domingo, 13 de janeiro de 2019

NUTRIÇÃO: FRUTAS E VEGETAIS CONQUISTAM AS CRIANÇAS EM PROJETO DE INCLUSÃO.

Por Célia Ribeiro

O vento balança as folhas do coqueiro que enverga, mas não quebra. Sob a sombra, coelhinhos, peixinhos, borboletas e uma infinidade de seres coloridos chamam a atenção e convidam: está na hora de comer! Bananas fatiadas formam o tronco emoldurado pelo kiwi, com seu verde único, que imita as folhas. No solo, os gomos de mexerica sustentam as frutas no prato: essa é a base de um projeto premiado que beneficia crianças autistas atendidas no Espaço Potencial de Marília, mas que pode ser copiado por pais preocupados com uma alimentação saudável para os filhos.
Coqueiro de frutas encanta as crianças

Na FATEC “Estudante Rafael Almeida Camarinha”, a Prof.ª Drª Juliana Audi Giannoni é a autora do projeto "O Alimento Utilizado como Ferramenta de Inclusão”, que contou com a colaboração de vários professores e alunos do Curso Superior de Graduação em Tecnologia em Alimentos, e que está sendo desenvolvido com sucesso na entidade de assistência aos autistas.

O reconhecimento do trabalho, além dos resultados surpreendentes verificados junto a 10 crianças e adolescentes do Espaço Potencial, veio através de uma dupla premiação da FETESP, no fim do ano passado. Concorrendo com mais de mil inscritos de ETECs e FATECs, além de instituições da Argentina, Colômbia, Peru e Portugal, o projeto da FATEC Marilia venceu em duas categorias: Inclusão e Ação Social.                                               
Ao recordar como tudo começou a professora não consegue esconder a emoção. Engenheira agrônoma, ela contou que na época da graduação, “no Departamento da Ciência dos Alimentos, eu trabalhava com produtos minimamente processados, que são aqueles que têm sua forma física reduzida, fatiadinhos, raladinhos, como se vê nas bandejas do supermercado”.
Professora Juliana e alguns alunos
Ela explicou que fez pós-graduação na UNESP de Botucatu (Mestrado e Doutorado) atuando sempre na área dos alimentos minimamente processados e quando se mudou para Marília, em 2.010, “tinha vontade de fazer os vegetais em formatos lúdicos, de bichinhos, de corações, de bolinhas, para chamar a atenção do público infantil, tentar inserir esses alimentos saudáveis na vida deles e tentar diminuir a obesidade e os maus hábitos alimentares”.
Experiência começou na ONG e continuou na FATEC
A professora informou que iniciou “um trabalho com crianças na cidade de Vera Cruz. Fiz um kit de legumes em formato de bichinhos e preparamos uma sopa. Havia crianças que diziam não suportar cenoura. Mas, quando viram o formato de coelhinho, borboleta etc, comeram tudo até repetir. Eu não tinha intenção de trabalhar com autistas naquela época”, assinalou.
Premiação na FETESP


NASCE UMA IDEIA

Durante um congresso, em 2016, uma das exposições chamou sua atenção: “Sou professora de toxicologia de alimentos, mas também dou aula de análise sensorial”, disse, acrescentando que no evento, realizado em Araraquara, “uma palestrante iniciou a apresentação falando que os autistas têm a parte sensorial diferenciada das pessoas de desenvolvimento típico: eles sentem a textura de forma diferente, o sabor de forma diferente, o aroma é muito mais forte, o ouvido também é diferente. Aquilo mexeu comigo profundamente. Nunca tinha ouvido falar nisso”.

Retornando a Marília, ela passou um tempo refletindo sobre as dificuldades dos pais com a alimentação de crianças e adolescentes autistas e arregaçou as mangas para fazer algo que pudesse contribuir com a melhoria da alimentação desse público.
Atenção na aula de alimentos

A professora disse que “soube da luta dos pais na hora da alimentação. Se um autista resolve comer morango, ele vai comer morango o resto da vida se não tiver intervenção, se não tiver mudança de hábitos que se iniciam o quanto antes, de dois a três aninhos para frente. Conforme a criança for crescendo, se não tiver intervenção enquanto ela for novinha, enquanto o cérebro ainda é plástico, fica mais difícil isso tudo”.

Juliana mostrou-se sensibilizada pelo “sofrimento das mães porque tem autistas que só consomem o alimento batido no liquidificador, não comem nada sólido. E conforme vão crescendo, vão rejeitando mais e mais os vegetais. Rejeitam o alimento até pela cor. Isso veio no meu coração. Fiquei pensando como essas mães sofrem passando noites em claro sem dormir. Pensei que, como profissional da área de alimentos, eu poderia fazer alguma coisa”.

PROJETO APROVADO

A professora explicou que elaborou um projeto que foi aprovado pelo Centro Paula Souza, autarquia do governo do Estado vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Conforme disse, "o desafio era trabalhar com autistas porque sabemos que a mudança na alimentação faz com que fiquem mais calmos e podem dormir melhor porque existem alimentos que os deixam completamente excitados, como consumo demasiado de chocolate e muito glúten que trazem mais irritabilidade para eles”.
Atividade na horta orgânica

Com a pesquisa autorizada, ela procurou a direção do Espaço Potencial que a recebeu de portas abertas: “Comecei com aulas lá. Escolheram cinco adolescentes para a gente trabalhar e minhas colegas nutricionistas Flávia Farinazi e Adriana Fiorini, que trabalham em outra pesquisa, vieram reforçar o time”, disse.

Ela recordou as primeiras experiências: “Fomos explorando as possibilidades, montamos um coqueiro, o tronco era a banana picada, as folhas o kiwi e no solo mexericas. Quando um aluno  provou o kiwi, vi que não rejeitou. É a quantidade, a variedade, e tem que insistir. Para a criança falar que não gosta, tem que insistir 20 vezes”.

 A professora prosseguiu explicando que foram desenvolvidas oficinas práticas: “Um dia foi melancia, morango e goiaba, no outro mamão. Hoje, a aula de fazer os alimentos minimamente processados, dos legumes nas forminhas, é o que eles mais gostam e ninguém fica de fora. Começou com 05 e hoje já são 10 porque um foi falando para o outro”.

Crianças e adolescentes participaram desde a pintura dos pneus
passando pelo preparo da terra, plantio e colheita
À medida em que o trabalho avançava, algumas aulas puderam ser realizadas na FATEC: vários professores deram sua contribuição, “cada um em sua especialidade: Claudia Dorta, microbiologista, deu aula de microscópio para eles, mostrou os perigos da contaminação e como os probióticos fazem bem à saúde. Aí veio o professor Luiz Fernando Iscouto que fez biscoitinho de polvilho sem glúten e sem caseína, a professora Renata Bonini deu uma aula em que eles fizeram queijo e Flavia Farinazzi deu aula de geleia de morango”.

Algumas alunas também colaboraram, como uma das orientandas que criou uma receita utilizando os resíduos dos alimentos minimamente processados. Ela fez nhoque, sem glúten e lactose, com o corante natural dos alimentos (batata-baroa, beterraba e espinafre) e levou para o Espaço Potencial em que a aceitação foi surpreendente. Outra estudante criou uma receita de bolo de cenoura, também sem glúten e lactose, para degustação.
Na hora de degustar o lanche, a
alegria pela colheita do alface

E para estimular ainda mais as crianças e adolescentes, no ano passado, foram realizadas atividades no Sítio Olho D’Água, em Padre Nobrega. De propriedade de uma professora da FATEC, o local abrigou uma horta orgânica especial em que as crianças trabalharam em cada etapa: da pintura de pneus inservíveis, preparo da terra, plantio das mudas  até a colheita. Ao final, todos saborearam um lanche com pão, alface, tomate e suco de hortelã que cultivaram.

COMUNIDADE

Segundo a diretora da FATEC Marília, Claudia Cristina Teixeira Nicolau, “uma instituição de ensino superior é dividida em três partes: ensino, pesquisa e a parte de extensão que é o tripé onde está fundamentada toda a instituição de ensino superior. Temos o ensino em sala de aula, tradicional, temos as pesquisas dos professores e os trabalhos de extensão à comunidade que são os trabalhos voluntários que envolvem professores e alunos. Esses trabalhos são voltados para a comunidade de Marília e região. E não têm custo nenhum para quem recebe”.
(Esq.) Diretora Cláudia e Professora Juliana
Conforme disse, “vários projetos acontecem em várias áreas do conhecimento dentro da escola. Precisamos que nosso aluno tenha uma formação completa: quando ele faz um atendimento à comunidade, ele vai estar trabalhando características e habilidades importantes para que ele seja inserido no mercado de trabalho. Vai aprender a lidar com pessoas, a respeitar os limites dele e dos outros. É uma iniciativa onde todo mundo ganha: o aluno, a instituição e quem recebe o trabalho de extensão da FATEC Marília”.

Por sua vez, a professora Juliana sonha em contar a rica experiência dos alimentos em formatos lúdicos em um livro que pretende escrever. A obra vai orientar e dar um alento aos pais de crianças com autismo, mas, também, servir de guia a todos que se interessam por uma alimentação saudável desde a infância. Para saber mais sobre a FATEC, acesse: http://www.fatecmarilia.edu.br/

*Fotos - Arquivo Pessoal

** Reportagem publicada na edição de 13.01.2019 do Jornal da Manhã

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