sábado, 16 de março de 2019

DO FUTEBOL À FILANTROPIA: OS 50 ANOS DO “CIRCO” QUE FAZ O BEM A QUEM PRECISA.

Por Célia Ribeiro

Em uma linha do tempo, 50 anos de lembranças separam o aposentado Antonio Idevalder Costa do gramado do “Circo” onde, no último domingo (10), foram reiniciadas as atividades esportivas de 2019. Patrimônio de Marília, fundado por Valdyr Cezar e esposa Marina Betti Cezar em 1.969, o lugar pode ser resumido em duas palavras: respeito e amizade. Sob o manto de um rígido código de conduta, o “Circo” é formado por quase 100 associados que se reúnem para disputar animadas partidas de futebol society, além de promover eventos beneficentes e culturais como os tradicionais desfile e baile de carnaval.
Aos 92 anos, Sr. Idevalder acompanha a benção no campo
Para documentar um dia no “Circo”, a reportagem precisou madrugar. O horário limite para a entrada dos frequentadores é às 7h50. Muito antes chegam os escalados para a tesouraria (a contribuição mensal é de 120 reais), para o preparo do café da manhã (à base de pão, manteiga, frios generosos e café), e organização da tabela dos inscritos para as partidas do dia.
Café da manhã no capricho
Uma curiosidade contada por José Luiz Carvalho, o Zé Vó, dá a dimensão do clima divertido: “Os times são divididos por faixa. Tem os goleiros,os laterais, todas as posições, e tem os teimosinhos: para quem passou de 60 anos ou pesa mais de 100 quilos”, disse entre gargalhadas. E explicou o apelido dos mais experientes: “Quando alguém pergunta do que eu jogo, falo que jogo de teimoso. Por isso, somos os teimosinhos”.
Teimosinhos: categoria especial para quem não desistiu de jogar
BENÇÃO ESPECIAL

Três dias após o “Circo” completar 50 anos de fundação, a ideia era realizar uma missa ao ar livre, no domingo, reunindo os frequentadores e familiares. No entanto, o tempo instável assustou, segundo o fundador Valdyr Cezar, que reside na propriedade. Apesar das nuvens ameaçadoras, não diminuiu o entusiasmo do grupo que se reuniu na famosa roda, em que são tratados todos os assuntos pendentes, incluindo alguma desavença em que os envolvidos têm que se acertar. Manter o ambiente de amizade é essencial para eles.
Amizade e descontração: antes dos jogos, todos se encontram na roda.

Valdyr e Dona Marina
O momento é um misto de cerimônia e descontração. Palavras de agradecimento ditas pelo atual presidente do “Circo”, José Ribamar Motta Teixeira Junior, cujo pai jogou até quase os 80 anos, foram entremeadas de brincadeiras, sempre respeitosas. O lugar é um ambiente estritamente familiar, como faz questão de destacar Valdyr Cezar: “Aqui não se anda sem camisa. Para sentar à mesa e almoçar, depois do jogo, tem que tomar banho”, exemplificou, citando que “temos um código de conduta rígido”.

Uma coisa que chama a atenção é a presença de muitos pais acompanhados por filhos e netos: as crianças vão pequenas ver os pais jogarem e quando chegam a uma certa idade também querem participar. E, assim, o “Circo” vai se perpetuando abastecido com a energia das novas gerações.
Os times são formados logo cedo
Como não houve a missa, o Padre Carlão (irmão do ministro do STF Dias Tóffoli), na condição de orientador espiritual do “Circo”, foi para o centro da roda dar uma benção especial. Do lado de fora, apoiado no alambrado e no andador que o ajuda nesta fase de mobilidade reduzida, o veterano Antonio Idevalder Costa fez questão de acompanhar tudo, rezando com fervor o “Pai Nosso”.
Valdyr recepcionou Sr. Idevalder e o Dito Bola. Ao fundo, Zé Vó.
Além dele, que ingressou no grupo quando a chácara já tinha nove meses de funcionamento, esteve presente o Dito Bola (Benedito Sebastião de Oliveira) que junto com João de Almeida e Martinho Ferreira são co-fundadores do “Circo”. O nome, aliás, foi ideia de Valdyr Cezar quando adquiriu a propriedade inspirado nas apresentações mambembes de artistas da Capital quando vinham a Marília.
O conhecido Sato preparou deliciosas caipirinhas de aperitivo
BAGUNÇA SÓ DO CIRCO

Aos 92 anos, o Senhor Idevalder lembra com saudade como tudo começou: “A gente se reunia aos domingos para jogar uma bolinha e depois fazíamos uma vaquinha para comprar o que comer e beber. Com o tempo, isso foi aumentando e joguei até os 65 anos, continuando a participar depois. Hoje, venho aqui só para as confraternizações”.
Padre Carlão no centro da roda: benção especial

Apontado como um dos idealizadores do código de conduta, o aposentado fala com orgulho sobre a trajetória de meio século do “Circo”, frisando o papel do fundador: “O que o Valdyr formou aqui é um negócio indescritível. Não é fácil manter uma reunião de tantas pessoas tão diferentes, com essa amizade. As normas são rigorosas. Mas, têm que ser porque senão vira bagunça. E de bagunça, só vale a ‘Bagunça do Circo’”, assinalou em alusão ao carnaval.
Vestido de mulher,  grupo se divertiu na "Bagunça do Circo"
E por falar em carnaval, Valdyr Cezar lembrou sobre o início do desfile de rua que arrasta milhares de pessoas no sábado anterior ao carnaval e que chegou ao 19º ano. “As coisas foram apertando com as dificuldades do nosso povo. Acabou o carnaval de rua e entramos com a Bagunça. Quem falava que não podia comprar fantasia, eu dizia: Você tem mãe, irmã, namorada, esposa. Pega uma roupa delas’.” E assim, ano após ano, os integrantes do “Circo” se fantasiam de mulher levando alegria no cortejo animado por trio elétrico pelas ruas principais de Marília.
O baile atraiu milhares de foliões (Foto: Arquivo do Circo)
O tradicional baile, com as marchinhas de carnaval, é outro evento marcante. Ele fez renascer os bailes da cidade que tinham desaparecido. Neste ano, em comemoração aos 50 anos, a decoração caprichada foi só um detalhe: venda recorde de mesas e ingressos em um ambiente frequentado por pessoas de todas as idades e muitas famílias, como é o espírito do grupo.
Cada semana um grupo se encarrega dos comes e bebes
Cada domingo tem um cardápio e uma equipe diferente na cozinha
AÇÃO SOCIAL

Valdyr Cezar explicou que o “Circo” não deixa entrar política e que preza pela harmonia entre seus membros que, além do esporte e do carnaval, desenvolvem importantes ações sociais que beneficiam instituições filantrópicas da cidade. “Há 30 anos ajudamos a APAE”, assinalou o fundador, acrescentando que, nos últimos anos, com a organização de um almoço para 1500 pessoas, foi possível ajudar 15 entidades que recebem os ingressos (50 reais) para venda. Toda renda fica com as instituições e os membros do Circo trabalham duro tanto na organização quanto na realização do almoço que já se tornou tradicional.
Ribamar Junior (presidente) e Valdyr Cezar (fundador)
“O homem lá de cima disse que estava sempre nos protegendo. Então, devemos fazer alguma coisa boa para os outros”, afirmou Valdyr Cezar que, mesmo após o falecimento da grande dama do Circo e companheira Marina Cezar, deu prosseguimento à sua obra. Assim, ao longo do ano, várias instituições são auxiliadas, seja com fraldas, remédios, alimentos etc.

Ele contou que, há muitos anos, o “Circo” promove um almoço no Asilo São Vicente de Paulo na época do Natal e que, sempre que alguma instituição necessita, mesmo sem fonte de recursos, o “Circo” reúne seus membros e discute uma maneira de ajudar.

Integrantes do Circo no almoço beneficente de 2018 (Foto Will Rocha)
Como nem tudo é trabalho, o grupo se confraterniza em dezembro, ao fim do campeonato e, em junho, promove o Jantar Dançante pelo “Dia dos Namorados” quando é proibido ir sozinho, brinca Valdyr, lembrando que é uma oportunidade de confraternização dos integrantes que podem levar esposas, noivas, namoradas e familiares.

Os filhos foram escolhidos patronos

Sob inspiração da memória de Marina Betti Cezar, os filhos Cesar Augusto Cezar e Alessandro Carlo Cezar foram eleitos “Patronos de 2019”. Em meio aos troféus e centenas de fotos, um banner com os homenageados vestidos de palhaço ocupa lugar de destaque na área de convivência. A imagem colorida lembra que, sob a cobertura do “Circo”, o esporte, a cultura e, principalmente, a solidariedade servem de liga para aproximar, cada vez mais, seus integrantes.

*Reportagem publicada na edição de 17.03.2019 do Jornal da Manhã

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