domingo, 12 de junho de 2022

PROJETO INÉDITO DE PREVENÇÃO À RECAÍDA LEVA ESPERANÇA AOS DEPENDENTES QUÍMICOS

 Por Célia Ribeiro

Arte marcial sul-coreana, o Taekwondo é um esporte de combate em que vence o atleta que consegue atingir os pontos marcados nos protetores do oponente. Na vida, há quem trave uma luta dessas, silenciosamente, para superar um inimigo interno: a dependência química. A boa nova é que uma abordagem inédita em Marília está ajudando um grupo de homens a evitarem a recaída.

Rogério, Irmã Santa e Tiana

Reconhecida por promover a reinserção social de dependentes químicos, a Aurora Boreal, obra das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima, ingressou na terceira etapa de seu mais importante trabalho social em agosto de 2021. Denominado “Prevenção à Mente Recaída”, o projeto é dirigido pelo médico Dr. Mário Luiz Furlanetto Junior com o apoio de uma equipe de terapeutas voluntários e das irmãs missionárias.

Irmã Santa

A presidente da instituição, Irmã Santa Mendes da Silva, assistente social de formação e missionária que morou em vários países da Europa, recebeu a reportagem nesta semana para falar sobre a mudança de foco. Conforme disse, de 2011 a 2017, o Centro de Apoio atendeu apenas homens e de 2017 a 2021 passou a acolher apenas mulheres que não encontravam muitas opções de instituições após deixarem as comunidades terapêuticas. No entanto, com a pandemia e muitas mulheres reabilitadas retornando às suas famílias, o espaço tornou-se ocioso.

A religiosa disse que rezava dia e noite pedindo a Deus uma providência. Foi quando o Dr. Mário a conheceu em um outro projeto de reinserção social, “Colo de Mãe”, e soube do trabalho que a Aurora Boreal desenvolvia. Naquela época, como professor voluntário de Taekwondo em uma comunidade terapêutica, o médico observou que após a atividade esportiva, quando meditava com os internos, alguns se emocionavam chegando às lágrimas.

O DESPERTAR

“Vi um menino que sempre chorava no final. Eu fui conversar com ele e descobri que ele se abria comigo e não falava com mais ninguém”, recordou, contando sobre o despertar do seu interesse pelo assunto. Algum tempo depois, quando soube que o garoto teria que voltar para uma comunidade terapêutica pensou que poderia ajuda-lo com outra abordagem e precisava de um local. A Aurora Boreal, então, chegou sob medida para um trabalho inovador que vai revolucionar a maneira como se trata a recaída.

Dr. Mário Furlanetto Jr.

Como cirurgião vascular, Dr. Mário foi atrás de conhecimento e no mês que vem se forma em Psiquiatria com especialização em dependência química: “Eu fui estudar para fazer o máximo que eu conseguisse por ele. Fui ver que recaída não é o que a gente pensa. Não é ir lá usar a substância. A recaída é um comportamento que começa, às vezes, duas semanas antes, ou um minuto antes”, observou.

Ele explicou que se trata “de um estado mental extremamente patológico que o indivíduo entra e que tem como fim usar a substância. E isso dá para observar clinicamente”. O médico revelou que se apaixonou pela complexidade do tema à medida em que aprofundava seus estudos não encontrando nada parecido no Brasil.

De acordo com o Dr. Mário, este é “o primeiro projeto especializado em recaída, como um processo neurológico, mental, psicológico e psiquiátrico que leva a pessoa a se transformar em um estado mental doentio que ele não sabe o que está fazendo. Ele vai lá usar, mas ainda não sabe. Se a gente não interromper isso, ele vai usar”.

Por isso, a equipe terapêutica multidisciplinar, formada por voluntários, é fundamental. Juntamente com o médico, os pacientes recebem atendimentos durante três meses, gratuitamente, na Aurora Boreal, onde a capacidade atual é de 04 pacientes alojados em quartos individuais. 

Tiana (direita) e a terapeuta consteladora Gláucia,
 com Irmã Santa e pacientes

O médico destacou que a condição principal para o paciente ser aceito é desejar, realmente, o tratamento “porque se colocar um paciente que não está a fim, ele vai se estressar e vai acabar fazendo uso”, pontuou. Durante o período de internação, as terapias incluem Reiki, Psicoeducação, Constelação, Barra de Acess, além de atendimento médico e psicológico, entre outros.

Horta para consumo próprio e laborterapia

Durante a longa entrevista ao JM, o médico adiantou que o manual que escreveu para orientar os terapeutas chegou a 140 artigos e vai se tornar um livro: “Não é prevenção à recaída. Na verdade, é prevenção ao uso porque a recaída é um processo biológico. Ele pode vir, automaticamente, a cada três meses, durante dois anos. Neste período, existem vários mecanismos biológicos que estão atuando e ninguém ainda olha para isso”.

Por conta do ineditismo desse trabalho, Dr. Mário Furlanetto Junior tem publicado artigos em revistas e sites médicos do Brasil e do exterior.

Rogério: recomeço é luta diária

FUNDO DO POÇO

Bibliotecária aposentada da Unesp, Sebastiana Freschi, conhecida por Tiana, se emocionou ao falar sobre o trabalho que desenvolve como terapeuta de práticas integrativas: “Gostaria de trabalhar com as questões da dependência porque tenho em família. Senti que era algo que eu deveria contribuir. Tive muitas experiências, vi coisas muito tristes. E os meninos têm me ensinado muito. A gente tem tido uma troca de ensinamentos. É uma benção estar aqui”.

Um dos quatro pacientes é Rogério, 39 anos. Morador de Paraguaçu Paulista, ele fica na Aurora Boreal durante três dias aproveitando a profissão de aplicador de insulfilm para realizar alguns trabalhos em Marília. Sua história impressiona: aos 14 anos começou cheirando cola, depois passou para maconha e aos 27 anos estava no crack quando perdeu tudo, incluindo esposa e três filhas.

Atividade na areia:
terapia que limpa a mente

Morando na rua, ele chegou ao fundo do poço enfrentando o medo diário da violência, passando fome e frio quando se drogava para esquecer a situação em que se encontrava. Na quarta-feira, dia da reportagem, ele contou orgulhoso que estava há 146 dias sem uso de drogas, que se casou de novo e luta, a cada dia, para se manter firme.

Rogério deixou uma mensagem às famílias: que enfrentem o problema e parem de super proteger o dependente químico: “Quando o filho sai da comunidade terapêutica, a mãe dá celular, dinheiro, leva no shopping, ao invés de fazer o filho virar homem e lutar por suas coisas. Tem que parar de alisar a doença”, frisou.

O mesmo disse Pedrinho, 28 anos, mineiro que começou a se drogar aos 12 anos e passou por inúmeras clínicas de reabilitação e comunidades terapêuticas. Há quatro anos sem uso de drogas ele aconselha as famílias a serem firmes. Além dos dois, há um profissional que preferiu não se identificar que trabalha em home office das 8 às 17h em seu quarto na instituição. Funcionário de uma multinacional, ele contribui com a casa cedendo o cartão alimentação com que são realizadas compras de alimentos. O quarto paciente é um cuidador social, dependente químico, que trabalha de dia e retorna à instituição no fim da tarde.

MANUTENÇÃO

Irmã Santa disse que a Secretaria da Assistência Social contribui com cestas básicas e que os internos ajudam com o que podem, assim como a entidade recebe contribuição do dízimo da Igreja São Miguel e doações de voluntários. Mas, muitas vezes as contas não fecham e, assim, nem colocando o seu 13º de aposentada foi possível terminar as obras do segundo banheiro.

Banheiro inacabado

As pessoas que desejarem contribuir com esse projeto social podem depositar qualquer valor pelo PIX 718.733.418-49 (CPF da Santa Mendes da Silva, missionária de Nossa Senhora de Fátima). A entidade está localizada à Rua Antônio Dantas, 135 – Jardim América em Marília. O e-mail para contato é: auroraborealirmasanta@gmail.com

Leia AQUI o artigo do Dr. Mário sobre a neurobiologia da desintoxicação.

Acesse outras reportagens sobre a Aurora Boreal AQUI e AQUI

*Reportagem publicada na edição de 12.06.2022 do Jornal da Manhã


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