domingo, 6 de março de 2022

BEIJO DA MORTE: COMO UMA ÁRVORE EXUBERANTE CAUSA DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL

Por Célia Ribeiro

As flores de cores vivas da árvore imponente escondem um veneno cruel para abelhas, insetos e pássaros. As espatódeas, que atingem até 25 metros de altura, muito comuns na zona rural e também na área urbana, são responsáveis pelo desequilíbrio do meio-ambiente por matarem as abelhas que não resistem ao entrarem em contato com uma substância altamente tóxica. 

Espatódea em Araucária/PR onde está proibida

Estudos indicam que 90 por cento das flores silvestres e 75 por cento da produção de alimentos dependem das abelhas para a polinização. Por isso, quando se fala em mortandade de abelhas é preciso analisar o assunto com mais profundidade e ver o exemplo de cidades do Sul do País que criaram leis proibindo o plantio de espatódeas e sua substituição gradual, como o município de Araucária, na região metropolitana de Curitiba. 

Johnny, meliponicultor de Marília

“As espatódeas representam o assassinato das abelhas. O que mais se perde é de Jataí. O enxame pode estar forte e se definha do nada”, observou Johnny Thiago Santana, criador de abelhas sem ferrão e idealizador do Projeto Doce Futuro, na zona oeste de Marília. Ele destacou a perversidade do problema: “Algumas abelhas não morrem na hora e conseguem voltar para a colmeia. Nesta hora, contamina o pólen, a colmeia e mata o enxame todo”, pontuou.

O meliponicultor contou, com tristeza, que muitos condomínios horizontais de alto padrão de Marília têm as ruas tomadas pelas espatódeas. No caso do Projeto Doce Futuro, nas imediações do Distrito de Padre Nóbrega, ele disse que foram localizadas três árvores que serão erradicadas e substituídas pela astrapeia: “Nosso projeto visa fomentar a educação ambiental e levar as crianças para conhecerem o que fazemos pela preservação ambiental”, assinalou.

 PROBLEMA GRAVE

 Segundo o engenheiro florestal e consultor ambiental Cauê Carbinato Duarte dos Santos, a espatódea está difundida em todo o Brasil. Vinda da África, ela se adaptou bem ao clima e, por não ter predadores naturais, consegue se reproduzir muito rapidamente: “Embora seja parente do ipê, ela não tem o ciclo como o dele que dá sementes uma vez por ano. Ela dá semente o ano inteiro. A taxa de reprodução dela é muito alta e é considerada uma invasora biológica porque está ocupando espaço de uma árvore nativa aqui”. 

Abelhas mortas na flor da espatódea

Ele assinalou que “em muitas fazendas, o pessoal planta por ser bonito. É igualzinha à flor do ipê, só que floresce o ano inteiro. Ela tem semente alada e a distribuição dela é pelo vento. Ou seja, onde o vento conseguir levar, ela vai parar. Na cidade de Itu e no Estado do Paraná já foi proibido, passível de multa, a reprodução desta espécie e o plantio de novos indivíduos”.

 O engenheiro florestal acrescentou que “a retirada de indivíduos adultos se faz necessária com a substituição de novas espécies para manter a questão da temperatura, umidade, sombreamento, barramento de vento etc”.

Cauê, eng. florestal

Além das abelhas, muitos insetos e pássaros, como o beija-flor, são vítimas das espatódeas: “É uma árvore muito atrativa para os pássaros e para os insetos. Até pássaros que consumirem um inseto que consumiu o néctar dela vai se intoxicar”. Ele explicou que “às vezes, se encontra um beija-flor morto dentro da flor porque ele tem o metabolismo extremamente acelerado”. No entanto, um pássaro que comer um inseto contaminado, ficará com a toxidade no seu sistema digestivo e vai morrer, também, embora não imediatamente como o beija-flor.

Cauê alertou que “se tiver um laranjal e levar as abelhas para fazerem a polinização, e houver uma espatódea na área, o máximo que vai conseguir é matar as abelhas”. Ele também refutou a justificativa dos benefícios da árvore à qualidade do ar: “Sobre o sequestro de carbono, depois que o indivíduo está adulto ele praticamente não sequestra nada de carbono. Tudo o que ele consome ele devolve durante a noite. Só vai retirar o carbono da atmosfera enquanto tiver desenvolvimento vegetativo, crescimento de galho e de tronco. Quando a espatódea atingir o estágio adulto, só vai fazer fotossíntese, devolvendo o gás carbônico durante a noite”. 

Árvore comum em condomínios de alto padrão

PREFEITURA

De acordo com Cassiano Rodrigues Leite, chefe do Meio Ambiente de Marília e pós-graduado em Gestão Ambiental, “a prefeitura possui, em seu quadro de servidores, engenheiros agrônomo e florestal responsáveis pela arborização urbana, que orientam sobre as espécies adequadas para plantio em áreas públicas, inclusive oferecendo mudas gratuitamente no bosque municipal. Infelizmente, muitas pessoas plantam árvores sem conhecimento algum, e acabam introduzindo espécies inadequadas, que podem causar desequilíbrios ambientais." 

Cassiano, chefe do Meio Ambiente

Conforme disse, “estes plantios sem acompanhamento técnico são os grandes vilões do urbanismo, danificando tubulações e fios. As vistorias são feitas pelo setor de engenharia da prefeitura; porém, as árvores são erradicadas apenas se apresentarem doenças ou estiverem colocando em risco pessoas ou patrimônios. Assim, orientamos para que as pessoas busquem orientações antes de plantarem árvores em área urbana”.

Cassiano afirmou que “estudos indicam que as flores da espatódea apresentam substâncias consideradas tóxicas para as algumas espécies de abelhas nativas sem ferrão e também para as abelhas-africanizadas. Não temos leis no Brasil que proíbam o plantio desta espécie, porém, já existem cidades se mobilizando pela erradicação desta planta, principalmente na região sul do país. Em Marília, já elaboramos legislação que proibirá a comercialização, reprodução em viveiros e plantio desta espécie, sendo que as existentes passarão por substituição gradativa, conforme a necessidade de erradicação, após vistoria”.

 

Abelhas do Projeto
Doce Futuro
Entretanto, ele ressalvou que “estas árvores desempenham funções importantes dentro dos centros urbanos, como liberação de oxigênio, sequestro e armazenamento de carbono, abrigam espécies da fauna e da flora, aumentam a umidade do ar, trazem conforto térmico, sombreamento e redução dos ruídos urbanos. Portanto, não podemos sair simplesmente cortando as existentes. O primeiro passo é parar de plantar, evitando a ampliação dos impactos negativos e, caso a caso, conforme as condições analisadas, substituirmos as existentes gradativamente por novas mudas, preferencialmente nativas, sob orientação técnica do setor de engenharia”.

Cassiano explicou que “além do serviço de engenharia oferecido de forma gratuita, que orienta tecnicamente e disponibiliza cartilhas sobre o tema, a prefeitura possui o ‘Projeto Minha Cidade é Verde’, que está arborizando centenas de áreas ociosas no município, orientando a população sobre os procedimentos corretos e espécies arbóreas adequadas para o centro urbano”. 

E finalizou: “O mariliense tem optado por espécies que apresentam floradas exuberantes, como Ipês, Manacás, Resedás, Jasmim do Caribe, Quaresmeiras, Flamboyants-Mirins, Acácias, dentre outras. Todas compatíveis com o planejamento urbanístico, aprovadas pelo setor de engenharia responsável pela arborização urbana. As espécies são indicadas segundo as características individuais de cada imóvel, considerando-se fiações, tubulações e outros itens que compõem o planejamento urbanístico da região que abrigará o plantio”.

Leia reportagem de 2013, deste blog, sobre as espatódeas na zona urbana, acessando AQUI

*Reportagem publicada na edição de 06/03/2022 do Jornal da Manhã

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