sábado, 9 de julho de 2022

TRIBUNAL DE JUSTIÇA CRIA FLUXO DE ORIENTAÇÃO ÀS MULHERES QUE DESEJAM COLOCAR OS FILHOS PARA ADOÇÃO.

 Por Célia Ribeiro

“Entrega não é abandono”. A afirmação consta da cartilha “Política de Atenção à Gestante” que o Tribunal de Justiça de São Paulo, através da Coordenadoria da Infância e da Juventude, elaborou em conjunto com as Secretarias Estaduais da Saúde e da Assistência Social e do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo, como forma de acolher, com respeito e dignidade, as mulheres que desejam entregar os filhos à adoção antes mesmo do nascimento.

Mariana e Alessandra
esperando Juju

Nas últimas semanas, esse assunto atraiu os holofotes porque a atriz Klara Castanho revelou ter entregue o filho à adoção assim que nasceu. Ela justificou sua atitude afirmando ter sido vítima de estupro e descoberto a gravidez somente meses após a concepção. Apoiada pela família, a jovem atriz consultou advogados e passou por todo o processo legal que deveria ser sigiloso, mas que veio à público pela cobertura da mídia de celebridades.

Entregar o filho a outra família para criar é, na verdade, um ato de amor. Segundo a assistente social Ana Paula Ferreira de Castro, do Setor Técnico de Serviço Social e Psicologia do Fórum de Marília, existe um protocolo para acolhimento e acompanhamento das mulheres que desejam entregar os filhos para a adoção legal. O objetivo é evitar situações dramáticas como as de mulheres que fogem do hospital após o parto ou deixam os bebês em lixeiras, bueiros ou na porta de residências.

“Normalmente, quando a pessoa está grávida e não quer ficar com o bebê, ela pode procurar o Posto de Saúde que já a encaminha para o Judiciário para que possamos fazer o atendimento desde o início do gravidez”, explicou. Conforme disse, “a gente vai verificar a parte psicológica. Às vezes, ela tem depressão ou algum problema de saúde mental e aí a encaminhamos para a rede pública de saúde”.

Mariana, Juju e Alessandra

Da mesma forma, é avaliada a condição socioeconômica para saber se a mulher está entregando o bebê por causa de uma situação momentânea, como o desemprego. O setor também faz os encaminhamentos para a Assistência Social do município. Outra questão é identificar se a gestante contou à família e se pretende avisar o pai da criança. 

De qualquer modo, prosseguiu Ana Paula, a decisão da mulher é respeitada e, se ela realmente estiver decidida, é iniciado o processo que culmina com uma audiência perante o juiz onde ela será assistida por um defensor público. A assistente social comentou que uma preocupação frequente é se o bebê ficará em instituições de acolhimento e que as gestantes demonstram alívio ao saberem que a criança irá direto do hospital para uma família previamente habilitada na fila da adoção.

Parte da equipe do Setor Técnico de
Serviço Social  e Psicologia do Fórum 

A assistente social fez questão de frisar que as mulheres têm garantido um atendimento profissional e sem pré-julgamentos por parte dos funcionários da rede de acolhimento. Aliás, na própria apresentação da cartilha do TJ, o desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvea destaca: “É preciso que as instituições e seus funcionários adotem posturas éticas e técnicas na perspectiva de superar os estigmas que acompanham essas mulheres”.

PROTOCOLO NA MATERNIDADE

Em nota enviada pela Assessoria de Imprensa do HC-Famema, a assessora técnica do Hospital Materno Infantil, Renata Galego Coelho Felisberto, explicou que “quando uma gestante é atendida em nosso hospital e, durante a internação ou após o parto, verbaliza o desejo de entregar seu filho para adoção, imediatamente são acionados os profissionais de serviço social e psicologia para acolhimento multiprofissional”.

Cartilha do TJ

Assim, prosseguiu: “Após o acolhimento, caso os profissionais identifiquem o desejo de realizar a entrega, o bebê é separado da genitora e transferido para a internação em outro setor, normalmente na unidade de cuidados intermediários. Na sequência, são elaborados relatórios médicos contemplando as informações do nascimento e condições clínicas do bebê, além de relatório do Serviço Social. Os documentos são remetidos ao Fórum, aos cuidados do juiz da Vara da Infância e da Juventude, que irá determinar outros detalhes do processo de adoção, além do local de abrigamento da criança”. 

HISTÓRIA DE AMOR

A menininha tímida e de olhar meigo vivia há um ano e meio entre outras crianças no CACAM (Centro de Apoio à Criança e ao Adolescente de Marília) quando surgiu em seu caminho aquela que faria seu coração bater mais forte: a assistente administrativa Alessandra de Oliveira Papa. A conexão foi instantânea, recordou a mãe do coração que aguardava na fila da adoção após tentar engravidar durante muitos anos.

Alessandra disse que quando ela e o marido decidiram adotar enfrentaram resistência por parte de pessoas que contavam histórias trágicas para desencoraja-los. Mas, não foi suficiente: “O amor vai falar mais alto, com certeza. Só tínhamos em mente a vontade de doar esse amor e, já que nosso filho não vinha de maneira natural, resolvemos então lutar para viver tudo isso”, pontuou.

Mariana e a mãe Alessandra

Ela recordou, com ternura, cada etapa vencida: “Hoje sabemos que foi a melhor decisão que tomamos porque, na verdade, podemos dizer que não há diferença nenhuma. Após 09 anos com minha filha do coração veio a nossa filha de maneira natural e o amor pelas duas é igual, sem nenhuma diferença”.

Atualmente com 18 anos, Mariana conheceu Alessandra em uma visita do casal ao CACAM: “Foi mágico quando fomos visita-la, pela primeira vez. Já tivemos a sensação que ela seria nossa filha. Foi maravilhoso, o coração disparou e não contínhamos as lágrimas. Meu marido olhou pra mim e disse: é ela”, contou a mãe.

Na época, Mariana tinha três anos e guarda poucas memórias do abrigo: “Lembro de algumas coisas, que tinha muitas crianças comigo. E também lembro de ter ido passar finais de semana com algumas famílias”. Em entrevista ao JM, Mariana, que trabalha  em uma empresa de cobrança e faz planos para a universidade, disse que a adoção mudou sua história.

“Antes, eu ficava lá com muitas crianças, saía com algumas famílias. E lembro de quando vieram me buscar, da minha mãe e minha avó junto. É uma experiência emocionante ter alguém pra te dar um carinho que você não tinha antes, ficava no orfanato e não tinha toque de pai, de mãe e agora tenho uma família”, afirmou.

No entanto, foi preciso perseverar na fase de adaptação: “Adotamos minha filha quando ela tinha acabado de completar três anos e vivia no abrigo há um ano e meio. Quanto trouxemos ela para casa tudo era novo para ela que não conseguia nos chamar de pai e mãe. Nos chamava de tio e tia e parecia não gostar de ficar conosco. Os primeiros meses foram muito tristes, mas não desistimos”. 

Férias: família completa

A assistente administrativa disse que com muito amor e paciência, foram quebrando as resistências: “Eu chorava e pensava: Deus, será que ela nunca vai gostar da gente? O tempo foi passando e um dia eu ouvi ela me chamar de mãe pela primeira vez. Levei um choque, um choque de felicidade e vi que tinha dado tudo certo com toda a nossa dedicação”.

Alessandra destacou que a verdade é essencial: “Sempre falei pra ela: filha você não nasceu da minha barriga, você nasceu do coração. Eu e seu pai oramos muito para ter um bebê e Deus enviou você para nós”. No entanto, o casal precisou redobrar os cuidados e atenção quando, naturalmente, Alessandra engravidou.

Assistente Social
Ana Paula

“Lógico que tomei alguns cuidados, sempre priorizando atenção a ela. Quando fui comprar alguns móveis para o quarto delas sempre comprava algo novo pra ela e dizia ‘novo pra você porque você veio primeiro, né filha?”, comentou. No fim, Mariana recebeu a irmãzinha Juliana com muito amor e o fantasma da rejeição desapareceu, segundo a mãe.

Depois de passar pelo processo de habilitação para a adoção e encontrar, finalmente, a tão sonhada filha, Alessandra só tem a agradecer pela Mariana em sua vida: “É gratificante. Ela se tornou uma mulher linda, responsável, carinhosa. Enfim, só me dá orgulho. Sou super a favor da adoção e posso dizer, com propriedade, que foi uma das experiências mais incríveis que vivi”.

Para saber mais sobre o processo de adoção, leia a primeira parte da reportagem publicada nesta coluna no Jornal da Manhã e no blog, clicando AQUI

Acesse AQUI a cartilha do Tribunal de Justiça.


*Reportagem publicada na edição de 09/07/2022 do Jornal da Manhã


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