segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Empresário saiu do orfanato, venceu e recuperou da criminalidade os amigos de infância

Por Célia Ribeiro

No dormitório coletivo, em camas lado a lado, quatro meninos sonhavam acordados. Olhar fixo no teto enquanto o sono não vinha, um deles queria crescer logo para deixar o orfanato e ser alguém. Não havia sido abandonado pela família, como a maioria dos internos. Não tendo como alimentar os quatro filhos, seus pais apelaram às instituições filantrópicas de Marília, no interior de SP: Carlos ficou no Educandário “Bento de Abreu Sampaio Vidal”, dois irmãos foram para a “Associação Filantrópica” e a irmã para o Lar de Meninas “Amellie Boudet".
Distribuição de presentes em festa da ONG Renovi

O ano era 1.974 e o pequeno Carlos, então com sete anos, sentia falta da família, mas não da situação precária de ter que dividir um almoço cujo cardápio tinha três ovos para seis pessoas que viviam em apenas dois cômodos. Naquela época, ele decidiu que teria um futuro melhor e vislumbrou no trabalho a porta para vencer na vida. Como ele, pensava Toninho, o segundo dos quatro amigos. Mas, os outros dois, mais desinibidos desde aquela época, teriam uma vida bem diferente.

Voltando à Marília da década de 70, Carlos saiu do orfanato aos 12 anos para viver com o pai, servente de pedreiro. Àquela altura, os pais haviam se separado. Durante três anos, o menino trabalhou na colheita de frutas, “era um boia-fria”, recorda: “Tinha vergonha de ir com a marmita para o caminhão que pegava os trabalhadores na Avenida Pedro de Toledo, na zona norte. Por isso, escolhia colher fruta porque podia chupar mexerica, muricote, laranja e matar a fome”.

Focado em mudar de vida, Carlos encontrou uma chance que agarrou com determinação. Foi trabalhar como entregador de jornal no antigo “Correio de Marília”. Ele guarda até hoje a carteira de trabalho com o registro da dona Olga Ferraz Araújo, nome que, por sinal, consta na maioria das carteiras de trabalho de jornalistas, gráficos e jornaleiros da cidade.

Carlos orienta funcionário no Caixa

De jornaleiro conseguiu uma vaga na lavanderia da Santa Casa de Misericórdia de Marília. “Via os enfermeiros e pensava que também poderia estudar e ser um deles. Foi o que eu fiz. Frequentei um curso de atendente de enfermagem”, contou. Sua vida começou a mudar. Determinado, conseguiu um emprego no Hospital Marília (atual Materno Infantil) e quando soube de um concurso para o Hospital das Clínicas (HC) viu que sua hora estava chegando.

Foi aprovado no concurso e continuou se dedicando ao trabalho com afinco: “Eu ganhava bem. Fazia 12 horas quase todos os dias. Já havia me casado e tinha uma casa popular e uma moto quando prestei atenção no trailer de lanche na frente do hospital”. A visão de empreendedor foi longe: “Pensei que, se fosse bem trabalhado, aquele trailer de lanche poderia virar uma lanchonete, quem sabe um restaurante. Fiz uma proposta para o dono que pediu um preço muito alto pra mim. Era o valor exato da minha casa e da minha moto”.

A GRANDE VIRADA

Carlos e o amigo de infância, Toninho
Depois do que passou na vida, o que fez Carlos arriscar tudo, emprego, casa e meio de transporte, por um lance ousado que poderia fracassar? “Sempre tive muita vontade de trabalhar. Com pensamento positivo arrisquei de olho num futuro melhor para minha esposa e meus filhos”, observou. Bem, do trailer para a lanchonete foi um pulo e da lanchonete para um pequeno restaurante, mais alguns anos.

E os três amigos do orfanato? Voltando novamente no tempo, enquanto Carlos trabalhava duro sem descanso, focado em vencer honestamente, outro amigo o acompanhava e tornou-se seu funcionário. Os outros dois caíram na criminalidade. Ambos cumpriram 30 anos de cadeia sendo que um deles foi condenado a 150 anos de prisão!

Carlos tinha cabeça de gente grande e coração de menino. E foi com um forte sentimento de solidariedade que ele estendeu a mão aos dois amigos. “Durante todos os anos de prisão do Ademar, jamais deixei de visita-lo em várias penitenciárias. Levava a mãe e a avó dele aos domingos e ficava furioso quando descobria que ele havia sido transferido por ter liderado outros presos e causado problemas na prisão”, recorda.
Ademar com a esposa e o caçula na ONG

“Teve uma vez em que fomos para Araraquara e eu só tinha gasolina para ida e volta no velho Opala. Chegamos lá e descobrimos que ele estava na penitenciária de Pirajuí porque havia liderado outros detentos numa rebelião. O Ademar era um líder nato e todo mundo o seguia”, contou referindo-se ao hoje recuperado Ademar de Jesus, que dirige a ONG Renovi voltada aos jovens.

A ONG que foi retratada na reportagem do “Correio Mariliense”, na edição de 24 de outubro,
recebe todo o apoio de Carlos, hoje empresário bem sucedido. Ele arca com o aluguel de mil reais por mês, mandou confeccionar 7.000 sacolas plásticas para armazenar os alimentos recebidos em doação pela ONG que os distribui nas favelas, toda semana, e também empresta um dos carros da empresa.

“A transformação de Ademar foi um dos maiores presentes que poderia ter. O trabalho que ele faz hoje, o modo como se recuperou e seu exemplo para os mais jovens afastando-os da criminalidade, através da cultura e da educação, não tem preço”, afirmou radiante. Toninho, o irmão de Ademar que dormia na cama ao lado de Carlos é hoje seu braço direito, homem de confiança. Ele seguiu o exemplo do trabalho e até hoje mantém uma longa jornada para ganhar seu sustento.

APOIO INCONDICIONAL

Instrutores de Street Dance e Hip Hop da ONG Renovi
O quarto amigo que, como Ademar, partiu para o mundo do crime, também encontrou a mão amiga de Carlos. “Na época em que pegou liberdade condicional, depois de 30 anos preso e condenado a 150 anos, ofereci a oportunidade para ele trabalhar na reforma da casa ao lado do trailer em que eu faria uma lanchonete”.

Antes, quando Ademar saiu em condicional também foi trabalhar na lanchonete onde Carlos já contava com 20 funcionários.

O rapaz, cujo nome será preservado, relutou no começo: “Ele se irritava com facilidade. Estava acostumado a comandar e tinha que receber ordens do pedreiro porque era um simples auxiliar. Me deu um trabalhão”, contou rindo. Algum tempo depois, Carlos sentiu que era hora de dar um empurrão e comprou um carrinho de cachorro-quente para o amigo com a condição de que ele trabalharia para devolver o investimento.

“Fiz aquilo para que ele valorizasse o negócio, sabendo que eu dei a chance mas ele teria que se esforçar”, comentou. Carlos abriu o maior sorriso ao contar o final desta história: “Do carrinho de cachorro-quente ele passou para um trailer, depois para uma lanchonete e hoje tem um restaurante bem movimentado. Ele casou, formou dois filhos na faculdade e recentemente comprou um carro zero quilômetro”.

VISÃO EMPRESARIAL

Aos 44 anos, esta é a história do empresário Carlos Alberto Moreira, proprietário do Restaurante “O Forno”, um dos melhores de Marília. “Do restaurante na frente do HC comprei o ponto do antigo ‘Forno’ perto da Prefeitura e continuei trabalhando duro até comprar esse prédio que reformei para transferir o restaurante”, famoso pelo happy hour, pizzas e pratos de alto nível tocado por nada menos que 60 funcionários.

                     Ponto de grande movimento (Foto Alexandre de Souza)
Engana-se quem pensa que ele está acomodado: “Comprei o prédio do lado e vou quebrar tudo isso aqui”, mostrou apontando para a parte superior do restaurante envidraçado, climatizado e decorado com muito bom gosto. Ao seu lado, a esposa e os três filhos (menina de 09 e meninos de 15 e 17 anos) dão todo apoio.
“Para mim, ter vencido honestamente, com muito trabalho, é importante. Mas, mais importante, foi ter resgatado esses dois companheiros de quem nunca me afastei, nem nos piores momentos. E agora, poder ajudar a ONG que cuida de adolescentes é uma oportunidade única”, revelou.

Nesta semana, Carlos Moreira e Ademar de Jesus estiveram juntos na Fundação Casa (ex-Febem). Eles foram falar aos 90 internos sobre suas experiências de vida: “Depois que Ademar contou sua trajetória, fiz um paralelo. Enquanto eu entregava jornais, o Ademar estava fazendo pequenos furtos, quando eu estudava para atendente de enfermagem, ele estava no crime mais pesado. Hoje, estamos juntos. Então, perguntei aos meninos se eles queriam esperar 30 anos para mudarem de vida ou se preferiam começar agora, enquanto podem”.

E assim, com um olhar calmo e fala mansa, sem vergonha do passado e com orgulho do que construiu, o empresário continua sonhando como o menino que olhava o teto do orfanato: “Dá para ir além. É só querer!”

* Reportagem publicada no "Correio Mariliense", edição de 21.11.2010

Obs. Confira a reportagem da ONG Renovi aqui: http://mariliasustentavel.blogspot.com/2010/10/ex-presidiario-usa-cultura-para-afastar.html

3 comentários:

  1. Parabens que Deus continue te abençoando...sucesso é por essas e outras que nós faz seguir..um abraço Valquiria

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  2. Parabéns que Deus continue a te abençoar.
    Linda asua historia de vida serve de motivação para muitos que estão desmotivado.

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  3. E aí tio dema aqui é o caike depois de1 década estou conquistando minha liberdade

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