sábado, 20 de julho de 2019

CANNABIS MEDICINAL: A SAGA DAS MÃES EM BUSCA DE QUALIDADE DE VIDA PARA OS FILHOS.

Por Célia Ribeiro

Com cinco anos de diferença, Mateus e Letícia carregam uma grande responsabilidade. São depositários da esperança das famílias que se inspiram na luta de duas mães em busca de tratamento e qualidade de vida para os filhos. Cláudia Marin e Nayara Mazini são um exemplo de determinação. Enfrentando inúmeros desafios, a começar pelo preconceito e desinformação, são pioneiras em Marília no cultivo da Cannabis Medicinal após obterem salvo conduto na Justiça.
Mateus observa a plantinha brotar

Mãe de Mateus Castelazi, 11 anos, diagnosticado com “Síndrome de West” ainda bebê, Cláudia Marin iniciou o tratamento com Cannabis, em 2015: “No ano anterior, consegui liberação pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e começamos a importar”, explicou, acrescentando que por alguns períodos obteve o medicamento pelo Governo do Estado, mas com o desabastecimento, foi preciso importar a pasta por conta própria.

Ela contou que “essa medicação importada fez efeito no Mateus, mas demorou quase um ano. Por isso, digo que a persistência é o senhor da razão”. Apesar dos altos e baixos, ela observou resultados animadores: “Neste período, ele teve algumas perdas. Por exemplo, começou a babar e ele nunca babou. Ele ficava mole, muito sonolento ou muito agitado. A gente teve muitas perdas, mas a gente ganhou muitas coisas também, como a imunidade dele que melhorou. Ele passou a não ter mais tantos problemas respiratórios”.
Nayara Mazini e Cláudia Marin

 O uso da Cannabis Medicinal é um entre tantos recursos que Cláudia e o esposo Rafael elegeram para o tratamento do filho, hoje com 11 anos, que chegou a ter 80 convulsões por dia. Ele se alimenta com uma dieta cetogênica (rica em gordura, proteína na medida necessária e pobre em carboidrato), é acompanhado por fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudióloga, além de neuropediatra, nutricionista e professora de educação especial.

“Eu achava que só existia a medicina alternativa. Aí aprendi que existe a medicina integrativa em que o indivíduo é estudado como único e exclusivo e dentro dos padrões dele eu consigo tratar. Por isso, hoje eu trato com alopatia, homeopatia, dieta cetogênica, cannabis medicinal, manipulados reguladores além de frequência quântica. Também fazia ozonoterapia, mas tivemos que parar por causa dos custos. Tudo isso para ver o meu filho melhor. E o melhor de tudo isso é que, agora, vai existir a possibilidade de começar a retirar os alopáticos da vida dele”, assinalou.

EVOLUÇÃO

O otimismo de Cláudia Marin se explica após uma mudança recente: ela foi procurada por uma pessoa que estava cultivando a Cannabis e extraindo óleo orgânico integral que se mostrou muito potente. Com a introdução do óleo, em pequenas gotas nas refeições, em seis meses os resultados foram surpreendentes.
Cláudia pinga gotas do óleo na colher durante o jantar dado pelo pai, Rafael.
Ela contou que “a Cannabis importada reduziu as crises convulsivas do Mateus. De 80 crises convulsivas por dia, veio a ter 30 por dia. A convulsão dele vinha com espasmos, ele entortava todo, com intensidade maior ou menor. Se ele não dormia, a intensidade era muito maior”. Já com o uso do óleo a melhoria é imediata.
Nayara, Letícia e a plantinha brotando

Conforme disse, “já aconteceu do Mateus não dormir cinco dias e cinco noites e ter uma crise sequencial. Pego o óleo e pingo uma gota na boca dele e acaba a crise. É um milagre? Não sei dizer. Mas, para o Mateus, a vida dele mudou depois do óleo artesanal. Mudou na imunidade, parte motora, parte cognitiva, parte visual e parte intelectual porque ele consegue fazer contatos, ele está mais atento às terapias”.

Entre tantos profissionais que acompanham Mateus e Letícia, destaca-se o médico Vinicius Barbosa, de Sorocaba, doutorando em Cannabis. Cláudia explicou que antes desse óleo artesanal, fez um teste com o óleo da ABRACE (Associação Brasileira de Apoio Canabis Esperança), da Paraíba, mas não surtiu os resultados esperados.

CULTIVO LEGALIZADO

A exemplo de Cláudia, a enfermeira Nayara Mazini pesquisou muitas alternativas para a filha Letícia, de seis anos. Ela nasceu com a “Síndrome 1p36” (doença genética congênita) e desenvolveu a “Lennox-Gastaut”, conhecida como síndrome epilética pediátrica. Ela contou que a filha tinha muitos problemas de imunidade.

Sementes brotando
Nayara utilizava a Cannabis Medicinal importada, em pasta, e resolveu substitui-la pelo óleo orgânico: “Eu não conseguia trabalhar e nem fazer nada na minha vida porque eu vivia com a Lelê no hospital”. Após a nova medicação, a menina apresentou ganhos na parte imunológica: “Não internei mais minha filha, nem dei mais antibiótico. Se ela pega uma gripe, com antialérgico eu tiro”, frisou.

Além de poupar a filha de longos períodos de hospitalização, muitas vezes em UTI, o novo tratamento trouxe um ganho para a família, também: “Voltei a trabalhar, voltei a ser ativa socialmente. Trouxe uma melhoria da qualidade de vida para todos. Como mãe, não tem como a gente estar bem se nossos filhos não estiverem bem”.

Diante do impacto do uso da Cannabis Medicinal na saúde dos filhos, Claudia e Nayara decidiram ingressar na justiça com pedido de Habeas Corpus Preventivo a fim de importarem sementes e produzirem canabidiol para o tratamento das duas crianças. Os advogados Pedro Luís Fracaroli Pereira e Estevan Luís Bertacini Marino tiveram êxito e obtiveram a autorização legal.

“Nós fizemos o caminho totalmente oposto da grande maioria das famílias que conseguiram salvo conduto no Brasil. São aproximadamente 40 famílias. A maioria começou a plantar e depois foi em busca do salvo conduto. Nós fomos atrás da regularização primeiro para depois plantar”, explicou Cláudia que, por questões de segurança, mantém em segredo os dois endereços em que as plantas são cultivadas em Marília, já que o THC é um dos princípios ativos da maconha.
Em foto de arquivo, Cláudia e os dois filhos
Conforme disse, “nós temos nosso plantio. Eu tenho o meu e a Nayara tem o dela. Plantei 02 sementes de Charlotte (14% de Canabidiol e 3% de THC) e 02 de Amnésia (10% de Canabidiol e 10% de THC). Exige muito cuidado, dá muito trabalho. Mas, vale a pena depois que a gente vê o que a Cannabis medicinal integral faz na vida de uma criança”.

Cláudia informou que a primeira extração deve levar entre quatro e cinco meses ainda. A produção exige uma infraestrutura cara, além de seis mil reais por estufa, ainda precisa de iluminação permanente, ventilador etc. Para a extração do óleo, as duas mães dividirão os custos dos equipamentos e pretendem enviar o produto para análise antes de ministrarem aos filhos.

ASSOCIAÇÃO

Nayara e Cláudia anunciaram o plano de fundarem uma entidade sobre a Cannabis para ajudar outras famílias. Estima-se que, no Brasil, 4.500 pessoas portadoras de epilepsia, esclerose, autismo e dores crônicas façam uso da Cannabis Medicinal. “Nossa intenção é poder fazer isso crescer. A gente sabe que como associação, que é mais uma sementinha que a gente vai lançar, a gente quer ajudar outras famílias que, às vezes, não têm a mesma condição”, frisaram.
Fé: Nayara colocou as sementes importadas envoltas no terço
Cláudia lembrou que os pacientes com síndromes epiléticas utilizam medicamentos controlados, de alto custo, e nem sempre disponíveis na rede pública. Por isso, defendeu a importância de se investir em alternativas: “Quando a gente vê uma planta que a natureza nos deu e que fornece para todo e qualquer ser humano melhoras desde depressão, hipertensão até doença degenerativa, é animador”.

Por sua vez, Nayara disse que luta diariamente contra o preconceito: “Não só como profissional de saúde, mas faz parte da nossa cultura essa questão da endemonização, da planta ser tratada como uma droga, que vai causar dependência, psicose. E como profissional de saúde, isso pega mais ainda porque eu atuo na saúde mental, sou articuladora de saúde mental. Faço frente com 62 municípios da DRS de Marília. É complicado porque quando consegui meu salvo conduto, não posso entrar nestas questões porque afronto várias coisas do Estado. Não vou falar sobre Cannabis no meu trabalho”.
Dieta cetogênica: muito azeite

Por outro lado, visando contribuir com a difusão de informações sobre o assunto, Cláudia e Nayara estão à frente da organização de um seminário, que será realizado em Marília, no fim do ano, voltado aos profissionais de saúde e aberto à população. Participarão médicos e pesquisadores que estudam a Cannabis Medicinal, além de advogados e servidores da Defensoria Pública.

Nayara Mazini assinalou que enfrenta muitas dificuldades, como as famílias que passam pelo mesmo problema: “É muita luta, quebra de paradigma, quebra de tabu. A gente precisa disseminar conhecimento. As pessoas precisam conhecer para repensarem tudo o que a gente pode conseguir em qualidade de vida que a gente não tem hoje”.

Na noite da última quarta-feira, a reportagem do JM acompanhou Mateus recebendo sua dose de óleo orgânico integral de Cannabis durante o jantar. Em janeiro de 2018, quando foi realizada uma reportagem sobre a ONG Anjos Guerreiros, da qual Cláudia é presidente vitalícia e fundadora, o menino estava bem diferente. Um ano e meio depois, a melhoria atribuída ao medicamento é celebrada a cada dia.

Cláudia não tem uma noite inteira de sono há 11 anos. Graças ao tratamento de Mateus com Cannabis Medicinal, hoje ela consegue dormir até quatro horas direto porque cessaram as convulsões do filho. A qualidade de vida de Mateus, assim como as melhoras na imunidade de Letícia, são o combustível que mantém a determinação de Cláudia e Nayara em difundirem as boas novas às famílias que, mais do que nunca, precisam tanto de esperança.

Para entrar em contato com Cláudia Marin, o telefone celular é: (14) 997974850 e o e-mail: rafaclamarin@gmail.com

Leia AQUI a reportagem de 20 de janeiro de 2018, sobre o início da luta de Cláudia Marin.


Um comentário:

  1. É preciso enfrentar de frente essa questão da liberação da Cannabis para fins medicinais e acredito que a liberação da maconha como foi feita no Uruguai também nos pouparia de uma série de problemas que enfrentamos em razão desta proibição.

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