, o tempo foi passando e ele não deu nenhuma assistência pra gente, nem uma cesta básica. Não pagou nada em quatro meses e para comer a gente tinha que sair catando papelão na rua”, relatou.

Quando Margarida e o marido foram reclamar com o patrão, foram expulsos com a roupa do corpo: “Ele estava bêbado e colocou uns homens armados lá, dizendo que a gente tinha invadido a chácara. Não deu tempo de pegar nada. A gente foi para a rua. Se não fosse a Casa de Passagem e depois aqui, não sei o que a gente ia fazer”, contou, emocionada.

Ela disse que, como todos que passam a noite na Casa Cidadã, depois do café da manhã, servido às 6h30, deixa o local. Ela e o marido não ficam na rua. Voltam para o Centro POP onde podem lavar as poucas roupas, fazem atividades artesanais, passam por assistentes sociais e psicólogas e recebem um ticket para almoçarem no Restaurante Bom Prato, mantido pela Prefeitura em convênio com o governo do Estado. Depois, saem em busca de trabalho.
Mulheres acomodam seus pertences após o banho
O sonho de Margarida é conseguir um emprego para poderem alugar uma casa simples e recomeçarem a vida. Como ela, Severino Marques Ferreira, 39 anos, está em Marília em busca de uma nova oportunidade. Ele veio de Catanduva com a promessa de trabalho. Não deu certo e não tinha dinheiro para voltar para sua cidade e acabou ficando. Ele contou que chegou a dormir três noites na rodoviária onde o frio é cortante, até que foi encaminhado para a Casa Cidadã.

RESISTÊNCIA

A secretária da Assistência Social, Wania Lombardi, explicou que nem todos os moradores de rua abordados pela equipe aceitam ir para a Casa Cidadã: “A maioria das pessoas que ficam na rua tem casa. Ficam na rua para consumir drogas. A gente vai conversar e sabe que é do Argolo Ferrão, da Vila Barros. Muitos preferem ficar na rua passando frio porque tem a bebida, tem a droga. E aqui não pode. Se estiver alcoolizado não entra”.
Secretária Wania Lombardi
No abrigo, há pessoas em situações diferentes, acrescentou a secretária: “Acaba aparecendo transexual que o pai colocou para fora de casa, idosos, famílias que estão de passagem etc. Tem as mais diferentes histórias, como alguém da família que faleceu e parentes de fora vêm e não têm dinheiro para voltar”. Em comum, a falta de condições de pagar pela mais simples das hospedagens, restando a rua.
Refeitório: limpeza e organização chamam a atenção
Embora a estrutura funcione das 17 às 7h, e não é permitido entrar após às 19h30, já houve casos de atendimento emergencial de madrugada. Wania Lombardi contou o caso de uma mulher que estava na rodoviária com quatro filhos pequenos. Ela havia perdido a passagem e alguém avisou o Conselho Tutelar. Como a Casa Cidadã tem um quarto para família, o grupo foi acolhido tarde da noite, alimentado e pode dormir em segurança.
Há mensagens por toda parte, como no guarda-volumes
Wania Lombardi disse que a Casa Cidadã era um sonho antigo que foi concretizado através do planejamento: “Eu não faço mágica. É gestão pública, como a que o Daniel está fazendo na Prefeitura, mesmo com todo mundo puxando o tapete. Temos uma equipe muito boa”, frisou, acrescentando que está “fazendo o empoderamento da equipe” com gratificação salarial àqueles que assumirem as responsabilidades de chefia e coordenação como ocorre com outras secretarias.
São atendidas 50 pessoas por noite

Ela elogiou os servidores da pasta, em especial os que estão na Casa Cidadã e têm se dedicado bastante. Só de sentir o aroma do jantar de segunda-feira, no amplo refeitório, à base de arroz, feijão, salada e carne de panela com batata, deu para perceber o capricho. Embora não tenha conseguido tudo o que planejou, Wania chegou perto: “Eu queria ter todos os lençóis brancos, como os de hotel. Não deu. Mas, viabilizamos de um jeito diferente”.

A secretária explicou que alguns alunos do curso de costura do CEPROM não tinham dinheiro para comprar material e praticar o que aprenderam. A Secretaria da Assistência Social providenciou os tecidos e os alunos confeccionaram fronhas, lençóis e até almofadas que decoram o local. E assim, das mãos que receberam ajuda para se profissionalizar saíram as roupas de cama que tornam mais humanas e confortáveis as noites no abrigo.

*Reportagem publicada na edição impressa  de 14.07.2019 do Jornal da Manhã

domingo, 7 de julho de 2019

APÓS RECUPERAR ÁREA DEGRADADA, UNIVEM IMPLANTOU RESERVA FLORESTAL.

Por Célia Ribeiro

A cidade de Marília é reconhecida como importante polo educacional no interior paulista, atraindo estudantes de todo o País. Na zona oeste, a região do Campus Universitário também chama a atenção pelo paisagismo dos três campi ali instalados. No entanto, ao adentrar no espaço do Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM), após passar pelo conjunto de prédios, os visitantes são surpreendidos pela reserva natural, berço de animais silvestres e rica em diversidade de espécies nativas.
Vista aérea do imponente jardim
O desafio de recuperar cinco alqueires de área degradada, tomada por erosões de grandes proporções, foi encarado por duas entusiastas, há quase 30 anos: a artista plástica Neusa Martins Macedo de Soares e a ambientalista e paisagista Liliam Aparecida Marques de Oliveira. São elas que relatam, em entrevista ao JM, como a instituição conseguiu formar um bosque com mais de 3.000 árvores em plena zona urbana.

“A Liliam sempre colaborava conosco. Ela dava aula no SESI e vivia ganhando prêmios pelo seu trabalho. Na parte da tarde, vinha para o UNIVEM e me ajudava com o jardim. Foi assim que começamos”, recordou a artista plástica, que é esposa do reitor Luiz Carlos de Macedo Soares e atua voluntariamente na instituição.
 (Esq.) Liliam Oliveira e Neusa Macedo Soares
A princípio, o desafio da dupla era recuperar os jardins da universidade: “Quando o Dr. Luiz Carlos assumiu como reitor do UNIVEM, a dona Neusa veio para cuidar dos jardins, que estavam um pouco acabados. As árvores estavam muito velhas porque tinham sido plantadas 40 anos atrás e a dona Neusa me convidou para dar uma repaginada nas plantas. E eu vim com um trabalho voluntário, naquela época”, recordou Liliam.
Escultura de Neusa Macedo no jardim florido (Foto Ivan Evangelista)
Diante do desafio que era remodelar o paisagismo da instituição, elas recorreram ao ambientalista e técnico agrícola Emilio Peres a quem fazem questão de agradecer pelo apoio. “Ele trabalhava no viveiro da Prefeitura e  nos ajudou muito. A Prefeitura nos doou muitas mudas, também”, explicou Liliam.

AVENTURA

Neusa e Liliam contaram que as mudanças no paisagismo não foram bem recebidas por todos. Houve resistência por parte de alguns alunos que consideravam supérflua a substituição das plantas. A paisagista contou que havia muitas árvores condenadas pela ação de cupins e formigas, cujos galhos caíam quando ventava mais forte, colocando em risco as pessoas e, por isso, precisavam ser removidas.
Jardineiro cuida da área, repondo plantas
Outro empecilho foram os preços das plantas: “Começamos derrubando as árvores e plantando as palmeiras. Em Marília não tinha palmeiras baratas. A gente pegava o caminhãozinho e passava a noite viajando até São Paulo. A gente chegava à meia-noite, levava rede, colchão e esperava o CEASA abrir. Dormíamos de meia-noite até quatro da manhã na carroceria do caminhão, nós duas e o motorista”, recordou, entre risos, a artista plástica.

Liliam disse que “era uma aventura que fizemos por muitos anos. E, ainda hoje, se for preciso, a gente faz de novo”. As duas guardam muitas lembranças daquela época, ano de 1993, em que tomavam café com os feirantes no CEASA: “Quando amanhecia, nós nos separávamos. Cada uma ia para um lado atrás das plantas. Depois, a gente pegava o carregador e lotava o caminhão. Chegamos a vir com quase mil mudas, entre pequenas, médias e grandes, em cada viagem”, comentou Neusa Macedo.
Neusa à frente de uma de suas esculturas de ferro
Após almoçar no próprio entreposto, elas retornavam para Marília: “A gente chegava no fim da tarde e no dia seguinte já estávamos plantando tudo o que trouxemos de São Paulo”, lembrou a artista plástica que, aliás, confeccionou várias esculturas em ferro que se destacam nos jardins da universidade.

O trabalho da dupla começou a ter visibilidade. Dos jardins na entrada do campus, passaram para as laterais e a parte de trás. Depois, foi a vez de colocar um pouco de verde no interior dos prédios. Hoje, são mais de 350 vasos de plantas espalhados nas áreas administrativa, educacional e espaço de convivência.
 Crianças plantam mudas em evento ambiental
Segundo Liliam, “as pessoas não tinham o hábito de ter um vaso de flor. Hoje, quando tem uma planta doente, uma planta que morreu ou vai ter que ser substituída, as pessoas já falam pra não esquecermos do vaso. E em nova sala é obrigatório. Nós mudamos a cultura dentro da escola”.

ECONOMIA

Neusa Macedo lembrou que fizeram opção por “plantas que davam flores porque, como tem evento o ano inteiro na universidade, se gastava muito com a decoração. No passado, mandavam a floricultura fazer os arranjos e era caríssimo. Depois disso, em todos os eventos não gastamos um tostão. É uma economia. Toda decoração interna vem do jardim”.
As flores estão por toda parte, inclusive nos eventos
E por falar em economia, passada a fase da remodelação do paisagismo, iniciaram a recuperação da área degradada. Dos 07 alqueires da instituição, em 05 deles havia muitos problemas. Aos poucos, foram realizados plantios de mudas até atingir as três mil que compõem a reserva onde um lago foi formado a partir da canalização de minas e que serve para irrigar as plantas no período de seca.

Os galhos, folhas e raízes secos da floresta são aproveitados na produção de adubo. Na reserva natural, todo o material orgânico é decomposto e depois utilizado na nutrição dos jardins que também recebem mistura de resíduos de pó de café e chá, muito úteis para fortalecer as plantas.
Represa formada por minas canalizadas
A recuperação da grande área nos fundos da universidade exigiu planejamento e trabalho duro. Após a canalização das minas, foi construído o lago mediante autorização dos órgãos ambientais que exigiram o plantio das árvores. No entanto, à época, a instituição já havia plantado grande parte delas com a ajuda dos funcionários e também por alunos e professores em eventos dedicados ao meio-ambiente.
Reitor Luiz Carlos (esq.) no início do plantio do bosque
“Fizemos curvas de nível e fomos avançando devagar, usando nossos próprios funcionários”, explicou Liliam. Ela observou que “plantamos sempre na época certa porque tem muita gente que planta em época errada. Se em junho forem fazer o plantio não sei aonde, não adianta me chamar porque não vou. Vai morrer tudo porque vem a seca, vem a formiga, vem a queimada e ninguém presta atenção nisso. Agora, se planta em setembro, que começa o período das chuvas, até chegar a outra seca a planta já enraizou. Por conta desses acompanhamentos a gente teve muita sorte no que a gente fez”, frisou.

Outra preocupação refere-se aos aceiros para impedir a propagação de fogo das queimadas, comuns no período de estiagem: “Fora tudo o que a gente renovou na parte de cima, com palmeiras, com coqueiros e muito verde, na parte de baixo, com o plantio de 3.000 árvores, a gente contribuiu para a recuperação da área. Lá não tem mais erosão e sim característica de floresta com animais silvestres, macacos, quatis, borboletas etc”, afirmou Liliam.
Eventos voltados ao meio ambiente
recebem  crianças no Univem

Por sua vez, Neusa observou um efeito colateral positivo: “A gente contribuiu para recuperação de uma área da UNESP onde tinham plantado 10 mil mudas, veio o fogo e levou tudo embora. As sementes que os passarinhos comem aqui, jogam lá. Então, a mata da UNESP está se refazendo sozinha. A natureza se regenera. Se não colocar fogo, ela vai sozinha pra frente”. Por isso, no UNIVEM, nesta época do ano há um cuidado em fazer aceiros para conter eventuais focos de incêndio na mata.

RECICLAGEM

Para manutenção da imensa área verde, uma solução ambientalmente correta mostrou ser a escolha acertada: a universidade conta com um programa de reciclagem. Todo material que pode ser reaproveitado é recolhido e vendido com renda para a manutenção do paisagismo e da reserva florestal. Além de reduzir o descarte de lixo, a prática serve para estimular os colaboradores que levam para a instituição tudo o que pode ser reciclado, como papéis, papelão, garrafas, latas etc.

Fechando o ciclo, o que anos atrás era descartado, agora rende um bom dinheiro: “Tudo é vendido e o dinheiro utilizado na manutenção do jardim, com adubo, reposição de plantas e ração para os peixes da represa que combatem os pernilongos. É autossustentável”, frisou a artista plástica.
Bags armazenam os recicláveis: lucro mantém jardins, reserva florestal e represa
Ao fim da entrevista, no meio do jardim, com o vento do inverno balançando palmeiras e coqueiros imponentes, Neusa Macedo e Liliam Oliveira só tinham um desejo: chuva. “Quando as plantas estão assim, tristinhas, sem chuva, a gente fica triste também”, comentou a paisagista. Já a artista plástica disse que ao ver “tudo florido, colorido, penso como a natureza é linda e Deus é tão maravilhoso”.

** Fotos: Arquivo Univem

*Reportagem publicada na edição de 07.07.2019 do Jornal da Manhã