domingo, 13 de maio de 2018

“AMOR-EXIGENTE”: COM DISCRIÇÃO E SIGILO, O APOIO DO GRUPO DIANTE DE SITUAÇÕES-LIMITE.

Por Célia Ribeiro

Os ventos de outono sopravam timidamente lançando as folhas secas de um lado ao outro da rua. Era pouco mais de 19h de segunda-feira (07) quando os primeiros veículos começavam a estacionar em uma rua deserta da Zona Leste de Marília. Do seu interior, saíam homens e mulheres, de várias idades, ávidos pelo que os esperava: a reunião semanal da ONG “Amor- Exigente”.
No auditório, a palestra inicial: sigilo é essencial
Os cerca de 20 voluntários, identificados pelo colete verde, colocavam seu melhor sorriso no rosto para, entre abraços, apertos de mão e também beijos (no caso dos conhecidos), recepcionarem os quase 100 participantes daquela noite. O acolhimento generoso era apenas o primeiro sinal do que esta instituição, fundada em 1984, seria capaz de proporcionar àqueles que buscavam uma tábua de salvação.

Com sede em Campinas e presente em Marília há 27 anos, a instituição “atua como apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos e às pessoas com comportamentos inadequados”, explica seu material informativo. Através de auto e mútua ajuda, o “Amor-Exigente” desenvolve “preceitos para a reorganização familiar, sensibilizando as pessoas e levando-as a perceber a necessidade de mudar o rumo de suas vidas a partir de si mesmas, proporcionando equilíbrio e melhor qualidade de vida”. O AE visa ajudar as famílias a superarem desafios de toda ordem.
Várias publicações podem ser emprestadas aos interessados
Com entrada franca, a ONG encontrou uma maneira criativa de obter recursos para ajudar na manutenção da sede própria, construída há alguns anos com apoio de parceiros e empresários de Marília: quem deseja contribuir chega com um bolo, um pano de prato bordado ou qualquer outro brinde para sorteio. Cada número custa apenas dois reais e, com o valor levantado nas noites de segunda-feira, são pagas despesas como água, energia elétrica, materiais de consumo, funcionária da limpeza etc. Além disso, são promovidos eventos (almoços, venda de pizzas etc) e a Prefeitura concede uma subvenção mensal.

QUEBRANDO O GELO

Na recepção aos participantes, há voluntários que enfrentaram e superaram problemas semelhantes e também pessoas que, mesmo sem problemas na família, se sensibilizam com a causa e oferecem ajuda. Todos passam por capacitações e cursos de formação de modo a darem seu melhor no desenvolvimento dos trabalhos.

Voluntário Mário César: entusiasmo pela causa
Um dos mais entusiasmados pelo “Amor-Exigente”, o voluntário Mário Cesar Vieira Marques, contou que, há cinco anos, chegou à entidade pelas mãos da saudosa Drª Lucila Costa, uma das ex-dirigentes do AE. Foi conhecer e se encantou com a proposta do grupo pela seriedade e comprometimento de todos. Atualmente, ele participa de um grupo voltado à sobriedade apoiando ex-dependentes químicos.

Toda semana, a rotina se repete: pontualmente às 20 horas, todos se dirigem a um grande auditório climatizado, com capacidade para 150 pessoas, onde assistem a uma palestra de 20 minutos. A cada vez, um novo tema é abordado e, ao final, é lembrada a máxima segundo a qual “o que você diz aqui, o que você ouve aqui, quem você vê aqui, aqui permanece”.

Sorteio de brindes
Em seguida, os participantes são orientados a seguirem para as diversas salas onde se reúnem sob a supervisão de um coordenador. Tem a sala dos que chegam pela primeira vez, quando podem se abrir, revelando a razão de terem procurado o AE. Para os que já frequentam, há os grupos de pais de filhos dependentes químicos; pais com filhos internados em tratamento para dependência química; pais de filhos que passaram pela internação; filhos que se trataram e se reúnem para manterem a sobriedade; grupo de co-dependência (o familiar salva-vidas que vive o problema e precisa de suporte), entre outros.

Uma das coisas que chama a atenção é a preocupação com a prevenção. Há dois grupos: um de pais de filhos que não passaram pela experimentação do álcool e drogas; e outro de jovens de 10 a 15 anos, que apresentam problemas comportamentais. Esse último é conhecido por “Amor-Exigentinho”.

SUPERAÇÃO

O “Amor-Exigente” coleciona centenas de histórias de luta, sofrimento e superação. Uma delas é contada por uma professora aposentada, viúva de 68 anos, que há 24 anos participa do AE. Sob a condição do anonimato, ela aceitou compartilhar sua experiência com objetivo de mostrar que é possível vencer um problema tão grave, aparentemente insolúvel, e dar esperança a outras mães.

E por falar nisso, este domingo será mais um “Dia das Mães” de agradecimento e celebração para a aposentada. Afinal, os dois filhos que a levaram a procurar o AE, quando a entidade estava começando em Marília, livraram-se do uso de substâncias químicas, concluíram a formação superior, casaram-se, tiveram filhos e são profissionais bem sucedidos.
Professora aposentada buscou ajuda 24 anos atrás: hoje é voluntária
“Busquei o AE numa fase muito difícil da minha vida. Tenho três filhos, dos quais dois eram adolescentes (14 e 16 anos) e começaram a fazer experimentação de maconha. Na época, a maconha era tida como uma droga terrível. Não se tinha, por exemplo, a presença do crack como tem hoje. Quem sabia que um filho estava fazendo uso de maconha era como se o mundo tivesse desabado”, recordou.

A professora aposentada disse que o grupo era pequeno, com poucos voluntários que se reuniam na Igreja Nossa Senhora de Fátima: “Foi lá que eu encontrei suporte para superar essa dificuldade, aplicando a proposta, as metas semanais. Eu e meu marido íamos juntos”.

Ela observou que no começo não foi fácil: “O AE é uma proposta onde você tem que tomar atitudes e para isso, primeiramente, tem que mudar seu comportamento. Até então, a gente era muito facilitador, dava tudo o que eles queriam. Éramos pais facilitadores. No AE aprendemos que precisa de limite para tudo porque tudo que é demais faz mal. Até comida demais faz mal”, pontuou.

ACOLHIMENTO

Hoje voluntária do AE de Marília, a aposentada lembrou que o que mais lhe chamou a atenção foi a receptividade: “São pessoas muito simples e todos são iguais. Não existe problema maior ou menor. Problema é tudo o que nos aflige. Nos identificamos pelo acolhimento e a proposta que, a princípio parecia difícil de ser aplicada, conforme frequentávamos percebemos que nada daquilo era difícil”.

Neste sentido, complementou: “Tudo aquilo fazia parte da vida de uma pessoa que queria qualidade de vida real, que os filhos pediam limites. Muitas vezes, a gente não quer enxergar, não tem coragem de colocar limites”. O sigilo também foi apontado como um recurso importante porque deixa as pessoas à vontade para se abrirem e pedirem ajuda.

Princípios do Amor-Exigente
Sobre sua participação como voluntária, a aposentada explicou que diante do que o AE fez por sua família, acabou se “contaminando com isso tudo. Você percebe que sua vida vai tomando um rumo diferente para melhor e por isso você vai se doando”.

Mas, em sua jornada, ela acompanhou alguns dramas. Nem tudo são flores: “Já teve muito preconceito com o AE de que era grupo que colocava filho pra fora de casa, que era grupo de drogado. Na verdade, o ponto principal nosso não é o dependente e sim a prevenção”.

Prosseguindo, ela comentou que “às vezes, a gente recebe pais com filho de 40 anos que usa drogas, mora com eles e vivem em sofrimento sem conseguirem tomar uma atitude. São idosos de 60, 70 anos. A gente faz os pais entenderem que aquele filho precisa ter uma vida própria, fazer uma escolha porque é cômodo usar drogas e continuar na casa dos pais”.

Ela afirmou que os casos de sucesso são inúmeros, com registros de “rapazes que passaram pelo AE, pela internação, recuperaram sua vida e hoje estão em cargos importantes, com trabalho e família”. Mas, infelizmente, também houve casos de perdas como de um jovem que desistiu de viver após 10 anos de tentativas de superação.

MENSAGEM PARA AS MÃES

Em alusão ao “Dia das Mães”, comemorado neste domingo, a professora aposentada deixou uma mensagem às mães: “Jamais desistam do seu problema. Nós, como mães, não podemos desistir dos nossos filhos mesmo que eles estejam no fundo do poço, presos, perdidos, talvez nas ruas. Não podemos desistir. Aqui no AE a gente sempre fala que existe uma saída e que a luz não está no fundo do túnel. A luz está na gente. A luz está em você”.

Para saber mais sobre o AE, acesse: www.amorexigente.org.br As reuniões acontecem às segundas-feiras, às 20h, no endereço: Rua Maria Angelina Zillo Vanin, 75 (no fim da Rua Santa Helena), em Marília.  Nas redes sociais, acesse: https://www.facebook.com/amorexigente.marilia/

2 comentários:

  1. Somos voluntários do Amor Exigente há vinte anos. Eu e minha família somos prova de que Prevenção com Amor Exigente dá certo. Nos colocamos à disposição para ajudar, mas somos os maiores beneficiados.
    Obrigada Célia, pelo seu relato fiel do que presenciou em sua visita ao grupo.
    Volte sempre!
    Paz e bem!
    Eliana Souza Trevizo

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    Respostas
    1. Eliana, parabéns pela dedicação a uma causa tão nobre. Fiquei muito feliz por divulgar esse trabalho. Grande abraço

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