Por Célia Ribeiro
Na tarde de
sábado, depois do almoço caprichado onde não faltam carne e verduras colhidas
na hora, a soneca é interrompida pelo burburinho que se ouve no pátio. O
futebol está para começar e todos se dirigem à sala de TV em busca do melhor
lugar. O aparelho de 50 polegadas, tela de LCD de última geração, conectado a
uma antena parabólica da Sky transforma o espaço em uma sala de projeção
confortável onde as torcidas são bem vindas, independente dos times do coração.
Esse
conforto, comum aos grupos de amigos que se juntam em chácaras, bares e restaurantes
na hora do futebol, também está disponível aos 65 internos da Fumares (Fundação
Mariliense de Recuperação Social). A sala ampla e arejada com a ajuda de
ventiladores possui equipamentos modernos de som e imagem onde os ex-moradores
de rua assistem os noticiários, os filmes e o
esporte que é paixão nacional.
Criada em
1974 pelo ex-prefeito Pedro Sola, a Fumares enfrentou todo tipo de crise e nem
sempre é bem vista por quem defende uma rápida solução para o grave problema
social que representam os migrantes. No entanto, há oito meses, a
entidade está experimentando uma profunda reformulação que começou pela reforma
de suas instalações passando pelo acolhimento digno e humano àqueles que
desejam mudar de vida.
“A Fumares
está aberta à comunidade. Qualquer pessoa pode vir aqui, nem precisa marcar
hora. Pode ver com seus próprios olhos como os internos são tratados. Pode
conversar com qualquer um deles, sem nossa presença”, assinalou o presidente
Paulo Roberto Vieira da Costa. Técnico de telecomunicação por profissão, tem em
seu currículo o trabalho social junto à comunidade católica da zona norte e a
experiência de ter gerido o Projeto Vida Nova voltado aos dependentes químicos.
Paulinho,
como é conhecido, se emociona ao narrar as inúmeras histórias que presenciou. “Quando
aqui cheguei o maior desafio era humanizar a Fumares. No meio de um monte de
problema que tinha eu olhava o semblante dos internos e via a tristeza, o
abatimento, percebia que não tinha vida”, recordou.
TRANSFORMAÇÃO
Ressaltando contar com o apoio
do secretário Helio Benetti e do prefeito Vinicius Camarinha, o presidente da
Fumares reuniu a equipe (monitores, motoristas, assistente social, psicóloga e
cozinheiros) e estruturou o plano de salvamento da entidade criada para acolher os
moradores de rua, resgatar-lhes a dignidade, providenciar a documentação necessária
e encaminhá-los aos seus familiares para a vida em sociedade.
Apesar da
determinação, a missão é das mais difíceis. Paulinho fala com tristeza das
batalhas perdidas: “Muitos ficam aqui dois ou três meses, ficam sóbrios,
conseguem os documentos e pedem para sair. Aqui, eles têm total liberdade.
Podem ir embora à hora que desejarem. Infelizmente, muitos voltam para a bebida
e as drogas. Em poucos dias, perdemos tudo o que conseguimos fazer nestes meses”.
Há casos de
internos que estão pela quarta ou quinta vez na Fumares. O presidente assinalou
que as rondas da Assistência Social percorrem as ruas de Marília e convidam os
desabrigados para irem à Fumares ou ao Centro POP, no antigo Albergue São José.
Alguns aceitam e são recebidos dignamente, com banho, roupas limpas e
alimentação. Mas, muitos se acostumaram à vida errante, de estarem em um novo
lugar a cada dia e se recusam a serem encaminhados.
Paulinho fez
questão de frisar que não se usa violência de qualquer tipo para recolher os andarilhos. “Se algum dia me pedissem para fazer uma coisa dessas eu iria
para casa na hora”, observou, mostrando-se indignado pelas críticas que a
entidade recebeu diante das denúncias de espancamento de moradores de rua. “Até de trabalho escravo nos acusaram”, disse, convidando a reportagem a conversar, livremente, com os internos
sem a presença de funcionários.
TERAPIA OCUPACIONAL
Quem aceita a ajuda
não tem tempo ocioso. Os internos se revezam na limpeza da instituição e na
horta orgânica de onde sai uma produção capaz de atender a entidade e ainda
fornecer legumes e verduras fresquinhos, toda semana, a 32 instituições entre
asilos, creches, Casa do Pequeno Cidadão, associação de moradores que produzem
sopão etc.
Pela segunda
vez na Fumares, Elias de Souza, 42 anos, é natural de Bauru e viveu nas ruas
por tanto tempo que nem se lembra. Para ele, trabalhar na lavoura é a melhor
parte: “Passa o tempo que a gente nem vê”. Ele elogiou a entidade e disse que
nem dá para comparar com o período de privação passado ao relento.
Sem notícias
da família, Edson de Oliveira Cavalcanti, 51 anos, chegou praticamente cego à
entidade. Conseguiu a cirurgia de catarata e está em recuperação. Há 10 meses interno, ele
agradece pela oportunidade de sair da rua que nem mesmo sabe por quanto tempo
frequentou. Pouco antes do almoço de terça-feira ele se distraía vendo os colegas
disputarem uma animada partida de sinuca enquanto jogava conversa fora com um
companheiro de quarto. A vida está bem diferente agora.
NA SEMANA
QUE VEM, DIA 24, VAMOS MOSTRAR O DIA-A-DIA DOS INTERNOS E OS AVANÇOS DA DIREÇÃO E FUNCIONÁRIOS DA FUMARES PARA RESGATAREM A DIGNIDADE DOS EX-MORADORES DE RUA.
Célia...onde fica?
ResponderExcluirOlá, Renata! Fica na Rod. Marilia-Assis.
ExcluirQue beleza de trabalho !!!!
ResponderExcluirPrimeiramente, dou os PARABÉNS àqueles responsáveis por esta instituição preocupada com o bem estar do cidadão que, um dia, teve a tristeza de se enveredar pelo caminho das drogas e do álcool!!
E em segundo, dou os meus PARABÉNS a você, Célia, que tão bem desempenha seu papel de jornalista, auxiliando à divulgação de tudo aquilo que é de interesse à nossa comunidade!!!!
Olá!
ExcluirMuito obrigada pelo seu comentário. Fico feliz que um tema controverso, como esse, seja lido sem preconceito no blog. Apareça sempre! Abraços