sábado, 4 de maio de 2019

ARTE E MEIO-AMBIENTE: VOLUNTÁRIOS REVITALIZAM ESTAÇÃO FERROVIÁRIA.

Por Célia Ribeiro

A Rua 9 de Julho, ao lado do Terminal Rodoviário Urbano e do Camelódromo, é passagem obrigatória para milhares de pessoas, diariamente. Com passos apressados, a maioria não se dá conta da situação de abandono da antiga Estação Ferroviária de Marília que, há quase 20 anos, deixou de ser palco de alegria e tristeza com o embarque e desembarque de passageiros. Mas, uma pessoa olhou. E se incomodou a ponto de pensar em alternativas para ocupar o espaço público de maneira organizada.
Estação iluminada: novos tempos
 Conhecido ativista cultural, Ademar Aparecido de Jesus, o “Dema”, olhou a imensa área no coração da cidade com um filtro muito especial: no lugar do matagal, dos dormitórios improvisados de pessoas em situação de rua e de usuários de drogas, do lixo que atraía insetos e roedores, ele viu flores, árvores frutíferas, painéis coloridos, biblioteca pública, feira livre, palco para apresentações de música e dança, local para venda de artesanato e geração de renda.
As crianças ajudam no paisagismo

Pouco mais de um ano após a descoberta da velha estação de trem, é impossível passar pelo local e não observar a mudança que só aconteceu pela determinação de Dema e seu poder de articulação. Ele atraiu voluntários e ganhou o respeito da administração municipal, que tem colaborado “na medida do possível”, como conta o ativista, além de parceiros na iniciativa privada como Centro Comercial Estação e a empresa Life (colocou internet aberta), a ONG “Amigos do Bar”, entre outros.

 “Desde 2010 eu falava com o André Gomes, atual secretário da Cultura, e a Iara Pauli, ex-secretária, que a maioria das estações ferroviárias estavam sendo ocupadas por frentes, ativistas, movimentos, artesãos, cultura de rua, movimento Hip Hop etc”, comentou Dema.
Mas, foi em 2017, em busca de novos desafios, que “passei pela 9 de Julho e olhei para esta área. Ventilei para algumas pessoas que eu queria ocupar esse espaço e dar uma destinação social”, recordou.
No lugar do lixo, uma horta orgânica
Conforme disse, “Marília inteira conhece meu passado, talvez por um dia eu ter sido garoto de rua, garoto da cracolândia, a gente consegue ter uma fala diferenciada, ter um olhar diferente, mais humanizado e, ao mesmo tempo, duro quando necessário”. Dema tem uma história de superação por ter cumprido pena no sistema penitenciário. Reabilitado, há muitos anos desenvolve projetos sociais focados no resgate de jovens para desviá-los das drogas, do álcool e da criminalidade, na periferia.

A UNIÃO FAZ A FORÇA
Dema, sob a jabuticabeira: visionário
Dema faz questão de frisar que a revitalização da estação ferroviária não tem vínculos com políticos ou com partidos, embora mencione o apoio recebido do vereador Evandro Galete e do secretário municipal da Agricultura, Ricardo Cavichioli, que doou e ajudou a plantar uma jabuticabeira adulta, além do secretário da Cultura, André Gomes.
Venda de mudas a preços acessíveis
Conforme disse, os dois primeiros apoiadores da ideia foram o “b.boy” Robério (Roberto da Silva), ligado ao movimento Hip Hop e o ativista Luciano Cruz. Eles começaram “com o resgate da casinha e cinco moradores de rua, que hoje, graças a Deus, não estão mais com a gente. Quatro voltaram para suas famílias e um reconheceu que precisava de ajuda e pediu para ser internado”.
Os eventos atraem muita gente
Atualmente, alguns homens em situação de rua trabalham voluntariamente na limpeza e manutenção do local que atraiu um grande número de pessoas: “No dia 27 de janeiro de 2018, foi realizado o primeiro grande evento. Passei para os movimentos de arte e cultura de rua a importância de nós ocuparmos esse espaço, mas com responsabilidade, e darmos uma solução artística, cultural, social e ambiental”.
Biblioteca pública: estímulo à leitura
Assim, após a limpeza da área, foram iniciados o paisagismo e a horta. Em uma parte nos fundos do terreno, onde havia grande quantidade de lixo, foi construída uma fossa séptica seguindo um modelo aprovado pelos órgãos ambientais, com a ajuda da ONG “Amigos do Bar” que adquiriu os materiais necessários.
Feira de orgânicos às sextas e sábados
Foi reformada e equipada a cozinha, de onde saem as refeições disponibilizadas aos voluntários, diariamente (café da manhã, almoço e jantar) e a pipoca e cachorro-quente servidos às crianças aos sábados à noite, durante as exibições de filmes no “Cine Estação”. Também foi construído um sanitário com barras laterais para acessibilidade.
Voluntário trabalha na limpeza da área
Com o compromisso de não vender nada industrializado, os artesãos têm espaço garantido. “Tem a senhorinha aposentada que trabalha com tapete, crochê e tricô, tem o senhor que faz licores, outro que produz sabonete e sabão artesanalmente, além de banca de flores e plantas”, explicou, acrescentando que “o único compromisso é que todos que mantenham uma banca aqui devem dar 03 horas de trabalho voluntário em prol do projeto”.
Lixo antes da ocupação


VOLUNTÁRIOS

O brechó da estação recebe roupas e calçados doados pela população. A venda dos produtos, a um ou dois reais, é revertida para manutenção do projeto que também aceita doações de alimentos para o preparo das refeições dos voluntários. Dema afirmou que “a maioria de nós, que faz com que a arte e a cultura tenham vida dentro da cidade, e vários coletivos, a maioria invisíveis, não têm onde gerar sua renda. A ideia foi tornar isso aqui um grande espaço onde se possa respirar arte e cultura”.

O “Projeto Estação” conta com 42 voluntários de várias idades, sendo alguns jovens e até crianças que colaboram no plantio e cuidado das flores e plantas, além de 08 pessoas em situação de rua que, segundo Dema, “já estão bem integradas”. Ele acrescentou que “algumas pessoas conhecidas, mas muitos anônimos também nos ajudam, seja com alimentos ou até 30 ou 50 reais por mês que são muito úteis” já que não contam com verba pública.

A biblioteca, localizada estrategicamente na entrada pela Rua 9 de Julho, recebeu o trabalho voluntário da bibliotecária Bruna Otreira Muniz Patrício, 24 anos. Formada em 2017, ela contou que “mercado de trabalho está um pouco complicado para trabalhar na minha área. Quando soube do projeto, e como estavam precisando de alguém para organizar a biblioteca, vi uma oportunidade de conseguir adquirir experiência na minha área e de dar o retorno da faculdade pública que a sociedade bancou para mim”.
Brechó com doações da comunidade
Com empréstimo de livros, por 30 dias, e venda de alguns exemplares, além de gibis e revistas, a biblioteca se consolidou nos últimos três meses com doações da comunidade. De acordo com Bruna Muniz, “tem escala de voluntários da UNESP de todas as áreas, e de Biblioteconomia que a gente assina estágio para eles aqui. Agora, queremos parcerias para ajudar a difundir o hábito da leitura”.

Refeições servidas aos voluntários
Ao lado da biblioteca está a banca de flores e plantas de Sônia Guimaro. Ela produz as próprias mudas que são vendidas a preços acessíveis, a partir de três reais até o máximo de 20 reais. O ponto funciona de segunda a sexta,  das 10h até às 18. Quando o comércio fica aberto o dia todo no sábado o horário vai até 19h.
Dema e a bibliotecária Bruna Patrício


O movimento é intenso na estação: às sextas ocorre a feira de produtos orgânicos e aos sábados é a vez dos produtores de agricultura familiar e  de assentamentos da região levarem seus produtos para comercialização.
Corte de cabelo: sempre tem
voluntários colaborando.

Como um espaço vivo, a estação está em permanente movimento. Está programada uma feijoada, aberta ao público, com ingressos a 15 reais com direito ao almoço animado pela roda de samba, no dia 18 de maio, a partir das 11h. Toda a renda será revertida ao projeto.

“A Estação Cultural foi tomando vida com ajuda e participação de vários grupos, coletivos, bandas de todos os gêneros e estilos, artistas, ativistas, igrejas, profissionais liberais, ONGs parcerias, profissionais liberais, até tomar a cara de hoje”, finalizou Dema, deixando os telefones de contato para quem desejar colaborar com a iniciativa: Sandra Mara – (14) 996714562 e Dema – (14) 996899101.

Conheça a história de Dema, publicada em 2010, acessando AQUI

*Reportagem publicada na edição de 05.05.2019 do Jornal da Manhã

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