A pandemia do Covid 19 dividiu a civilização entre AC e DC. O mundo jamais será como antes e, neste momento, no olho do furacão, qualquer previsão poderá cair por terra. Para falar sobre os impactos do novo coronavírus, o JM ouviu uma psicóloga clínica e duas famílias que enfrentam situações diferentes, mas igualmente aflitivas. A primeira com dois filhos pequenos e cheios de energia e a segunda formada pelo casal, com filhos crescidos e netos, que teve que abandonar os passeios e viagens para se isolar em casa.
Maristela colombo |
A fonoaudióloga Regiane Pires de Matos, mãe de dois garotos de 07 e 12 anos, tinha uma vida movimentada até o início de março: além do trabalho e do cuidado com os filhos, aproveitava o tempo livre para malhar na academia, sair com o grupo de amigos do casal, visitar os pais que moram no mesmo condomínio e gerar conteúdo sobre vida saudável para suas redes sociais.
Asmática, ela trabalhou um tempo normalmente e depois teve que se render ao home office por estar no grupo de risco para o Covid 19. Para piorar, os pais idosos proibiram qualquer aproximação e ela decretou que os filhos e o marido Eduardo deveriam ficar trancados em casa. Isso durou uma semana. Apesar de seus apelos, os meninos foram, aos poucos, brincar na rua em frente à residência, distantes de outros garotos, mas ao ar livre. O marido começou a se encontrar com os vizinhos na calçada, mantendo distância, mas fazendo happy hour. É proibido um entrar na casa do outro.
Regiane cozinha com caçula Eduardo |
Regiane e o marido Eduardo |
TRABALHO DOMÉSTICO
Renata Brandão e Eduardo Ramos são muito festeiros. Adoram reunir amigos e familiares em casa e estão sempre viajando. Com dois filhos adultos e dois netos, eles aproveitam para passear quase todos os finais de semana. Por isso, a quarentena teve um impacto muito grande na vida do casal.
Na primeira semana, refizeram os jardins de casa. Na segunda semana iniciaram uma horta com temperos em vasos e daí em diante a coisa complicou: “Aproveitamos para consertar tudo o que estava quebrado em casa” contaram dizendo que era uma maneira de ocupar o tempo livre que não tinham antes.
Renata e Eduardo: viagens só na lembrança |
Além disso, passaram a dividir as tarefas domésticas que é a parte que Eduardo não achou muito bacana. Rindo, ele disse que estar sempre em casa tinha esse inconveniente da esposa ficar dando trabalho para ele. Mas, em seguida, afirmou que o isolamento social fez com que tivessem mais tempo um com outro e passaram a aproveitar mais o relacionamento como casal e a namorar mais.
Renata contou que para ocupar o tempo, mandaram construir um fogão à lenha onde estão cozinhando bastante nos últimos dias. Ao ar livre, mesmo no quintal de casa, ainda é melhor que nos primeiros dias porque estão aproveitando a novidade.
MUDANÇA INTERIOR
Segundo a psicóloga clínica Maristela Colombo, “o Covid 19 mudou a forma de viver. O mundo não vai voltar a ser mais como era antes. Essa é a questão crucial que muitas pessoas não querem entender. Daqui pra frente, tudo será diferente e vai depender de cada um como será esse futuro. Estamos tendo que nos adaptar rapidamente a viver de um jeito que não sonhávamos e não imaginávamos”. Chefe da Seção Técnica do Serviço Psicossocial Clínico do Tribunal de Justiça – Unidade Marília, ela é Mestre em Ciências Sociais, psicodramatista e tatadramatista terapeuta EMDR.
Conforme disse, as pessoas reclamavam da falta de tempo e agora se deparam com uma situação inusitada: “De repente o ser humano se vê privado da sua liberdade, tão cara a ele. Isolamento social, ficar em casa, higiene máxima. Evitar aglomerações. O ficar em casa, ao invés de ser visto como algo prazeroso, pois casa simboliza abrigo, virou prisão. Olhar para a casa tem o mesmo significado de olhar para dentro de si mesmo. O ficar em casa fez com que, inicialmente, as pessoas começassem a fazer limpezas, arrumar gavetas, cozinhar, varrer, lavar, etc. e isso passou a ser um castigo e não algo agradável”.
Fogão à Lenha é distração |
Muitos idosos estão com dificuldades para assimilar as mudanças que os obrigam a ficar resguardados. Mas, as crianças, sem poder ir à escola ou estar com os amiguinhos, também estão sentindo muito: “As crianças têm muita energia e precisam gastá-la. É o momento do adulto inventar brincadeiras e aproveitar para estar próximo às crianças e com isso próximo a sua criança interior”, sugeriu.
Regiane e o filho Leonardo |
Finalizando a psicóloga deixou uma mensagem aos leitores: “O poema ‘MUDE’ de Edson Marques que é muito válida para esse momento: ‘Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. {...} ‘O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!” https://www.pensador.com/mude_mas_mude_devagar/
Leia sobre o trabalho de Maristela Colombo acessando AQUI
ENTREVISTA COMPLETA COM MARISTELA COLOMBO
Já estamos há quase 2 meses em quarentena. Vemos muitas pessoas reclamando do isolamento. O que essa mudança provoca no psicológico das pessoas?
O termo Isolamento Social provoca insegurança, ansiedade e muito medo do que está por vir. O desrespeito a essa orientação tem a ver com a negação de algo tão devastador como é o coronavirus. O Covid 19 mudou a forma de viver, o mundo não vai voltar a ser mais como era antes. Essa é a questão crucial que muitas pessoas não querem entender. Daqui pra frente, tudo será diferente e vai depende de cada um como será esse futuro. Estamos tendo que nos adaptar rapidamente a viver de um jeito que não sonhávamos e não imaginávamos.
Vivemos, atualmente, em um mundo que nos incentiva a todo o momento a vivermos fora de casa e fora de nós mesmos. Boa parte do nosso tempo passamos em lugares que não nos pertencem, que não são caracterizados pela marca da nossa identidade pessoal. O convívio social em espaços coletivos exige a supressão momentânea de boa parte do que somos, de como pensamos e sentimos.
A tecnologia e as redes sociais com seu mundo inovador, rápido e fluido, abriram as portas para que o ser humano pudesse ser visto e pudesse se expressar a partir das mídias de uma forma nunca vista. Passamos a querer falar e não mais ouvir. Falar coisas sem passar pelo crivo da boa educação e das regras sociais de convivência. Essa forma de se comunicar acentuou ainda mais a questão do ser humano não lidar com seu sofrimento e suas frustrações, dando vazão a se criar muitas imagens fantasiosa de si mesmo para colocar nos seus perfis e assim obter muitos likes.
O Coronavirus - Covid 19 trouxe uma mudança dos valores estabelecidos pela sociedade até então. De repente o ser humano se vê privado da sua liberdade, tão cara a ele. Isolamento social, ficar em casa, higiene máxima. Evitar aglomerações.
O ficar em casa, ao invés de ser visto como algo prazeroso, pois casa simboliza abrigo, virou prisão. Olhar para a casa tem o mesmo significado de olhar para dentro de si mesmo.
O ficar em casa fez com que, inicialmente, as pessoas começassem a fazer limpezas, arrumar gavetas, cozinhar, varrer, lavar, etc. e isso passou a ser um castigo e não algo agradável.
Todo mundo reclamava de não ter tempo, mas, porem quando algo da natureza do Covid acontece, as pessoas se perdem de si mesmas. As relações afetivas, sociais e familiares mudaram. Ter que reaprender a conviver com os membros da família, dividir espaços e tarefas ficou muito complicado. Reorganizar o mundo, entender o que está acontecendo, aceitar tantas mudanças em pouco tempo fica muito difícil para aquelas pessoas que não tinham espaços, internos e externos, para si mesmas.
2. Quem sofre mais? Crianças, adultos ou idosos. E por que?
A pandemia traz muita dor tanto para crianças quanto para adultos e idosos. Porém, o adulto e o idoso podem entender, cognitivamente falando, melhor todas essas situações de isolamento. Os não abraços, os não beijos e os não toques. O uso de máscaras, o tirar sapatos para entrar em casa, o lavar as mãos. Isso nos assusta. Tem idoso que não aceita bem o limite imposto para protegê-los e se irrita por não poder sair. Mas para acriança que precisa se adaptar a essas mudanças isto pode causar uma certa irritabilidade, uma dificuldade de expressas sentimentos que ela mesma ainda não entende. Uma dificuldade de entender que não pode mais brincar com o amigo, ir ao parque, ir à escola. As crianças têm muita energia e precisam gastá-la. É o momento do adulto inventar brincadeiras e aproveitar para estar próximo às crianças e com isso próximo a sua criança interior.
3. Como amenizar os efeitos do isolamento?
Pensar um pouco sobre o s caminhos que fazemos, sobre as decisões que tomamos. Precisamos nos conhecer para conhecer o outro. Estamos tendo a oportunidade de aprender a empatia, a espontaneidade, a criatividade. Estamos tendo que fazer diferente. Transformar essa situação é o melhor caminho para os efeitos contra o isolamento.
Olhar para o seu coração, olhar para o que está sentindo, se permitir ser sem as máscaras que criamos para nós mesmos a fim de suportar a realidade, apesar das máscaras que temos que usar em função da pandemia.
Olhar de uma forma diferente para nossa casa, o nosso abrigo. Olhar para dentro de nós como se fôssemos o nosso templo. Mudar a forma como organizamos nossa casa. A casa é um espelho da percepção que temos de nós e do mundo num determinado momento da nossa vida. A casa oferece pistas valiosas dos valores e crenças que nos caracterizam num nível mais profundo, ela espelha tanto nossos comportamentos atuais quanto traços mais permanentes da nossa personalidade. A casa pode oferecer um espaço de reconhecimento da nossa identidade, em especial para nós mesmos. Veja, temos a oportunidade de voltar a enxergar a casa, as pessoas que nela habitam. Voltar a olhar nos olhos daqueles que estão ao nosso lado. Brincar, pisar a terra, cozinhar, costurar, fazer com as mãos. Fazer com amor.
4. Outras considerações.
Quero deixar uma reflexão por meio do poema “MUDE” de Edson Marques que é muito válida para esse momento
“Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. {...} “O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!”
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