sexta-feira, 8 de maio de 2020

FAMÍLIAS CONTAM SOBRE A VIDA NA PANDEMIA E PSICÓLOGA AVALIA IMPACTOS DA QUARENTENA.

Por Célia Ribeiro

A pandemia do Covid 19 dividiu a civilização entre AC e DC. O mundo jamais será como antes e, neste momento, no olho do furacão, qualquer previsão poderá cair por terra. Para falar sobre os impactos do novo coronavírus, o JM ouviu uma psicóloga clínica e duas famílias que enfrentam situações diferentes, mas igualmente aflitivas. A primeira com dois filhos pequenos e cheios de energia e a segunda formada pelo casal, com filhos crescidos e netos, que teve que abandonar os passeios e viagens para se isolar em casa.
Maristela colombo

A fonoaudióloga Regiane Pires de Matos, mãe de dois garotos de 07 e 12 anos, tinha uma vida movimentada até o início de março: além do trabalho e do cuidado com os filhos, aproveitava o tempo livre para malhar na academia, sair com o grupo de amigos do casal, visitar os pais que moram no mesmo condomínio e gerar conteúdo sobre vida saudável para suas redes sociais.

Asmática, ela trabalhou um tempo normalmente e depois teve que se render ao home office por estar no grupo de risco para o Covid 19. Para piorar, os pais idosos proibiram qualquer aproximação e ela decretou que os filhos e o marido Eduardo deveriam ficar trancados em casa. Isso durou uma semana. Apesar de seus apelos, os meninos foram, aos poucos, brincar na rua em frente à residência, distantes de outros garotos, mas ao ar livre. O marido começou a se encontrar com os vizinhos na calçada, mantendo distância, mas fazendo happy hour. É proibido um entrar na casa do outro.

Regiane cozinha com caçula Eduardo
Regiane contou que estava apavorada com medo do contágio, mas conversando com outras pessoas, viu que estava radicalizando. Mesmo tomando todos os cuidados, notou que seria impossível manter a família completamente isolada do mundo. Neste tempo, ela aproveitou para colocar a leitura em dia, repaginou o jardim, contratou um plano de exercícios físicos com personal à distância e passou a malhar em casa. Além disso, resgatou receitas afetivas para cozinhar e entreter a família com histórias sobre os pratos.

Regiane e o marido Eduardo
Com a volta às aulas on line, os meninos ficaram mais ocupados e a nova rotina da casa, com menos tempo ocioso, contribuiu para amenizar as dificuldades iniciais. O que Regiane sente muito é não pode estar com seus pais que chegaram a chorar em uma videochamada na Páscoa, tamanha a saudade. Que tristeza estar a 100 metros dos netos e não poder abraça-los.

TRABALHO DOMÉSTICO

Renata Brandão e Eduardo Ramos são muito festeiros. Adoram reunir amigos e familiares em casa e estão sempre viajando. Com dois filhos adultos e dois netos, eles aproveitam para passear quase todos os finais de semana. Por isso, a quarentena teve um impacto muito grande na vida do casal.

Na primeira semana, refizeram os jardins de casa. Na segunda semana iniciaram uma horta com temperos em vasos e daí em diante a coisa complicou: “Aproveitamos para consertar tudo o que estava quebrado em casa” contaram dizendo que era uma maneira de ocupar o tempo livre que não tinham antes.
Renata e Eduardo: viagens
só na lembrança

Além disso, passaram a dividir as tarefas domésticas que é a parte que Eduardo não achou muito bacana. Rindo, ele disse que estar sempre em casa tinha esse inconveniente da esposa ficar dando trabalho para ele. Mas, em seguida, afirmou que o isolamento social fez com que tivessem mais tempo um com outro e passaram a aproveitar mais o relacionamento como casal e a namorar mais.

Renata contou que para ocupar o tempo, mandaram construir um fogão à lenha onde estão cozinhando bastante nos últimos dias. Ao ar livre, mesmo no quintal de casa, ainda é melhor que nos primeiros dias porque estão aproveitando a novidade.

MUDANÇA INTERIOR

Segundo a psicóloga clínica Maristela Colombo, “o Covid 19 mudou a forma de viver. O mundo não vai voltar a ser mais como era antes. Essa é a questão crucial que muitas pessoas não querem entender. Daqui pra frente, tudo será diferente e vai depender de cada um como será esse futuro. Estamos tendo que nos adaptar rapidamente a viver de um jeito que não sonhávamos e não imaginávamos”.  Chefe da Seção Técnica do Serviço Psicossocial Clínico do Tribunal de Justiça – Unidade Marília, ela é Mestre em Ciências Sociais, psicodramatista e tatadramatista terapeuta EMDR.

Conforme disse, as pessoas reclamavam da falta de tempo e agora se deparam com uma situação inusitada: “De repente o ser humano se vê privado da sua liberdade, tão cara a ele. Isolamento social, ficar em casa, higiene máxima. Evitar aglomerações. O ficar em casa, ao invés de ser visto como algo prazeroso, pois casa simboliza abrigo, virou prisão. Olhar para a casa tem o mesmo significado de olhar para dentro de si mesmo. O ficar em casa fez com que, inicialmente, as pessoas começassem a fazer limpezas, arrumar gavetas, cozinhar, varrer, lavar, etc. e isso passou a ser um castigo e não algo agradável”.
Fogão à Lenha é distração
A psicóloga observou que “as relações afetivas, sociais e familiares mudaram. Ter que reaprender a conviver com os membros da família, dividir espaços e tarefas ficou muito complicado. Reorganizar o mundo, entender o que está acontecendo, aceitar tantas mudanças em pouco tempo fica muito difícil para aquelas pessoas que não tinham espaços, internos e externos, para si mesmas”.

Muitos idosos estão com dificuldades para assimilar as mudanças que os obrigam a ficar resguardados. Mas, as crianças, sem poder ir à escola ou estar com os amiguinhos, também estão sentindo muito: “As crianças têm muita energia e precisam gastá-la. É o momento do adulto inventar brincadeiras e aproveitar para estar próximo às crianças e com isso próximo a sua criança interior”, sugeriu.
Regiane e o filho Leonardo
Para Maristela Colombo, a quarentena poderá ser utilizada para outras mudanças: “A casa pode oferecer um espaço de reconhecimento da nossa identidade, em especial para nós mesmos. Veja, temos a oportunidade de voltar a enxergar a casa, as pessoas que nela habitam. Voltar a olhar nos olhos daqueles que estão ao nosso lado. Brincar, pisar a terra, cozinhar, costurar, fazer com as mãos. Fazer com amor”.

Finalizando a psicóloga deixou uma mensagem aos leitores: “O poema ‘MUDE’ de Edson Marques que é muito válida para esse momento: ‘Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. {...} ‘O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!”    https://www.pensador.com/mude_mas_mude_devagar/




Leia sobre o trabalho de Maristela Colombo acessando AQUI

ENTREVISTA COMPLETA COM MARISTELA COLOMBO

Já estamos há quase 2 meses em quarentena. Vemos muitas pessoas reclamando do isolamento. O que essa mudança provoca no psicológico das pessoas?

O termo Isolamento Social provoca insegurança, ansiedade e muito medo do que está por vir. O desrespeito a essa orientação tem a ver com a negação de algo tão devastador como é o coronavirus. O Covid 19 mudou a forma de viver, o mundo não vai voltar a ser mais como era antes. Essa é a questão crucial que muitas pessoas não querem entender. Daqui pra frente, tudo será diferente e vai depende de cada um como será esse futuro. Estamos tendo que nos adaptar rapidamente a viver de um jeito que não sonhávamos e não imaginávamos. 


Vivemos, atualmente, em um mundo que nos incentiva a todo o momento a vivermos fora de casa e fora de nós mesmos. Boa parte do nosso tempo passamos em lugares que não nos pertencem, que não são caracterizados pela marca da nossa identidade pessoal. O convívio social em espaços coletivos exige a supressão momentânea de boa parte do que somos, de como pensamos e sentimos.

A tecnologia e as redes sociais com seu mundo inovador, rápido e fluido, abriram as portas para que o ser humano pudesse ser visto e pudesse se expressar a partir das mídias de uma forma nunca vista. Passamos a querer falar e não mais ouvir. Falar coisas sem passar pelo crivo da boa educação e das regras sociais de convivência. Essa forma de se comunicar acentuou ainda mais a questão do ser humano não lidar com seu sofrimento e suas frustrações, dando vazão a se criar muitas imagens fantasiosa de si mesmo para colocar nos seus perfis e assim obter muitos likes.

O Coronavirus - Covid 19 trouxe uma mudança dos valores estabelecidos pela sociedade até então. De repente o ser humano se vê privado da sua liberdade, tão cara a ele. Isolamento social, ficar em casa, higiene máxima. Evitar aglomerações. 

O ficar em casa, ao invés de ser visto como algo prazeroso, pois casa simboliza abrigo, virou prisão. Olhar para a casa tem o mesmo significado de olhar para dentro de si mesmo. 
O ficar em casa fez com que, inicialmente, as pessoas começassem a fazer limpezas, arrumar gavetas, cozinhar, varrer, lavar, etc. e isso passou a ser um castigo e não algo agradável. 

Todo mundo reclamava de não ter tempo, mas, porem quando algo da natureza do Covid acontece, as pessoas se perdem de si mesmas. As relações afetivas, sociais e familiares mudaram. Ter que reaprender a conviver com os membros da família, dividir espaços e tarefas ficou muito complicado. Reorganizar o mundo, entender o que está acontecendo, aceitar tantas mudanças em pouco tempo fica muito difícil para aquelas pessoas que não tinham espaços, internos e externos, para si mesmas.

2. Quem sofre mais? Crianças, adultos ou idosos. E por que?

A pandemia traz muita dor tanto para crianças quanto para adultos e idosos. Porém, o adulto e o idoso podem entender, cognitivamente falando, melhor todas essas situações de isolamento. Os não abraços, os não beijos e os não toques. O uso de máscaras, o tirar sapatos para entrar em casa, o lavar as mãos. Isso nos assusta. Tem idoso que não aceita bem o limite imposto para protegê-los e se irrita por não poder sair. Mas para acriança que precisa se adaptar a essas mudanças isto pode causar uma certa irritabilidade, uma dificuldade de expressas sentimentos que ela mesma ainda não entende. Uma dificuldade de entender que não pode mais brincar com o amigo, ir ao parque, ir à escola. As crianças têm muita energia e precisam gastá-la. É o momento do adulto inventar brincadeiras e aproveitar para estar próximo às crianças e com isso próximo a sua criança interior.

3. Como amenizar os efeitos do isolamento? 

Pensar um pouco sobre o s caminhos que fazemos, sobre as decisões que tomamos. Precisamos nos conhecer para conhecer o outro. Estamos tendo a oportunidade de aprender a empatia, a espontaneidade, a criatividade. Estamos tendo que fazer diferente. Transformar essa situação é o melhor caminho para os efeitos contra o isolamento. 
Olhar para o seu coração, olhar para o que está sentindo, se permitir ser sem as máscaras que criamos para nós mesmos a fim de suportar a realidade, apesar das máscaras que temos que usar em função da pandemia.

Olhar de uma forma diferente para nossa casa, o nosso abrigo. Olhar para dentro de nós como se fôssemos o nosso templo. Mudar a forma como organizamos nossa casa. A casa é um espelho da percepção que temos de nós e do mundo num determinado momento da nossa vida. A casa oferece pistas valiosas dos valores e crenças que nos caracterizam num nível mais profundo, ela espelha tanto nossos comportamentos atuais quanto traços mais permanentes da nossa personalidade. A casa pode oferecer um espaço de reconhecimento da nossa identidade, em especial para nós mesmos. Veja, temos a oportunidade de voltar a enxergar a casa, as pessoas que nela habitam. Voltar a olhar nos olhos daqueles que estão ao nosso lado. Brincar, pisar a terra, cozinhar, costurar, fazer com as mãos. Fazer com amor.

4. Outras considerações.

Quero deixar uma reflexão por meio do poema “MUDE” de Edson Marques que é muito válida para esse momento  
 “Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. {...}  “O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!”    




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