sábado, 14 de setembro de 2019

EX-BOLSISTA DE MARÍLIA É PESQUISADOR DA MAIOR PRODUTORA DE NIÓBIO DO MUNDO.

Por Célia Ribeiro

Uma história de superação: assim pode ser classificada a trajetória de Lucas Henrique Eiras dos Santos que, aos 28 anos, exibe um currículo invejável fruto de muita determinação. Ex-bolsista do ensino médio no Colégio Compacto de Marília, ele abraçou a oportunidade para se dedicar aos estudos conquistando aprovação em quatro universidades públicas. Mas, isso era apenas o começo. Em 2019, ao concluir o doutorado em química pela USP de São Carlos, ele já tem novo endereço em Araxá (MG) onde foi contratado como pesquisador pela maior produtora e fornecedora mundial de nióbio, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM).
Apresentação da Tese, defesa do doutorado em São Carlos
Para entender como Lucas chegou tão longe, em pouco mais de  uma década,  é preciso voltar ao ano de 2007. Ele cursava o terceiro colegial no período noturno, por ter uma mensalidade mais acessível, quando a direção do colégio, notando a dedicação do aluno, ofereceu-lhe uma bolsa integral para o período diurno. Como a família residia no Distrito de Avencas, o avô o trazia de manhã, junto com a irmã e só retornavam à noite. Eles almoçavam a marmita que a mãe preparava e Lucas dedicava todo o tempo aos estudos.

Em entrevista ao JM, ele explicou que “após as aulas no período da manhã, eu permanecia no colégio à tarde para estudar, fosse através de simulados ou comparecendo às monitorias das matérias que eu tinha dificuldade. Uma coisa que ajudou bastante foi estudar em grupo, pois ajudando os amigos eu conseguia fixar melhor o conhecimento. Explicar para os outros é uma forma efetiva de consolidar o conhecimento, conforme eu aprendi, posteriormente, em uma disciplina do doutorado sobre Docência”.
Durante congresso na Costa Rica, em 2.016
Aprovado em Química em duas universidades (USP de São Carlos e Unicamp), Engenharia de Materiais (UFSCar) e Medicina (Famema), Lucas sabia bem o que queria: “Química era minha prioridade, já que era minha disciplina preferida e a descrição da carreira (trabalhar com pesquisa acadêmica ou desenvolvimento de processos e produtos na indústria) foi bastante atrativa para mim. Engenharia de Materiais foi uma segunda prioridade, já que a formação em Engenharia abre muitas portas no mercado de trabalho, e a Engenharia de Materiais é uma das que mais se aprofunda no estudo da Química. Medicina foi um desafio proposto pelo colégio, tendo em vista meu potencial”.

DESAFIOS

Além de sentir falta da família, ele enfrentou outros desafios nos primeiros anos: “Durante a graduação, eu fui bolsista de iniciação científica por dois anos. Conciliar as atividades de pesquisa com o curso também foi um desafio, já que o curso era integral. Era preciso estar em São Carlos durante boa parte das férias para manter o cronograma de pesquisa em dia. Depois disso veio o doutorado. Entrar no doutorado direto foi difícil pois havia alguns requisitos de currículo, um exame admissional e um teste de fluência em inglês. Graças à iniciação científica eu preenchia os requisitos de currículo, mas precisei de um esforço a mais para estudar e ter aprovação nos outros dois testes”, recordou.
Com colegas no Projeto Rondon, em Mato Grosso
Lucas prosseguiu comentando os entraves para a pesquisa no Brasil: “Paralelamente a isso, eu e meus colegas tivemos que lidar com dificuldades como a redução dos recursos para a pesquisa. Alguns colegas fizeram seus mestrados e doutorados sem bolsa, e eu mesmo tive que fazer o último ano sem bolsa. Além disso, o aumento do número de grupos de pesquisa no País, sem um aumento compatível do financiamento de projetos, fez com que houvesse limitações com relação a materiais (reagentes químicos) e infraestrutura (equipamentos analíticos). Desenvolver uma pesquisa de ponta com recursos limitados é um desafio, já que tudo tem seu custo, especialmente em Química, em que reagentes e equipamentos normalmente são importados”.

Ele contou que foi bolsista de iniciação científica: “Desenvolvi um projeto em um laboratório de pesquisa por dois anos. Neste projeto aprendi muito sobre como é trabalhar em um laboratório, o que foi bastante motivador. Também tive a oportunidade de participar do projeto Rondon em 2011. Foi uma ótima experiência, onde pude, junto com um grupo de estudantes da Escola de Engenharia de São Carlos (USP), levar um pouco do que aprendemos na universidade para o benefício de regiões em desenvolvimento”. O grupo esteve no interior do Mato Grosso.
Bacharelado, com a mãe e a irmã
Ele acrescentou que “durante a graduação também pude fazer um intercâmbio, no qual recebi uma bolsa da USP para passar um semestre em Portugal. Este foi um período de muito crescimento pessoal, pois conviver com outra cultura expandiu minha percepção sobre o mundo”. Entre 2012 e 2013, Lucas foi aluno do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Química do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa).

Deste período, ele guarda boas lembranças: “Além do aprendizado dentro de sala de aula, também tive um grande desenvolvimento pessoal. Convivi com diversos estudantes intercambistas, tanto brasileiros quanto europeus, e foi interessante conhecer pessoas de outras culturas e se adaptar a essa diversidade. Foi muito interessante a forma como estabelecemos amizades rapidamente, principalmente entre os intercambistas brasileiros e isso contribuiu para que eu não me sentisse sozinho, mesmo longe de casa”.
Visita ao Louvre, em Paris 

Ele realizou o sonho de viajar para França, Espanha e Inglaterra: “Em todas essas viagens eu pude reparar em diferentes culturas e como as coisas funcionam em diferentes países. Foi um período de amadurecimento em que pude expandir minhas próprias opiniões e enxergar as coisas como um cidadão do mundo  e não apenas de um país”, observou.

CAMINHO DA PESQUISA

Lucas comentou, com orgulho, sobre o mais novo desafio: “Estou trabalhando na Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) com pesquisa e desenvolvimento a nível industrial. A CBMM é a maior produtora e fornecedora mundial de produtos de nióbio, e está investindo no desenvolvimento de materiais à base deste elemento para aplicação em baterias. Essa pesquisa vem de uma parceria com a Toshiba para o desenvolvimento de uma nova geração de baterias que atendam o mercado de veículo elétricos”.

Conforme disse, “essas baterias devem possuir uma alta capacidade de carga elétrica, bem como uma alta velocidade de recarga e longo tempo de vida, para que os veículos tenham autonomia sem precisar de outros combustíveis. Para viabilizar este projeto, a CBMM investiu em infraestrutura e recursos humanos. Havia a necessidade de contratação de pessoal com experiência em pesquisa e desenvolvimento na área de Eletroquímica, ramo da Química na qual, entre outros tópicos, se estudam as baterias. Desta forma, no final de maio, fui contratado para me juntar a uma equipe que tem como desafio desenvolver materiais à base de nióbio, que atendam às necessidades da indústria de baterias e levar a produção destes materiais ao nível comercial”.
Com orientador e comissão julgadora do doutorado
Visionário, ele sabe bem a importância do momento em que vive: “É uma grande oportunidade para mim que investi na minha formação como pesquisador. Por muito tempo planejei trabalhar como docente-pesquisador em uma universidade, já que no Brasil a maior parte da pesquisa científica vem das universidades públicas. Entretanto, a pesquisa no Brasil tem sido cada vez mais difícil já que as universidades dependem do financiamento público e a disponibilidade de recursos tem sido cada vez mais limitada”.

E concluiu: “Tenho a chance, agora, de trabalhar em algo que pode revolucionar o mundo: a utilização de veículos elétricos é fundamental para que a sociedade atinja a sustentabilidade. Além de dispensar o uso de combustíveis fósseis, a eletricidade utilizada para recarregar as baterias destes veículos pode vir de fontes renováveis e limpas”.

GRATIDÃO
Em Araxá, novo desafio como pesquisador

Aos 28 anos, Lucas leva uma vida tranquila em Araxá. Quando não está trabalhando, gosta de ler e assistir séries na TV, especialmente de suspense, investigações e épicos. Ele falou com gratidão sobre a oportunidade da bolsa no ensino médio: “A concessão de bolsas, tanto em concursos internos quanto externos, é uma política positiva que muitos colégios adotam e permite que jovens, de famílias com rendas mais baixas, tenham acesso a bons colégios. Este foi o meu caso, já que só pude ingressar no Compacto devido à bolsa. Esta oportunidade me abriu portas para chegar onde estou hoje, e acredito que este tipo de iniciativa deve atender o maior número possível de estudantes”.

Ele finalizou destacando que, no caso dos concursos externos de bolsas de estudo, o objetivo é selecionar jovens talentosos e dedicados provenientes de escolas públicas: “Como todos sabemos, é dever do governo investir na qualidade do ensino nas escolas públicas. Mas, enquanto não alcançarmos a qualidade que a sociedade deseja, os colégios particulares devem contribuir gerando oportunidades ao maior número possível de jovens talentosos”.

No dia 09 de setembro de 2012, este blog publicou uma entrevista com Lucas quando foi aprovado em quatro universidades. O arquivo continua disponível AQUI.

*Reportagem publicada na edição de 15.09.2019 do Jornal da Manhã


3 comentários:

  1. Renovando os nossos agradecimentos a todos que fizeram parte e tornaram possível uma jornada tão linda quanto difícil. Incluindo a querida jornalista Célia Ribeiro que nos deu a oportunidade de fazê-lo publicamente.
    "A Ele toda honra e glória. Tudo com Jesus, nada sem Maria!"

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  2. Muito obrigada!
    Foi um privilegio contar essa bela história de sucesso e superação. Um exemplo para nossos jovens. Ao Lucas, todo sucesso do mundo. E parabéns à sua família. Que Deus os abençoe infinitamente.

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  3. Que história maravilhosa, exemplar raro na espécie humana!

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