Embrenhado mato adentro ou explorando aldeias indígenas, onde absorveu conhecimento dos pajés de diferentes etnias, o médico veterinário Ricardo Cavichioli Scaglion aproveita a rica diversidade da flora nativa em experiências voltadas ao tratamento fitoterápico de animais. Alguns experimentos, realizados nos últimos seis anos, e cujos resultados encontram-se em fase de sistematização para publicação científica, serão conhecidos nesta entrevista exclusiva que ele concedeu ao Correio Mariliense.
Ricardo e as ervas cultivadas no quintal |
Da infância
na zona rural entre os avós de descendência italiana, o veterinário de 38 anos
e 16 de formado, guarda lembranças dos “remédios naturais” aplicados nos
ferimentos após as travessuras: “Erva de Santa Maria com vinagre e sal, que
minha avó amarrava com um pano, curava os machucados pra gente fazer
estripulias tudo de novo”, conta com o olhar maroto de menino arteiro.
Ambientalista
da ONG Origem, Ricardo resgatou essas lembranças quando decidiu pesquisar
alternativas diante de situações que o entristeciam profundamente na vida
profissional: após um período de tratamento com medicamentos veterinários
alopáticos, o quadro não evoluía a contento. Tanto para animais de pequeno,
médio ou grande portes, o problema permanecia aguçando sua curiosidade.
O veterinário
iniciou as pesquisas a partir da literatura disponível, deparando-se com grande
dificuldade para reunir informações que embasassem seus estudos. Além da
fitoterapia animal não estar presente na grade curricular das faculdades de
veterinária, faltam cursos de especialização e capacitações para os
profissionais, observou.
Fitoterápico aplicado no lombo do cavalo |
Sem se
abater com os percalços, Ricardo Cavichioli deu prosseguimento às pesquisas a
partir de um viveiro de plantas medicinais cultivadas no quintal de casa. Uniu
a teoria dos livros aos experimentos práticos realizados principalmente em bovinos e equinos, nas
propriedades em que presta assistência veterinária, após a devida autorização dos
proprietários.
SAÚDE PÚBLICA
“A maior
parte dos produtos que consumimos vem de origem animal ou vegetal. No caso dos
produtos lácteos e carnes, o grande vilão que está por trás disso é a danada da
alopatia. São produtos sintetizados em laboratório que resolvem em parte o
problema. Em contrapartida, têm efeito colateral que ninguém sabe, ninguém vê e
não é divulgado”, afirmou.
Segundo ele,
os medicamentos para tratar os ectoparasitas (carrapato, mosca do chifre,
bernes etc) quando usados em doses maciças “têm grande poder residual. O
produto é aplicado externamente, na forma de pulverização, no dorso do animal e
outros são injetáveis. Todos eles vão cair na corrente sanguínea e, para
produzir leite, tem que circular sangue na glândula mamária”, assinalou,
citando os riscos de contaminação do produto final.
Ricardo
Cavichioli alertou que, por questões econômicas, muitos pecuaristas não
respeitam o período de carência entre a aplicação dos remédios e a ordenha.
Mesmo com a análise do leite, no momento da venda às cooperativas, os produtos
com resíduos não são descartados podendo trazer sérios prejuízos à saúde dos
consumidores com o passar do tempo.
Veterinário manda manipular chá para pequenos animais |
A
experiência do veterinário consistiu em relacionar algumas plantas com
reconhecido poder repelente (Citronela, Erva de Santa Maria, Guiné, Limonete),
antiinflamatório, cicatrizante etc. Muitas plantas possuem mais de um princípio
ativo. Ele utiliza as plantas de três formas: macerado (ervas amassadas), chá
(manda formular em farmácias de manipulação) para doenças renais, hepáticas, do
aparelho urinário etc, e tintura (ervas maceradas e conservadas com álcool).
CAVALARIA: LABORATÓRIO NATURAL
Atuando como
voluntário na Cavalaria da Polícia Militar, Ricardo Cavichioli fez estudos de
casos relatando, semanalmente, a evolução dos equinos. “Fiz um trabalho
fitoterápico paralelo ao alopático e me deparei com todo tipo de problema:
lesões, machucados, além de parasitas. Foram quatro meses seguidos de
acompanhamento que registrei caso a caso”, explicou. Ele contou que uma égua
machucada há tempos, já aposentada, foi curada em 10 dias de tratamento
fitoterápico e voltou a andar.
Cãozinho recebe chá diretamente na boca |
No caso de
bovinocultura de leite, a grande preocupação é com a saúde pública. Casado e pai
de um casal de filhos pequenos, Ricardo Cavichioli disse que existem pesquisas
sérias atestando a contaminação do leite por resíduos de medicamentos
veterinários. “Ao ingerir esse leite, a mãe acaba passando ao filho na
amamentação”, ressaltou.
A solução,
segundo ele, é o governo investir na fitoterapia para uso animal e apostar no
uso consorciado de tratamento: alopatia e fitoterapia. O veterinário também
acredita que os futuros profissionais devam ser formados com acesso às
informações dessas alternativas e os que se encontram no mercado de trabalho
necessitam receber capacitações e passar por cursos de especialização.
Do ponto de
vista econômico, Ricardo acredita haver um grande mercado para os produtores
que apostarem no manejo mais natural de seus rebanhos, atentando-se à questão
do uso de medicamentos no tratamento das doenças. “Tem que ter pessoas
vocacionadas, sem medo de ser feliz, dando a cara pra bater”, finalizou. Para
contatar o médico veterinário, seu e-mail é: rcavichioliscaglion@yahoo.com.br
PALAVRA DO CRIADOR
No “Sítio
Paixão Antiga”, localizado no Distrito de Avencas, os animais são tratados com
fitoterápicos com excelentes resultados. Segundo o proprietário, Luiz Arnaldo
Cunha de Azevedo, diretor-executivo do Sindicato Rural de Marília, os
preparados de ervas medicinais são levados pelo veterinário Ricardo Cavichioli
que monitora a aplicação: “Os animais ficam mais saudáveis, com pêlo mais
bonito”.
Conforme
disse, “as pessoas deveriam usar mais isso até por problema de saúde de quem
aplica porque os remédios hoje em dia são fortes”. O criador disse ainda que “dependendo
do veneno que fica no dorso do animal, cria resistência” aos parasitas, o que
não ocorre com os produtos naturais.
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