domingo, 27 de janeiro de 2019

COM O CULTIVO DE ORGÂNICOS, PROFESSOR INCENTIVA A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL.

Por Célia Ribeiro

Nas primeiras horas da manhã, o canto do galo anuncia a chegada de um novo dia e a brisa fresca empresta seu suave aroma àquele pequeno pedaço de chão. No Sítio Bela Vista, na vizinha cidade de Vera Cruz, os trabalhadores caminham, sem pressa, em direção à horta onde colhem as verduras e legumes que atingiram o ponto máximo de desenvolvimento. Poucas horas depois, os produtos frescos estarão disponíveis às pessoas preocupadas com a procedência dos alimentos que levarão à mesa.
Variedade de produtos naturais
Isso acontece todos os dias e só foi possível porque alguém acreditou: o antigo desejo de se dedicar à agricultura orgânica virou realidade para o professor universitário Paulo Medeiros, 66 anos.  Após a aposentadoria, com o apoio da esposa Dalzira, mudou-se para a propriedade rural da família onde implantou os conhecimentos adquiridos em muitas pesquisas e estudos, para oferecer ao consumidor legumes, verduras, frutas, ovos caipiras, água de côco, café  e uma infinidade de produtos livres de agrotóxicos e adubos químicos com a garantia da produção sustentável.
O café do sítio também está à venda
A residência da família, no bairro Maria Izabel (Rua Mecenas Pinto Bueno, 725), deu lugar à empresa legalmente constituída que, devido ao surgimento da clientela, passou a oferecer além das hortaliças, legumes e frutas de produção própria, outros 700 itens que vão dos temperos, compotas e geleias de frutas, grãos e chás orgânicos até alimentos destinados aos adeptos do veganismo.

Para entender como o professor universitário, que lecionou em instituições de respeito como o UNIVEM e FATEC (Marília, Garça e Pompéia), tornou-se uma referência no meio da agricultura orgânica, é preciso recordar o início de tudo. Com a fala pausada e a calma de quem é apaixonado pelo que faz, Paulo Medeiros recebeu a reportagem do Jornal da Manhã no início da semana.

Ele contou que a família adquiriu a propriedade em 2012, mas nem ele e muito menos a esposa tinham condições de se dedicarem ao sítio porque ambos tinham seus compromissos profissionais e o filho reside em São Paulo. Dessa forma, foi só quando a aposentadoria chegou que ele pode parar e refletir sobre a melhor maneira de colocar os planos em prática.

MELHOR IDADE

“O nosso sonho sempre foi orgânico, plantar alguma coisa sem agrotóxico. Mas, até se inteirar da terra, de funcionários etc, leva um certo tempo. Neste período, nós começamos a fazer cursos de como plantar e preparar o material”, explicou, citando a  Associação Biodinâmica em Botucatu, da Fazenda Demétria, “que é o berço do orgânico, praticamente no Brasil”.
As galinhas soltas na propriedade são alimentadas com milho
Prosseguindo, o professor disse que quando chegou a aposentadoria, “pensei: está na hora. Ainda me sinto jovem. É agora ou nunca porque se for esperar as coisas acontecerem, provavelmente, elas vão demorar muito”. E assim ele fez. A primeira providência foi erradicar a plantação de laranja que exige agrotóxicos para eliminar pragas e doenças. No lugar, plantou café em meio à macadâmia com um espaçamento que favorece as duas culturas.

Conforme disse, “começamos a fazer o que se chama de conversão nestas culturas. Na horta, há quatro anos já não se usa nada de produto químico. No ano passado começamos a produzir algumas coisas, principalmente folhas. Alface, tomate, pimentão, cenoura, beterraba, rabanete etc.” E como havia um excedente resolveu compartilhar: primeiro na “Feira do Pôr-do-sol”, realizada às quintas-feiras na Avenida Brasil, depois levou produtos a um condomínio da zona oeste e, no fim, deixou uma banca em frente a uma loja de produtos naturais, no centro.
Os alimentos que não produz são adquiridos de produtores certificados
“Mas, isso tudo era muito complicado. A gente carregava a caminhonete e quando chegava em Marília estava chovendo. Ou não saíamos do sítio porque chovia e em Marília o tempo estava bom”, recordou, contando as dificuldades iniciais que foram importantes para impulsiona-los para outro caminho.

“Resolvemos  mudar, definitivamente, para o sítio e usar a nossa casa. Começamos com duas banquinhas e alguém chamou de feira da garagem. Até por conta de responsabilidade social, abrimos uma empresa para trabalhar dentro da lei”, afirmou, acrescentando que “o
que a gente não consegue produzir, e precisa comprar, só compramos de empresas e produtores certificados”.

Paulo Medeiros ao lado de chás e temperos
Assim nasceu a “Orgânicos Bela Vista” que conquista a clientela pela qualidade e frescor dos produtos, mas também pela praticidade. Além da loja física no Bairro Maria Izabel, os interessados recebem, toda semana por mensagem no celular, uma lista de produtos com a tabela de preços e fazem a encomenda. Depois, basta passar lá para retirar sua cesta e degustar um delicioso cafezinho orgânico passado na hora. De segunda a sexta-feira, funciona das 10 às 19h e aos sábados das 10 às 13h.

INDICAÇÃO MÉDICA

Questionado sobre a receptividade à sua proposta, o professor disse que o aumento vem sendo gradual com frequentes indicações de nutricionistas e médicos. Ele contou que muitas pessoas em tratamento oncológico, por exemplo, procuram os alimentos orgânicos de fontes seguras para melhoria da imunidade e resposta ao tratamento.
Detalhe do canteiro de berinjela

Mas, nem tudo são flores. Como sempre acontece, houve alguns escândalos envolvendo produtos naturais em que comerciantes desonestos foram flagrados comprando verduras e legumes no Ceasa e vendendo como se fossem orgânicos, na Capital. Esse tipo de notícia mina a confiança do consumidor e, por isso, Paulo faz questão de trabalhar dentro das mais exigentes normas checando, pessoalmente, os fornecedores dos produtos que coloca em suas prateleiras.

Além da credibilidade arranhada e da pouca oferta de orgânicos nos supermercados e varejões, outro complicador é o preço. Como a produção é menor, naturalmente o preço é um pouco acima do que se pratica na agricultura convencional que aposta nos adubos químicos e defensivos para aumentar a produtividade. No entanto, Paulo Medeiros frisou que a diferença não é expressiva. No seu caso, a variação é de até um real no pé de alface, por exemplo.

Sobre a disponibilidade dos produtos, ele observou que “no estado de São Paulo, estamos longe dos grandes centros produtores de orgânicos que são Atibaia, Bragança Paulista, aquele cinturão verde mais próximo a Campinas e Sorocaba. No entorno de São Paulo, se usa muito agrotóxico porque o intuito é produzir muito”.

ÁGUA DE QUALIDADE

Uma das maiores preocupações com a agricultura orgânica é a qualidade da água utilizada na irrigação. No Sítio Bela Vista, que já contava com uma área de preservação que inclui um lago natural, foi perfurado um poço com outorga junto ao DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo) e realizadas análises periódicas da água.
Os grãos orgânicos são muito procurados
No caso da adubação, Paulo Medeiros explicou que a propriedade utiliza compostagem a partir de esterco de galinhas criadas soltas e restos de cultura, como palha, cascas de côco trituradas, restos secos de vegetação etc. Após descansarem por períodos que variam de 40 a 60 dias, devido às altas temperaturas que a compostagem atinge, as bactérias nocivas são eliminadas e o fertilizante natural pode ser depositado nos canteiros favorecendo a nutrição das plantas.
Lavoura adubada com fertilizante natural

 “A gente respeita o ciclo da natureza. Seguimos a agricultura biodinâmica: tem o dia certo de plantar flor, que é couve-flor ou brócolis, o dia certo de plantar grãos, como milho e dia certo de plantar raiz, como mandioca, por exemplo”, explicou o professor, acrescentando que com o aumento do serviço no campo foi necessário contratar um casal de trabalhadores rurais que estão colocando em prática seu modo de trabalho.

Ele disse que a loja optou por “oferecer outros produtos que as pessoas têm dificuldade em encontrar: trigo e grão de bico orgânicos, arroz agulhinha, arroz integral, arroz cateto, arroz parboilizado e arroz sete grãos orgânicos, soja não transgênica, vinagre cru, farinhas de inhame, de banana, de linhaça, aveias, fubá, óleo de soja não transgênica. Nós temos o grão orgânico porque resolvemos nos especializar nisso”.

Há, ainda, produtos para os veganos como chocolates, geleias (maçã, amora, goiaba) e doces sem açúcar, melado, mel, macarrão sem glúten e a linha de produtos vegetarianos (coxinha de jaca, hambúrguer de milho e hambúrguer de grão-de-bico). “A gente produz o molho de tomate funcional que é assado primeiro com especiarias. Contratamos uma engenheira de alimentos e chef de cozinha para nos dar consultoria e explicar como se faz exatamente o molho de tomate e o molho pesto”, assinalou.

Paulo Medeiros fez questão de frisar a atenção à procedência do que oferece: “Tenho o máximo cuidado ao pegar alguma coisa fora. Visito a propriedade, exceto quando é produto processado que é obrigado a ter o selo. Em Ribeirão Claro, no Paraná, temos uma associação de produtores e estou com o certificado de todos eles aqui. Qualquer coisa que eu comprar lá, tem a garantia de que eles foram certificados, é um acompanhamento constante porque é uma coisa muito séria.”.

CONSCIÊNCIA 

No fim da tarde da última terça-feira, a professora universitária Rossana Maria Sade, que leciona na área de Saúde Mental na UNESP, foi buscar sua encomenda, e entre um cafezinho e outro, opinou sobre os produtos: “Não só porque a verdura e o legume não têm produto químico, mas também pela própria agressão ao meio-ambiente. Se o tomate está cheio de agrotóxico é porque a terra está cheia de agrotóxicos, porque a pessoa que jogou o agrotóxico também se contaminou. É uma cadeia que não é só para o meu benefício. Não compro só porque tem o benefício para mim e minha família, mas porque estou respeitando muito mais a natureza”.
Rossana Sade: consciência ambiental
O depoimento anterior resume o pensamento da clientela que aposta cada vez mais na alimentação natural que traz benefícios para a saúde e contribui para a preservação ambiental.
O “Orgânicos Bela Vista” localiza-se à Rua Mecenas Pinto Bueno, 725, Bairro Maria Izabel. Informações: (14) 981420003.

*Reportagem publicada na edição de 27.01.19 do Jornal da Manhã

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