domingo, 4 de agosto de 2019

VIOLÊNCIA: O EMPREENDEDORISMO SOCIAL TRANSFORMA A VIDA DAS PESSOAS IMPACTADAS

Por Célia Ribeiro

O que Robert Redford e o banqueiro bengali Muhammad Yunus têm em comum? Ambos colocaram seu conhecimento a serviço de uma causa nobre. No caso do ator e diretor, criou o Sundance Film Festival para ajudar cineastas independentes. Já o economista fundou o banco Grameen, focado no microcrédito, para tirar pessoas da pobreza em Bangladesh. Ambos são empreendedores sociais e suas ações não podem ser mensuradas pelo lucro financeiro e sim pela mudança que causam na vida das pessoas.
Roda de conversa com lideranças femininas no Jardim Julieta

Em Marília, a delegada aposentada da Delegacia de Defesa da Mulher, Rossana Rossini Camacho, segue exemplos inspiradores. Ela começou a trilhar esse caminho ao atuar na difusão de conhecimento para o empoderamento das mulheres: “O meu empreendedorismo é transformador, é a aplicação das políticas públicas para as mulheres, é a realização daquilo tudo que é necessário para tirar as mulheres da situação da violência, da ignorância e do medo”, explicou.

Desde 2014 integrante do Conselho Estadual da Mulher, Rossana é referência na luta pelos direitos das mulheres e combate à violência doméstica. Em 2012, pouco antes de se aposentar, ela viajou aos Estados Unidos, a convite do governo norte-americano, juntamente  com representantes de vários países, quando conheceu trabalhos de ONGs  que a impactaram.
Materiais distribuídos nos eventos


De volta ao Brasil, Rossana  não se conformou em guardar para si o que aprendeu nos 25 anos à frente da Delegacia da Mulher, quando passaram por suas mãos mais de 70 mil ocorrências. Aposentada, ao invés de aproveitar o tempo livre para o merecido descanso, ela resolveu  comprovar suas teses: “Como delegada, o problema já tinha acontecido e eu não podia fazer nada. Por isso, pensei como seria importante agir na prevenção, levar informação e orientação às mulheres”.

No dia 24 de junho, quando completou 62 anos, ela começou a colocar em prática os planos gestados com paciência nos últimos sete anos. Após concluir o Empretec, curso do SEBRAE para empreendedores, lançou um folder onde estão elencadas, de maneira simples e de fácil consulta, orientações sobre como enfrentar e superar a violência doméstica.
Encontro “Mulher Cidadã”, no Espaço 96
Com o apoio do marido e do casal de filhos, seus maiores incentivadores e patrocinadores, a delegada aposentada sentiu-se fortalecida para avançar: com uma ampla rede de contatos, dos tempos de serviço público e também dos anos à frente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Marília, ela tem participado de rodas de conversa e proferido palestras em centros comunitários, entidades, órgãos públicos, empresas e até em casas de família, na periferia.

COMO TUDO COMEÇOU

Ela contou que sempre se preocupou em como apoiar as mulheres: “Não basta apenas a lei, não basta apenas a intervenção judicial e policial para tirar a mulher da situação de violência.
Tem que dar apoio, uma injeção de ânimo para ela. Então, eu criei, dentro da Delegacia o Núcleo Multidisciplinar, busquei parceria com assistentes sociais, psicólogos, advogados, enfermeiros, com todas as pessoas que pudessem apoiar e ajudar aquela mulher a sair daquele calvário”.
Reunião do Conselho Estadual da Mulher, na Capital
E essa experiência lhe deu mais motivação após a aposentadoria. Rossana saiu em busca de suporte institucional, mas não encontrou respaldo: “Diante dessa situação, fui ao poder público e encontrei todas as portas fechadas. A Lei Maria da Penha fala que se o poder público não fizer, qualquer pessoa da sociedade pode desenvolver as ações não governamentais para enfrentar a violência. Tentei reativar o CONSEG que é o Conselho Comunitário de Segurança, tentei reativar o Conselho Municipal da Mulher, e comecei a me reunir, aleatoriamente, com a comunidade”.

Nas rodas de conversa que realizou com as mulheres nos mais diferentes bairros, ou durante as palestras em empresas e entidades, a delegada aposentada concluiu que a informação era a arma mais importante na luta contra a violência. E, a partir daí, elaborou um kit com folder, banner, cartaz e cartão de apresentação em que as orientações são detalhadas sobre como proceder diante de uma situação de violência.
Trabalho voluntário: Centro Comunitário S. Vicente de Paulo
Sobre a nova fase, Rossana afirmou: “Sou empreendedora social, vendo conhecimento. Quando você faz uma palestra, não ganha o dinheiro, mas ganha o valor, o reconhecimento das pessoas. Quando você ajuda uma pessoa, a satisfação é maior do que o dinheiro que se paga para passar aquele conhecimento”.

ESTATÍSTICAS ALARMANTES

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança, uma a cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência no Brasil em 2018, sendo que 42 por cento das ocorrências foram registradas no ambiente doméstico. Em 2019, levantamento realizado no Estado de São Paulo mostrou que houve 72 feminicídios de janeiro a maio, o que representa um aumento de 333 por cento em relação aos últimos dois anos.
Rossana e amigas no Recanto do Terço
Para quebrar um círculo vicioso em que as mulheres se veem impotentes diante do agressor, Rossana Camacho defende o empoderamento feminino: “Quando eu faço uma palestra, eu fomento esse sentimento nas mulheres: vamos ajudar outras mulheres. Às vezes um ouvir, um encaminhar para fazer um curso, o se reinventar fazendo alguma atividade que gostem ou mudando a postura no seu emprego. O meu trabalho é mostrar para as mulheres que elas podem ser senhoras do seu destino. Elas podem se emancipar por elas mesmas, não depender de ninguém, do pai, da mãe, do vizinho ou do marido”.

Ela comentou que “a vida inteira eu fiz esse trabalho, só não sabia o nome. O divisor de águas foi o curso de Empretec no Sebrae. Estava angustiada e então consegui compreender esse universo. Compilei tudo o que eu queria fazer e, ao invés de escrever um livro, preferi fazer um folder onde mostro todo o organograma para se enfrentar a violência”.
Roda de conversa com integrantes do Conselho de Mulher Empreendedora da ACIM
A delegada aposentada assinalou que “quem vai poder dar a orientação correta é a Central de Atendimento à Mulher, no telefone 180, criada pelo governo. Ligando no 180, a mulher será orientada a quem procurar:  a delegacia, o hospital , o Centro de Referência da Mulher. O que tem em cada cidade eles têm mapeado do Brasil inteiro, de qualquer lugar. Se uma mulher de Marília for agredida em Brasília, por exemplo, ela vai ligar no 180 para saber o que fazer. Agressão, ameaça, crimes pela internet etc. Eles vão indicar o que deve ser feito”.
Rossana tem percorrido os bairros para levar informação
Ela lembrou os prejuízos que a violência causa ao País, estimados em um bilhão de reais por ano. “O malefício é muito grande na sociedade. A violência destrói a família, os amigos. A mulher falta ao trabalho, tira muitas licenças médicas e isso sobrecarrega os hospitais, a polícia, o judiciário. Para os empresários é um prejuízo muito grande. Já pensou uma falta de uma funcionária em uma pequena empresa? E se ela estiver trabalhando em uma máquina de precisão na indústria e causar um acidente porque ela não dormiu a noite porque foi espancada?”
Empreendedora social com grupo do SEBRAE


Rossana pretende levar às indústrias e às empresas em geral palestras para homens e mulheres sobre a violência. Como ela fez questão de destacar, foi privilegiada por ter tido uma carreira bem sucedida, com marido e filhos que lhe dão suporte e que chegou a hora “de retribuir um pouco para a sociedade”.

Ela espera obter patrocínio na iniciativa privada para expandir esse trabalho e planeja a realização de um grande evento regional em Marília. Dessa forma, quer continuar difundindo informação e contribuindo para minimizar o grave quadro de violência doméstica, muitas vezes silenciosa, que deixa marcas para sempre.

Para entrar em contato com a Rossana Camacho, o e-mail é: drarossanacamacho@hotmail.com e nas redes sociais: @rossanacamacho (Instagram) e rossanacamacho (Facebook)

* Reportagem publicada na edição impressa de 04.08.2019 do Jornal da Manhã

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