domingo, 6 de junho de 2021

COM CÁPSULAS DE ALUMÍNIO E DESCARTÁVEIS, PROFESSOR DÁ VIDA AOS OBJETOS QUE CRIA.

 Por Célia Ribeiro

Cafés inspirados na torra italiana, oriundos do Sul de Minas Gerais ou de países como a Indonésia, Guatemala ou Colômbia: ao toque do botão na máquina de café, a cápsula colorida revela sua potência, exalando o aroma característico que faz a alegria dos apreciadores da bebida. Em Marília, um professor universitário aposentado viu algo mais. Encantado pelas cores das cápsulas de alumínio ele não teve coragem de descarta-las. Passou a limpar uma a uma e classificá-las para um aproveitamento futuro.

A delicadeza do colar com cápsulas de café

E esse dia chegou. Há dois anos, o estoque de cápsulas de café, de consumo próprio e doadas pelos amigos, são uma das principais matérias primas do artesanato de José Augusto Guimarães que, com incrível talento, as transforma em bijuterias e “Espíritos Santos” com que presenteia os familiares e amigos.

Em entrevista por vídeo ao JM, o professor universitário contou que sua ligação com o reaproveitamento de materiais é coisa antiga. Na verdade, a arte o conquistou há muitos anos quando, inspirado nas mulheres da família, deu os primeiros passos em uma atividade que lhe traz enorme prazer. 

Um dos muitos quadros com "Espírito Santo"

Ele contou que a bisavó “era muito sensível e habilidosa. No início do século passado, ela e meu bisavô foram à França para um congresso médico e, nessa viagem, ela visitou Barcelona e ficou encantada com os mosaicos de Gaudí no Parque Guell. De volta ao Brasil, passou a fazer vasos e cachepôs de cacos de porcelana. Também nesta tônica de juntar peças distintas, fazia lindas bolsas de festa de patchwork com retalhos de gravatas de seda que eram rebordadas”.

Vaso feito com cacos de louça

O professor prosseguiu dizendo ter sido “impregnado por essas ideias de juntar pedaços, tanto que meu memorial no concurso para professor titular da UNESP intitulou-se ‘Mosaicos de um Caminho’. Alia-se a isso uma curiosidade natural que sempre tive quanto a tudo o que é jogado fora e mesmo aquilo que, na minha casa, iria para o lixo. A questão do artesanato acho que herdei da minha mãe que tinha uma habilidade e uma criatividade incríveis. E, assim, uma vez aposentado da UNESP pude me dedicar a esse artesanato e à jardinagem e horticultura”.

CAÇADOR DE CAÇAMBAS

Professor José Augusto

Antes de mais nada, José Augusto é um observador. Ao avistar uma caçamba, seus olhos brilham de curiosidade e ele não resiste: vai conferir o que descartaram e, caso haja qualquer coisa que possa ser aproveitada em seus trabalhos, sem cerimônia, ele abre o porta-malas do carro e saca a caixa de ferramentas para pegar o que lhe interessa.

Cápsulas de alúminio se misturam
às pedras neste par de brincos

E não só nas caçambas ele se abastece. O professor contou que já pegou objetos deixados nas portas das residências, incluindo vasos de plantas que levou para casa e cuidou com carinho: “É um ser vivo que estava fadado à morte”, observou. Ele acrescentou que “o que é mais forte é essa coisa do ‘revival’, do dar vida nova”, disse, contando que o perfil que criou no Instagram para mostrar suas peças, que também são comercializadas, é justamente o trabalho manual (@revival_handcrafts)”.

Cápsulas selecionadas se transformam
em belas obras como esse crucifixo

José Augusto contou que anda devagar quando vê “o que as pessoas jogam na frente das casas e, às vezes, descubro uma pérola no lodo. Acho um móvel de madeira que tem um torneado, um puxador, uma fechadura que pode virar outra coisa. Acho tesouros maravilhosos. Tudo o que eu faço, quase nada é coisa nova, mas veio de outro lugar. Então, ressignificar pra mim é muito forte”. 

CÁPSULAS DE CAFÉ

A paixão pelas cápsulas de alumínio vem de longe. O professor contou que adquiriu a primeira máquina de café expresso em 2008 quando residia no exterior: “Quando veio aquela caixa com mostruário eu fiquei absolutamente fascinado por aquelas cores. E comecei a guardar”, recordou. 

Mistura de cápsulas de diferentes
cafés neste colar de pérola

Rindo, ele disse que “tem gente que fala que sou um acumulador. Mas, não. Eu falo que sou um acumulador organizado. Como sou bibliotecário, eu guardo as coisas classificadas, organizadas e comecei a guardar as cápsulas pensando em um dia servir para alguma coisa”. 

E por falar em reaproveitamento, até as bijuterias que a sua esposa não usa mais ele utiliza nas suas criações. Colares e brincos, entre outras peças, usam as cápsulas de café como base e muitos outros materiais, geralmente reaproveitados. “Costumo dizer aos amigos, se quebrar uma louça na sua casa, não jogue fora. Guarde pra mim”, em alusão aos vasos que continua fazendo.

EDUCAÇÃO

As plantas são outra paixão do artista

José Augusto lamenta a falta de informação, sobretudo às populações mais vulneráveis, que poderiam aproveitar o que têm em casa para criar algo e gerar renda. “Falta educação a respeito. Mas, falta, sobretudo, informação sobre os olhares estéticos que podem ser dados a esses materiais”, citando o preconceito da sociedade sobre tudo que é material usado.

Ele finalizou deixando uma mensagem a quem se interessou por esta arte: “Mudar a forma de olhar para aquilo que se descartam procurando sempre ver a possibilidade de um processo transformador e criativo”.

Uma carteira social pode ficar mais bonita 
com as cápsulas no mesmo tom

O professor José Augusto também utiliza descartáveis na jardinagem e horticultura, com soluções simples que podem ajudar muitas pessoas, sobretudo nesta época difícil de desemprego em função da pandemia. A segunda parte desta reportagem será publicada no próximo domingo, dia 13 de junho.  

No Instagram acesse: @revival_handcrafts 

*Reportagem publicada na edição de 06.06.2021 do Jornal da Manhã


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5 comentários:

  1. Meu Deus! Professor Zé, Quanta sensibilidade artística para nos alegrar nesses tempos pandêmicos e de tanta dor. Amei. Um abraço

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  2. Fantastico! Reportagem de primeiríssima. E como vc escreve gostoso!!! Parabéns!!!!!

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    1. Obrigada, querida! Devo a vc ter encontrado este tesouro pra compartilhar com meus leitores. Beijo

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  3. Suas peças alinham criatividade, bom gosto e cultura. Adoro tudo o que você faz.

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  4. Sensacional...e pensar que esses objetos iriam para um lixo qualquer, e pelas suas mãos se tornaram essas lindas bijouterias .. parabéns.

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