domingo, 14 de abril de 2019

“ESSE SOM É PVC”: PROJETO UNE MÚSICA E SUSTENTABILIDADE NA EDUCAÇÃO EM POMPEIA.

Por Célia Ribeiro

Quando latas, galões plásticos, garrafas PET, tubos de PVC e uma diversidade de embalagens se encontram pode sair um carregamento rumo às indústrias recicladoras. Ou, então, pode sair música! O trabalho do professor e regente Augusto Botelho Campos, conhecido pela conquista de vários campeonatos estaduais com a saudosa Banda Marcial da Legião Mirim de Marília, extrapolou fronteiras e chegou à cidade de Pompeia onde coordena um projeto que se tornou referência na Rede Municipal de Ensino.
Estudantes de 07 a 09 anos integram o projeto
Vivendo arte 24 horas por dia, em 2.010, o regente criou a Banda Percushow, que mais tarde se transformou na “Banda em Balde” com ex-alunos da Banda Marcial da Legião Mirim que apostaram na possibilidade de tirarem som de instrumentos confeccionados a partir de materiais recicláveis.

Em quase 10 anos, muita coisa mudou. Casado e pai, o professor não podia viver só de sonhos. Assim, procurou aliar a paixão pela música e pelas aulas com uma atividade remunerada que lhe permitisse seguir adiante, inspirando e formando novos músicos desde a mais tenra idade, ao mesmo tempo em que garantia o sustento da família.
Augusto e ex-alunos da "Banda em Balde"
Com uma ponta de melancolia ele explicou a mudança: “Atualmente, a banda está desativada na cidade de Marília. Não conseguimos dar continuidade ao projeto que necessitava de um espaço físico com estrutura para formar novos integrantes visto que a formação original, naturalmente, seguiria seu caminho na música, nos estudos ou em qualquer outra carreira profissional e precisaríamos renovar. Mas, eu mesmo não tinha mais tempo para me dedicar com possíveis iniciantes da mesma forma voluntária como quando surgiu o projeto em 2010”.
Eram concorridas as apresentações da banda de recicláveis
Ele prosseguiu, afirmando que “o próprio surgimento da Banda, naquele período, foi por conta de uma vontade recíproca com vários dos meus alunos, num momento em que eu fui demitido da Legião Mirim, e todos nós queríamos continuar fazendo música. Então, juntos encontramos um meio utilizando objetos do cotidiano”.

Augusto ressaltou que não foi pioneiro: “Isso não era inovador. Muitos grupos já se utilizavam destes ‘instrumentos’. O diferencial era a vontade inabalável de todos, ainda amadores, fazerem o melhor e manter o nível técnico do trabalho pedagógico que fazíamos com instrumentos convencionais”.

Neste sentido, afirmou que “hoje percebo que sem um contato significativo com a música de qualidade, seja por aulas regulares e o devido incentivo de um professor, remunerado para isto, dificilmente os jovens teriam esta pro-atividade e disposição para iniciarem voluntariamente a empreitada com o mesmo vigor com que fazíamos. Com isso, e a minha necessidade de trabalhar visando uma estabilidade financeira, o grupo foi reduzindo a quantidade, embora paralelamente aumentando a qualidade, até que chegou ao fim”.

HISTÓRIA

Augusto explicou que a “Banda em Balde surgiu pela vontade de continuarmos fazendo música e, como não tínhamos mais as condições convencionais, buscamos alternativas. Demorou para aceitarmos a situação que parecia desfavorável, até percebermos que o diferencial positivo  era justamente a condição precária. Na época, isso foi uma forma de valorizar o empenho do grupo, pois aumentou a popularidade e a visibilidade, onde tivemos mais oportunidades que quando tínhamos uma estrutura formal”.
Alunos na aula de música à frente dos tambores plásticos
O professor observou que “embora tenha sido positiva nossa intervenção para uma conscientização ambiental, muitas instituições que poderiam encampar o projeto e dar continuidade na formação musical com instrumentos convencionais, diziam que o ideal era continuarmos assim. Foi uma forma de valorizar e romantizar o esforço e a precariedade do voluntariado em detrimento de um incentivo financeiro que teria feito diferença na época”.

De acordo com o regente, “hoje há muitos grupos com esta proposta e acredito que seja um excelente caminho para a humanidade, não só por questão econômica, mas por pensarmos de forma sustentável de ver o lixo como recurso e não como resíduo. Além de inúmeros valores que despertamos nas crianças para o cuidado com o meio ambiente e o planeta, as possibilidades artísticas são ilimitadas e é neste ponto que é muito importante estabelecer os valores artísticos que agregam estas práticas. Do contrário, seremos lembrados apenas como projeto de bate lata ou os batedores de panela”.

Augusto Botelho assinalou que agora “é hora de retomar, de um início com uma base forte e apoio do poder público. Reconhecimento e valorização do professor já fazem a diferença. Pompeia me recebeu com muito carinho e pretendo retribuir com uma história tão boa quanto a da banda que tivemos em Marília”.

Augusto contou que os ensaios aconteciam no Espaço Cultural Ezequiel Bambini, cujo porão da arquibancada foi cedido pela Prefeitura de Marília para guardar os instrumentos. Conforme disse, “a banda ficou inativa até o início de 2018 quando a Prefeitura de Pompeia fez uma proposta para que eu montasse um projeto com os alunos do ensino fundamental. Assim ressurgiu a banda com alunos regulares na disciplina de música, que faz parte da grade curricular do município, do qual eu sou o professor”.
As apresentações da banda faziam sucesso em Marília e várias cidades
Paralelamente, no período noturno foi possível continuar “com o projeto de extensão do curso: a banda ‘Esse Som É PVC’, numa referência aos tubos de PVC que junto a tantos outros materiais utilizamos como matéria prima e ao fato de fazermos música pra vocês, por e para todos nós”.

Em Pompeia, o trabalho é voltado aos alunos na faixa etária de 07 a 09 anos “com um repertório diferenciado em cada vivência, com muito potencial artístico e ainda com muito a aprender, lembrando que alguns daqueles da formação original também iniciaram desta mesma forma quando eram alunos do projeto Guri quando eu lecionava”.

O professor explicou que leciona para 10 turmas de aproximadamente 20 alunos cada, da 1º ao 3º ano do ensino fundamental, todas as segundas-feiras. Quanto à seleção, disse que “não há testes específicos, porém uma constante avaliação do desempenho nas aulas, onde consigo observar as aptidões e as dificuldades individuais”.
Self com o professor

Dessa forma “os alunos que se destacam tecnicamente ou por sua pro-atividade e interesse em participar do grupo são convidados. Não digo que são os melhores alunos entre os 200 que fazem as aulas curriculares, mas são os melhores que poderiam fazer ‘esse som PVC’. Todos que fazem parte estão ali porque querem estar e dão o melhor. Estes são os melhores alunos que qualquer professor gostaria de ter”, assinalou.

EXPECTATIVA

Sobre o futuro, Augusto Botelho afirmou que “seria hipocrisia não almejar os palcos e públicos que conseguimos alcançar com a nossa primeira formação. Mas, as pretensões no momento estão mais voltadas para a música, quanto ao aprendizado musical e conscientização artística do grupo, numa concepção onde tudo pode ser música e arte desde que seja com intenção e valor estético”.

Ele prosseguiu observando que “neste ponto é que entram a técnica instrumental adaptada e todos os fundamentos teóricos para uma apresentação de composições coletivas, criativas ou para a execução de um repertório pré-estabelecido. E assim, paralelamente, vamos conscientizando o público que também observa e vivencia as possibilidade sonoras de diferentes objetos e que, ao seu modo, tenta acompanhar nossa batucada, na lata, no balde, no corpo, na voz, no som”.

O professor explicou que “o repertório é bem criativo e os instrumentos inusitados demandam tempo e espaço para montagem do grupo, o que dificulta nossa logística, pois os integrantes são crianças. Muitos não conseguem carregar seus próprios instrumentos devido ao peso e tamanho. Diferente de outras formações, como a banda marcial onde cada um carrega o seu e permite até certa mobilidade, nossas apresentações, por vezes, são feitas com latas em cima das mesas da sala de aula”.
“Esse Som É PVC” estará no Quintal da Vila


Outra opção é com os alunos “sentados em círculo no chão, o que dificulta também a projeção sonora nos casos de ambientes externos para uma plateia dispersa ou público circulante”, enfatizou. Augusto prosseguiu explicando que “com relação aos eventos, estamos no processo de criação de um repertório que permita desenvolver os alunos musicalmente”.  Na agenda,  constam duas apresentações: amanhã, 15 de abril, às 19h para professores da Rede Municipal em Pompeia e no dia 27, em Marília, no Bazar da Vila das Artes (Rua Atílio Gomes de melo, 64, bairro Fragata).

SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

Segundo a diretora da EMEF de Pompeia, Alessandra Zanguetim da Silva, “o projeto desenvolvido pelo professor Augusto é excelente e positivo em todos os aspectos”. Ela acrescentou que “o uso de instrumentos alternativos produzidos com recicláveis levou ao educando uma vivência ímpar, tornando-se fonte de habilidades e competências voltadas para a construção de uma sociedade sustentável”.
Diretora Alessandra Zanguetim da Silva
Ela afirmou que “os alunos tiveram a oportunidade de conhecer,  experimentar, praticar e criar música  com materiais diversos. Uma simples Maraca feita de PET proporcionou reflexão de atitude comprometida com a preservação dos recursos naturais. A banda com sons alternativos favoreceu a expressão viva e prazerosa no fazer musical”.

Assim, finalizou a diretora: “ As aulas de música foram além dos muros da escola, pois a responsabilidade ambiental é aprendizagem ativa que promove a transformação da realidade. Esse projeto também só foi possível graças ao apoio da nossa prefeita Tina Januário e do Secretário da Educação Adriano Nascimento que sempre apoiam novas iniciativas. Considero que música faz bem pra alma e com sustentabilidade fará o mundo melhor”.

Em 2010, este blog publicou reportagem com a banda Percushow. Confira AQUI

*Reportagem publicada na edição de 14.04.2019 do Jornal da Manhã

(Crédito: Fotos Arquivo Pessoal)

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