sábado, 2 de março de 2019

MAIS QUE UMA REFEIÇÃO E BANHO QUENTE, VOLUNTÁRIOS DEVOLVEM DIGNIDADE ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA.

Por Célia Ribeiro

Nos últimos anos, é evidente o crescimento do número de pessoas que perambulam pelas ruas de Marília. Arrastando histórias dolorosas junto aos poucos pertences, geralmente em decorrência de alguma perda familiar, eles largaram tudo e caíram no mundo. Invisíveis para grande parte da sociedade, diariamente, mais de 200 desses moradores de rua têm a oportunidade de se sentarem à mesa e saborearem uma refeição nutritiva graças ao trabalho dos voluntários da Assistência Social Dr. Bezerra de Menezes.

Refeição completa, preparada na hora.
Localizada à Rua Maranhão, 242, atrás do estacionamento da Galeria Atenas, a entidade existe há 89 anos. Primeiro, como um departamento do Centro Espírita, Luz, Fé e Caridade e, mais recentemente, com CNPJ e identidade próprios adequando-se às normas que regem as instituições filantrópicas. Muita coisa mudou nestes anos todos. No entanto, a essência, que são a caridade e o amor ao próximo, mantém-se intocável.

Quem explica sobre esse trabalho social pouco conhecido é a presidente Aline Dal Roveri,  funcionária pública de 39 anos: “Desde sua criação, sempre teve o trabalho assistencial, voltado às pessoas carentes. Ao longo dos anos, esse trabalho foi se modificando: entrega de cestas básicas, depois enxoval para bebês onde tínhamos uma sala de costura na entidade, sempre teve o banho e entrega de roupas, e depois foi criada a sopa que, durante muitos anos, ficou conhecida como o sopão”.

 Ela contou que “antes, eram famílias carentes e depois, além das pessoas com residência e trabalho, mas com grande dificuldade financeira, a gente passou a atender as pessoas que estão em situação de rua, de vulnerabilidade social extrema”. Ela observou que “muitos são alcoólatras, drogaditos, mas nem todos. A gente sempre gosta de passar essa mensagem porque, às vezes, as pessoas pensam que quem está na rua é porque usa droga ou bebe”.
Depois do almoço, hora das voluntárias organizarem a cozinha
Aline prosseguiu observando que “tem sempre uma história por trás, muitas vezes de sofrimento, de perdas, que faz com que a pessoa perca totalmente a esperança e queira se desvincular de família, de trabalho, de tudo e se coloca em uma situação como essa”. Na entidade, não há qualquer tipo de discriminação, frisou.
Todos podem comer à vontade: dignidade

Os almoços com arroz, feijão, carne, legumes, verduras e, algumas vezes, até suco e sobremesa, são servidos das 11 às 12h, de segunda-feira a sábado, sendo que no sábado ainda é oferecido o café da manhã. Diariamente, entre 200 e 220 pessoas passam pela instituição. Além disso, às terças e sextas, das 7h15 às 9h15, é oferecido o banho em chuveiro aquecido onde os assistidos recebem kits de higiene pessoal e trocam de roupa. Eles podem cortar barba e cabelo e uma voluntária ainda faz o corte de unhas tão importante para os idosos.

DIGNIDADE

A presidente informou que as roupas com que as pessoas chegam, geralmente muito sujas, são descartadas e todos recebem vestimentas novas graças às doações da comunidade. Quanto ao kit de higiene, eles são orientados como usar “embora a gente saiba que, muitas vezes, é difícil eles encontrarem uma torneira para escovarem os dentes na rua”, assinalou.
Filas à porta da entidade no início do século passado
Ela informou que todo o trabalho é realizado por mais de 60 voluntários, número que ainda é pequeno diante de tanto trabalho. Há apenas uma funcionária que é contratada pelo Centro Espírita Luz, Fé e Caridade que também contribui com o custeio do gás, entre outras despesas: “Tem gente para cortar os legumes, para preparar o alimento, para servir, tem o pessoal que ajuda na limpeza depois, temos as voluntárias que cuidam do bazar para arrecadar dinheiro para a instituição, entre outras atividades”.
Presidente Aline

Sem receber subvenções oficiais, a entidade sobrevive das doações dos voluntários e de associados que contribuem com o que podem, do bazar permanente que funciona às segundas-feiras das 8h30 às 10h, além de eventos como a venda de pizzas, duas vezes por ano. Os supermercados Tauste, Confiança e Pão de Açúcar colaboram com a doação de legumes e verduras que ainda estão próprios para consumo, mas não selecionados para a venda.

Em cada refeição, são consumidos 15 a 20 kg de arroz, 06 kg de feijão, 30 a 40 kg de legumes, 10 kg de carne, além das verduras. Quando as doações não são suficientes, a entidade adquire o que precisa no comercio para que, todos os dias, o almoço esteja garantido.

Um fator preocupante tem sido o aumento do número de mulheres e crianças nos almoços. Aline contou que além das mesas grandes para os homens, havia uma pequena para mulheres e crianças comerem separadamente. “Hoje, vemos que a mesa pequena enche duas e até três vezes no dia”, pontuou.
Parte dos voluntários: doação sem discriminação
Para os voluntários, que se revezam em escalas, o tempo dedicado é “uma doação que faz bem pra gente mesmo”, como explicou a aposentada Zilda Alves Avelino, há 09 anos na instituição. Ela contou que trabalha na cozinha: “Ajudo fazer as marmitas, cada voluntário fica em uma panela e  ajudo a servir. O serviço voluntário é tudo”, assinalou.
Dona Zilda (à direita) é voluntária há 09 anos
INVERNO

Como a maioria das instituições filantrópicas, a Assistência Social Dr. Bezerra de Menezes também sofre com a sazonalidade das doações. No fim do ano, pelo espírito natalino, observa-se um volume maior de doações da população. Depois, “as doações começam a rarear”, observou Aline, lembrando que “nosso movimento, no entanto, não diminui ao longo do ano. Às vezes até aumenta”.
O bazar gera renda para a instituição
Com a aproximação do inverno, outra preocupação assola os voluntários: a necessidade de roupas de frio. A presidente explicou que no início da estação chegam os cobertores e agasalhos do Fundo Social de Solidariedade: “São 30 a 40 cobertores que nós entregamos para os mais necessitados. Só que atendemos mais de 200 pessoas por dia. Por isso é importante a colaboração da população no sentido de doar aquilo que não está usando”.
Carne com legumes servidos na última quinta-feira
Aline disse que todas as doações são bem-vindas: “Quando alguém pergunta se estamos precisando de alguma coisa eu digo: sempre. Ou de legumes, carne e material de limpeza porque tem muita toalha de banho para lavar. As roupas que eles usam e que são substituídas vão para o lixo, não dá para serem reutilizadas, porque tem toda uma questão de saúde e de higiene. Além disso, tem os banheiros para serem limpos. A estrutura do salão e da cozinha, diariamente,  é tudo lavado e higienizado. E a conta de luz é grande porque são 30 a 40 pessoas tomando banho quente duas vezes por semana”.
Às vezes, conseguem servir sobremesas.
A presidente lamentou o preconceito: “Tem pessoas que passam na frente, entram e querem ajudar. Para nós, é muito emocionante quando a pessoa se solidariza com a situação de quem está na rua porque não é fácil viver na rua. Quase todos os voluntários já ouviram que a pessoa está na rua porque quer. Jamais alguém vai querer ficar na rua sem banheiro, sem água, sem comida, sem um teto. Não é porque optaram por isso. É porque, de alguma forma, a vida os levou a ficar em uma situação como essa. E poderia ser qualquer um de nós. Temos histórias muito tristes de pessoas que perderam familiares, perderam a vontade de viver e saíram pelo mundo”.

Ela afirmou que “perder a esperança na vida faz com que as pessoas tomem certas atitudes. Temos consciência que muitos que vêm aqui são drogaditos, alcoólatras que se tornaram por alguma razão. Tem muita história por trás, por que levou a perder os vínculos familiares e a viver na rua. Foram inúmeras vezes que pais vieram aqui buscar os filhos, da mãe vir e ficar esperando para tentar levar esse filho embora. O que a gente gosta de passar para eles é que, independente da situação que esteja, tem que preservar sua dignidade, preservar sua esperança na vida”.
Materiais de limpeza são muito importantes para higienização do local
E prosseguiu destacando que a entidade não se limita aos voluntários que frequentam o Centro Espírita: “A casa está aberta para qualquer pessoa que queira ser voluntário. A gente não tem por hábito perguntar qual a religião da pessoa. Temos uma parte importante do nosso almoço que é a preleção. Sempre tem um voluntário que fala 5 minutos sobre algum assunto, não necessariamente religioso”.

Conforme disse, “a preleção é para a pessoa se motivar porque dificuldade todo mundo tem e, talvez, uma palavra naquele dia toque e faça com que a pessoa saia daquela situação, vá procurar um emprego, volte para sua família. Temos vários casos da pessoa voltar a estudar, arranjar um trabalho, ter o perdão e voltar para sua família  e depois passar aqui e falar obrigado pelo acolhimento e contar que está bem”, finalizou.

Para ajudar a instituição com alimentos, materiais de higiene e limpeza, roupas usadas etc, basta se dirigir à Rua Maranhão, 242. Ou telefonar para: (14) 981297696 que os voluntários retirarão as doações.

* Reportagem publicada na edição de 03.03.2019 do Jornal da Manhã

5 comentários:

  1. Excelente matéria e nos mostra mais um espaço de Marília em que pessoas mais necessitadas sempre vão encontrar um prato de comida, uma mão amiga e um abraço solidário, sendo este último, certamente, o mais importante de todos os ingredientes que a instituição oferece. Solidariedade em alta = comunidade mais feliz.

    ResponderExcluir
  2. Na caridade não deve haver julgamento e sim empatia.

    ResponderExcluir
  3. Linda atitude,tudo feito com amor e capricho, Morro de vontade de comer a comida, deve ser muito boa,cara de comida de mãe.

    ResponderExcluir
  4. Caridade, solidariedade, nos torna pessoas melhores!!!!! Vocês estão. De parabéns

    ResponderExcluir
  5. Obrigada às postagens acima. Toda ajuda a esta entidade é bem-vinda. Voltem sempre ao blog!

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo(a). Seu comentário será postado, em breve.