domingo, 31 de março de 2013

CATADORES DE RECICLÁVEIS TEMEM FICAR SEM TRABALHO APÓS DESOCUPAÇÃO DE TERRENO NO BAIRRO PALMITAL.

Por Célia Ribeiro

Embora não haja nenhuma estatística oficial, estima-se que existam milhares de catadores de recicláveis em Marília. Castigados pelo sol forte, eles aparentam mais idade e trabalham duro para sobreviverem com o que as pessoas descartam no lixo. Para um grupo de 40 catadores, além dos problemas do dia-a-dia, a preocupação agora fica por conta do futuro quando for desativado um depósito localizado no bairro Palmital, no próximo dia 28 de maio.
 
Paulo sai de casa de madrugada, diariamente.

Esta é a data limite para que Claudenice Santana, 35 anos, desocupe um terreno da Rua Independência, 652, de onde dezenas de famílias tiram sua subsistência. A ordem foi expedida pela Prefeitura Municipal de Marília que, segundo a recicladora, “quer que a gente vá para alguma área na beira da estrada”.

Casada e mãe de três filhos, Claudenice seguiu os passos de sua mãe que mantém um ferro-velho há muitos na Vila Nova. Há três anos, ocupou a área do Palmital, segundo garantiu, com autorização do proprietário, passando a receber papelão, plástico, vidro, alumínio, metal, sucata etc, de catadores independentes que chegam com os carrinhos abarrotados com toda sorte de materiais.

 
Diversos tipos de recicláveis no terreno do Palmital

Em média, um “carrinheiro”, como é chamado o catador de recicláveis, chega a faturar de 50 a 70 reais por dia. Eles começam muito cedo, quando a cidade ainda dorme. Às 5 horas da manhã, Paulo Lucas Cardoso, de 42 anos, já está na rua. Na última quarta-feira, ele separava seus materiais enquanto atendia o Correio Mariliense, com a pressa típica de quem não tem tempo a perder.

Como Paulo, quase 40 catadores vendem os recicláveis para dona Claudenice que não economiza críticas à Prefeitura. Conforme disse, “o dono do terreno não quer que eu saia. Mas, a Prefeitura encurralou ele (sic)” com uma multa de nove mil reais! “A Prefeitura quer que eu saia daqui e vá para a beira da rodovia. Mas, quem aguenta empurrar um carrinho com 200 quilos do centro da cidade até a rodovia?”, desabafou.

 
Claudenice critica o descaso da Prefeitura

Para Claudenice, falta uma política ambiental focada na reciclagem de lixo: “Eles não se importam de pagar milhões para jogar fora o lixo. Não querem saber porque o dinheiro é do povo”, criticou, referindo-se à falta de uma cooperativa ou central de reciclagem de lixo apoiada pelo poder público local.

Ela lembrou que muitas cidades estão muito mais avançadas nesta área, citando o vizinho município de Pompéia. “O prefeito dá os sacos próprios com alças para as pessoas recolherem o lixo reciclável que tem dia certo para colocarem na rua. Daí, eles pegam os sacos cheios e deixam outros sacos limpos”, assinalou.

ORGANIZAÇÃO

Apesar da informalidade do negócio, Claudenice mostrou ser bem organizada: recebe diariamente os recicláveis dos catadores independentes e ainda mantém quatro catadores diaristas. Todo o material é separado e pesado. Depois, o valor devido é anotado e o pagamento realizado todos os sábados. O local só não abre aos domingos. Nos demais dias, de 7 às 19h, o movimento é intenso por lá.

Casal trabalha junto nas ruas há cinco anos.
A recicladora relatou inúmeras histórias de superação das pessoas com quem convive no depósito: “Tem a Márcia que deixa a filhinha na creche e sai catando recicláveis. Ela consegue o dinheiro dela aqui, até 60 reais por dia, e com isso mantém a família, tem nome limpo e faz compras no comércio. A menina dela anda sempre bem arrumada, como uma bonequinha.”

Muitos casais também trabalham juntos na rua, como Margarida Silva e Paulo. De aparência frágil, a catadora contou que há cinco anos recolhe recicláveis das ruas com o marido e o dinheiro sustenta a família. Com a iminente desocupação do terreno, ela  se mostrou desolada, sem saber como vai fazer.

PREFEITURA

Em nota, a Diretoria de Divulgação e Comunicação da Prefeitura Municipal de Marília afirmou que: “Segundo a área jurídica da Prefeitura, após o recebimento de uma denúncia de vizinhos, apurou-se duas irregularidades: a área é particular e foi invadida; o depósito de vários tipos de material fere totalmente o Código de Posturas. Daí, a reclamação de vizinhos. Por tudo isso, a Prefeitura estabeleceu o prazo para a desocupação”.

Destalhe dos recicláveis armazenados
Dona Claudenice explicou que os materiais ficam no terreno, no máximo, durante três dias porque logo são revendidos. Ela refutou críticas de riscos à saúde pública, afirmando que os agentes de saúde vistoriam o local para verificarem as condições de armazenamento de materiais visando à prevenção da dengue: “As moças passam aqui, fiscalizam e vão embora porque está tudo em ordem”, finalizou.

* Reportagem publicada na edição de 31.03.2013 do Correio Mariliense

domingo, 24 de março de 2013

RECANTO MINEIRO: CASAL DE SERTANEJOS REALIZA O SONHO DE PRESERVAR SUASRAÍZES EM CONTATO COM A NATUREZA.

Por Célia Ribeiro

Nem bem amanheceu quando os galos cantam no terreiro. Como os primeiros acordes de uma sinfonia, esses sons vão, pouco a pouco, despertando a natureza adormecida. Na pequena propriedade de sete mil metros quadrados, no entorno de Marília, o fogão à lenha já está aceso e o aroma do café passado no coador de pano mostra que nesta casa a vida segue como antigamente. Mas, com muita qualidade.

Galinha caipira com palmito: iguaria que
 dona Laurinda faz como ninguém
O “Recanto Mineiro”, como é conhecido pelos vizinhos do Condomínio Santa Bárbara,tornou-se uma reserva natural com espécies nativas de árvores nobres trazidas das inúmeras viagens do ex-caminhoneiro João Urbano de Sá, o “Seu Gelson”, ao longo dos últimos 14 anos. Na semana passada, o Correio Mariliense contou a primeira parte da história deste cearense que passou sede no sertão nordestino e hoje vive cercado de água, nos tanques de peixes que construiu, e pelo aproveitamento da água da chuva em caixas que armazenam seis mil litros na propriedade.

Mudas de espécies nativas foram trazidas do Brasil inteiro: ipê branco e amarelho,
jacarandá, mogno, jatobá, peroba rosa, macadâmia, frutíferas etc.
Ao lado do “Seu Gelson”, a mineira Laurinda Maria de Sá, com quem está casado há 40 anos, é tratada como eterna namorada. Juntos, sofreram as dificuldades da vida na roça,no interior mineiro, os desafios da cidade grande quando arriscaram a sorte em São Paulo e a mudança para o Mato Grosso, em busca de uma vida melhor.
 
Verduras e legumes orgânicos: qualidade de vida
Pais de 04 filhos e avós de 08 netos, dona Laurinda e João Urbano dedicam-se ao cultivo de alimentos orgânicos (frutíferas, hortaliças, legumes, feijão, cana-de-açúcar,café, milho etc) para consumo próprio. No local que construíram com muita dificuldade, aproveitam a aposentadoria em harmonia com a natureza, pescando nos tanques de curimbas, pacus e tilápias, cultivando orquídeas e preparandoreceitas caseiras de pães, doces, biscoitos, assados etc, com que recebem familiares e amigos.

 
UMA CASA EM VOLTA DA COZINHA

Frutas colhidas na hora
A tranquilidade do lugar só é quebrada quando chega alguma visita. Invariavelmente,ninguém vai embora sem provar algumas das delícias de dona Laurinda, como a galinha caipira preparada lentamente, com palmito colhido na hora, no fogão à lenha posicionado no meio da cozinha de quase 40 metros quadrados. Na verdade, João Urbano contou que este foi um pedido da esposa: “Fizemos primeiro esta parte com a cozinha e depois o resto da casa”.

Imrã e sobrinha de dona Laurinda ajudam
na hora de preparar os biscoitos caseiros
Do tempo em que morou no bairro “Chico Mendes”, dona Laurinda se lembra da cozinha muito pequena da moradia simples, assinalando que seu sonho era ter uma casa maior,onde a cozinha fosse o cômodo principal. E assim se realizou. As bancadas com eletrodomésticos estão lá para o caso de necessidade. Só que dona Laurinda passa a maior parte do tempo no fogão à lenha que ocupa o centro da cozinha com sua chaminé invadindo o telhado para espalhar a fumaça bem longe.

Prendada como toda mineira que se preza, dona Laurinda faz maravilhas também no forno de barro. Caprichoso, João Urbano mandou construir o forno do lado de fora da casa, garantindo uma abertura para o interior da cozinha. Assim, o “Recanto Mineiro” tem um forno embutido capaz de assar duas leitoas de 12 kg cada,simultaneamente!

Familiares sempre visitam o casal
Com tanto a fazer na propriedade, dona Laurinda e João Urbano dividem as tarefas. Ocasal cumpre uma rotina normal de quem lida com a terra, mas com muito critério. Por exemplo, antes de implantar as estufas de hortaliças, dona Laurinda fez um curso no SESI com a professora e paisagista Kazumi Takeya, já entrevistada pelo Correio Mariliense e que faleceu em março de 2012.

Pescaria garantida: pacus, tilápias e curimbas
Da produção orgânica de hortaliças, dona Laurinda emendou um curso no outro: horta caseira,paisagismo, fruticultura, produção de orquídeas, bonsai (mini árvoresjaponesas), bijuterias com sementes, sacolas de papelão e até pintura em seda. “A Kazumi era uma irmã para mim. Ela veio muitas vezes aqui e nós fizemos algumas viagens como quando fomos para Londrina visitar um orquidário”, comentou saudosa da amiga professora.

CARTAS DE AMOR

“Ganhei uma mineira que não tem preço. Pequena no tamanho, mas grande no coração”, declarou-se o apaixonado marido a quem Laurinda chama de “Gelson”. Aliás, este era para ser seu nome, mas um parente que teve filho primeiro apossou-se da ideia e o bebê foi registrado como João Urbano. A família do cearense, no entanto, manteve como apelido o nome preferido e “Gelson” tornou-se quase oficial.

Beijo apaixonado: como na adolescência
Na cozinha espaçosa, sentados à mesa que comporta toda a família, dona Laurinda e “Seu Gelson” não se cansam de contar sua história de amor. Entre troca de beijos,como adolescentes apaixonados, eles mostram as cartas que trocaram na juventude. Amareladas pelo tempo, acondicionadas numa caixinha de madeira, as cartas de amor são a parte visível do sentimento puro que uniu a mocinha de 16 anos com o sertanejo alto e forte.
 
As cartas são guardadas há 40 anos
Quis odestino que os dois se encontrassem num tempo de dificuldades para que sonhassem juntos e transformassem em realidade a vida que desejaram ter: em meio à natureza, fruto do trabalho duro e honesto e, assim, pudessem envelhecer juntos,abraçados, trocando juras de amor!

Para ler aprimeira parte desta reportagem, clique aqui


* Reportagem publicada na edição de 24.03.2013 do Correio Mariliense
 

domingo, 17 de março de 2013

EM MARÍLIA, EX-CAMINHONEIRO FORMA RESERVA NATURAL COM ESPÉCIES TRAZIDAS DE NORTE A SUL DO BRASIL.

Por Célia Ribeiro

No sertão nordestino, o menino caminha lentamente sob sol forte, lata na cabeça, levando o precioso líquido para casa. No trajeto, cuidando para não derrubar a água conseguida com dificuldade, sonha acordado com uma vida melhor, onde contemplará o verde ao abrir a janela e a água, abundante, jamais será desperdiçada. Cinquenta anos depois, João Urbano de Sá realizou o que parecia impossível: comprou um pedaço de chão, formou uma reserva natural com centenas de espécies nativas, planta e colhe os alimentos para subsistência da família e goza a aposentadoria pescando no quintal de casa.
Palmito à vontade no quintal
 
A saga do “Seu”João, conhecido por Gelson, e dona Laurinda, a esposa mineira, será contada nesta edição e também no próximo domingo. Casados há 40 anos, pais de 04 filhos e avós de 08 netos, eles sonharam juntos e, sem saber, estabeleceram metas dignas do planejamento estratégico das empresas modernas. Assim, passo a passo, atingiram os objetivos vislumbrados na vida dura do campo.

Ajeitando a rede na varanda, o cearense de fala arrastada volta no tempo rememorando como formou, na pequena propriedade de 7.000 metros quadrados, localizada em um condomínio de chácaras às margens dos itambés da Rodovia Marília – Bauru, o paraíso dos sonhos de infância. Quando tinha oito anos, a família de João saiu do Ceará, fugindo da seca, em busca de uma vida melhor em Minas Gerais: “Nasci e fui criado na roça”, disse, assinalando que continuou no campo mesmo depois de casar-se com a mineira Laurinda.
 
Dona Laurinda e João Urbano: sonho realizado
Como milhões de retirantes, não tardou para que João e Laurinda quisessem alçar voos maiores. Mudaram-se para São Paulo. “Deixamos de passar fome no Nordeste para sofrer dentro da cidade grande”, recorda com tristeza. Durante cinco longos anos, João trabalhou como ajudante de caminhoneiro até surgir uma oportunidade no Mato Grosso.

 “Ali eu tinha a vida que pedi a Deus. Pescava, caçava, plantava”, lembrou o saudoso João Urbano que, a despeito do nome, queria mesmo fincar os pés descalços na terra, no mato. No entanto, ainda não tinha chegado sua hora. Com os filhos crescendo e precisando de escola, o lugar não oferecia as condições para João e Laurinda educassem os filhos, hoje formados e bem casados.

Horta orgânica recebe água da chuva
TERRA PROMETIDA

Já que a família era prioridade, João decidiu mudar-se para Marília, 30 anos atrás. Retomou as viagens, agora como caminhoneiro, sem esquecer o sonho de infância: ter um pedaço de terra para plantar e viver em paz. Quando residia no bairro Chico Mendes, a oportunidade surgiu na forma de um novo loteamento. O casal juntou as economias e encarou 36 prestações de dois mil reais pela área.

 
Nos finais de semana, João cuidava da propriedade. Cercou toda a área e começou a plantar. Organizado, fez um caderno para anotar todas as mudas que trazia das viagens: ipê amarelo, ipê branco, jatobá, jacarandá, mogno, cedro rosa, murici (Pará), baru (Tocantins), aroeira, peroba, cabreúva, flamboyant, marfim, café, palmito etc, além das frutíferas.

Mais de 150 galinhas criadas soltas na propriedade
O pomar do “Recanto Mineiro” como é chamado, tem um pouco de tudo: pés de limão, banana, laranja, jabuticaba, goiaba, maçã, maracujá (doce e azedo), pêssego, pinhão, pequi, romã, tangerina, seriguela, uva, louro, macadâmia, abricó, carambola, côco, gabiroba, graviola, framboesa, entre outras.

Para irrigar a plantação, inicialmente ele perfurou um poço caipira. Mas, assim que se aposentou, há quatro anos, construiu a espaçosa casa de 110 metros quadrados, instalando um sistema de calhas para coleta da água da chuva. Em duas caixas, são armazenados 6.000 litros de água utilizada na horta orgânica e na irrigação do pomar. “Dava dó ver tanto desperdício de água quando me lembro do tempo que carregava lata d’água na cabeça”, comentou, justificando o investimento.

Água da chuva é armazenada nos tanques de 3.000 litros cada um
Aos poucos, o que parecia miragem ofuscando a visão dos viajantes sob sol escaldante transformou-se no oásis sonhado desde a mais tenra idade. No recanto não falta nada: mais de 150 galinhas garantem ovos orgânicos e em três tanques há criação de tilápias, curimbas e pacus. O feijão, a mandioca e outros alimentos são cultivados para o consumo. E nem a rapadura faz falta: os pés de cana-de-açúcar garantem a matéria prima extraída pelo engenho guardado no quiosque que João construiu para os churrascos de fim de semana da família.

RESERVA NATURAL

Desde que adquiriu a área, João Urbano focou no objetivo de morar no paraíso. Com cuidado, a cada viagem pelos quatro cantos do Brasil ele trazia mudas na boleia do caminhão. “Eu molhava uns panos e cobria as mudas. A cada cinco ou seis horas eu parava e molhava de novo. Assim, elas chegaram inteiras até aqui vindas de toda parte, da Amazônia, Tocantins, Pará, do Sul etc”, revelou.

Criação de peixes garante o lazer da família
Em contraponto à seca do lugar que nasceu, o caminhoneiro vive cercado de água. Mas, sem desperdício, honrando a promessa que fez quando menino. A água do poço desce por gravidade até um reservatório que fez com as próprias mãos e de lá segue para os tanques de peixes. Também há uma tubulação que leva ao orquidário, lugar preferido de dona Laurinda. Essa água de qualidade, atestada por exames que João sempre manda realizar, serve toda a família.

Flor o ano inteiro no orquidário da dona Laurinda
  Orgulhoso e feliz pelo que conquistou, João Urbano, a despeito do nome, conseguiu fincar os pés no mato. “Eu não podia trazer o mundo comigo. Então, eu fiz o meu mundo aqui,” finalizou.
Comida caseira no fogão à lenha: tudo como antigamente
Domingo que vem, o Correio Mariliense trará a segunda parte desta reportagem mostrando o perfil de dona Laurinda. A casa, seguindo seu desejo, foi construída em volta do fogão à lenha. A cozinha, cômodo principal, tem 40 metros quadrados!

 * Reportagem publicada na edição de 17.03.2013 do Correio Mariliense

domingo, 10 de março de 2013

PORTUGUESA DA VILA DE ARRAIOLOS SE ENCANTA COM PROJETO SOCIAL E OFERECE PARCERIA A BORDADEIRAS.

Por Célia Ribeiro

Na pequena vila portuguesa de Arraiolos, região de Alentejo, o tradicional bordado, ensinado de geração em geração, é a principal atração turística. Os tapetes confeccionados com refinada delicadeza ganharam o mundo com a reputação ilibada das bordadeiras que podem ser encontradas em ateliês espalhados por toda parte. A boa notícia é que tudo caminha para que os trabalhos elaborados por um grupo de artesãs de Marília sejam exportados para Arraiolos, seguindo de lá para outros mercados, como reza a globalização da economia.

Aninha: arraiolo como terapia
Para entender essa parceria Brasil-Portugal do século XXI, é preciso voltar a 2.011 quando a artista plástica Aninha Garcia Lopes recebeu o temido diagnóstico de um câncer de mama. Impactada com a notícia, ela enfrentou a depressão e o tratamento com armas potentes: tirou as agulhas do cesto de lã e transformou a dor e o medo no combustível necessário a um novo desafio: ensinar o bordado arraiolo em um dos projetos sociais mantidos pelo Univem (Centro Universitário Eurípedes de Marília).

Realizadas às segundas e quintas-feiras, nos intervalos do almoço e do jantar, as aulas de arraiolo logo chamaram a atenção dos colaboradores da universidade: de jardineiro a cozinheira, passando pelo pessoal administrativo, os alunos são de faixa etária e nível educacional bem distintos. Em comum, têm a vontade de aprender e se realizam com os bordados que formam belíssimos tapetes e painéis de juta e lã colorida.


No Univem, concentração no trabalho que exige muita delicadeza e precisão.
“Eu passei pelo fundo da agulha. Quem me tirou de lá foi o arraiolo”, declarou a artista plástica que mantém um serviço de Xerox na universidade há 11 anos. Ela contou que fez aulas de arraiolo durante 10 anos com a professora Rosana Serafim e quando se viu diante do diagnóstico de câncer foi orientada pelo médico a procurar alguma atividade para aliviar o estresse.

Mas, não bastava apenas bordar. Para Aninha, como é carinhosamente chamada pelos colegas, era preciso agregar algo mais. Assim, foi uma grata surpresa receber o convite para formar o grupo de arraiolo da Sra. Neusa Macedo Soares, esposa do reitor do Univem, Luís Carlos Macedo Soares, na época em que visitou uma exposição de seus trabalhos na própria universidade.

Recordação da viagem a Portugal
TERAPIA
Com muita dedicação e paciência, Aninha começou as aulas com os funcionários do Univem e, dia após dia, viu como a atividade impactava positivamente na vida das pessoas: “Teve gente que se curou da depressão, uma moça deficiente auditiva, que não ouve e não fala, hoje faz alguns dos mais lindos trabalhos. Temos no grupo um jardineiro de 70 anos que se distrai e borda os tapetes gerando renda para sua família”, assinalou.

 
Superando as dificuldades iniciais, afinal os alunos nunca tinham bordado nada, a professora organizou a primeira exposição, em maio de 2012. Para surpresa geral, o evento realizado na universidade foi um sucesso absoluto e quase todas as peças foram comercializadas, com a renda totalmente revertida aos bordadeiros de arraiolo.

Tapetes expostos em loja portuguesa
Como o Univem mantém um portal na internet e divulgou o trabalho do grupo, uma portuguesa leu a notícia e entrou em contato com a universidade, interessada em fazer uma parceria. Aninha não pensou duas vezes e no mês passado embarcou para a Europa tendo a vila de Arraiolo como primeira parada.

No local, ela visitou os ateliês e soube das dificuldades de comercialização dos trabalhos diante da crise econômica que assola a Europa. A portuguesa anfitriã contou os planos de levar os tapetes bordados para os Estados Unidos, via Miami, propondo terceirizar a mão-de-obra para o grupo de Marília já que necessitará de muita produção para exportar o artesanato.

COOPERATIVA À VISTA

Aninha afirmou que foi bem recebida e pode visitar várias oficinas e ateliês de arraiolo (sem autorização para fotografias, evidentemente). A diferença entre os bordados dos dois países é que em Portugal as peças são minimalistas, enquanto no Brasil os destaques ficam por conta de tapetes com padrões geométricos, numa releitura da arte milenar.
 
Aninha na exposição da UNESP

Algumas amostras de tapetes do grupo foram deixadas em Arraiolo para avaliação. Mas, ao que tudo indica, a parceria deve decolar ainda em 2013. “Neste caso, vamos formar uma cooperativa porque precisaremos de muito mais bordadeiras”, explicou a professora. “Voltei muito esperançosa. Se der certo, abriremos a cooperativa para o pessoal do Univem e também para toda a comunidade”, acrescentou.

Destaque para a padronagem geométrica na exposição da UNESP
 
Os tapetes de arraiolo são vendidos em torno de 700 reais o metro quadrado em Portugal. No Brasil, a média é de 600 reais. Mas, quem se interessar pelos trabalhos pode visitar a exposição que permanecerá aberta até o dia 13 de março, na biblioteca da UNESP de Marília. Os bordados estão bem mais acessíveis, a partir de 180 reais.
Exposição até 13 de março, onde podem ser adquiridos os tapetes de arraiolo

Finalizando, Aninha, que superou o tratamento e reencontrou a alegria de viver através do bordado, manifestou o desejo de “transmitir para outras pessoas um pouco do que o arraiolo fez por mim, me tirando do fundo do poço. Antes, eu bordava porque gostava. Hoje, eu bordo com a alma. Vai meu coração junto”.

Para contatar a artesã, escreva para: aninha-ccuunivem@hotmail.com
 
VIDA NOVA

Além de colaboradores do Univem, participam da oficina de arraiolo também alguns familiares, como é o caso da pensionista Nair Villa, de 66 anos. Mãe de um funcionário da universidade, ela entrou em depressão com a morte do esposo, chorava o tempo todo e temia estar caminhando para uma doença mais grave: “Eu esquecia das coisas e pensava que já estava com Alzheimer”, relatou.
Dona Nair recebe orientação da professora Aninha
Incentivada pelo filho para ocupar a mente, ela foi às primeiras aulas, há um ano e meio, e não parou mais: “Eu aprendi tudo lá e minha vida melhorou mil vezes. Ali eu me distraio, esqueço os problemas e sou outra pessoa”, disse, reforçando o convite para a exposição da UNESP: “Também tenho três trabalhos lá”, finalizou.

* Reportagem publicada na edição de 10.03.2013 do Correio Mariliense

domingo, 3 de março de 2013

PLANTAS MEDICINAIS: VIVEIRO DE MARÍLIA EXPORTA MUDAS PARA TODO O ESTADO, PRESERVANDO A CULTURA POPULAR.

Por Célia Ribeiro

Já dizia o ditado: “A voz do povo é a voz de Deus”. Atravessando gerações, muitos costumes populares, como o uso de remédios caseiros, passam de pai para filho desde a colonização do Brasil. Já naquela época, os índios detinham o conhecimento para extraírem da natureza tudo o que necessitavam. Agora, em pleno século XXI, graças ao único viveiro de plantas medicinais do governo do Estado, localizado em Marília, esses conhecimentos estão ao alcance de todos.

Babosa muito usada no fortalecimento dos cabelos
Em uma gleba de terras, com 18 hectares na Fazenda do Estado (estrada para Júlio Mesquita), o Núcleo de Produção de Mudas de Marília (NPM), que pertence ao Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), da Secretaria de Estado da Agricultura, mantém os viveiros para produção e comercialização de mudas de espécies nativas, frutíferas e medicinais.

Não apenas os agricultores, mas também as pessoas comuns que desejam cultivar espécies medicinais e aromáticas no quintal ou plantarem frutíferas ou mudas de espécies nativas na frente de casa, têm acesso às mudas a preço de custo. A informação é dos engenheiros agrônomos Eduardo Gazola (diretor do Núcleo de Marília) e Cláudio Hagine Funai (diretor do Centro de Produção de Sementes, Mudas e Matrizes que reúne 15 núcleos de sementes e 06 núcleos de mudas em todo o estado).

(Esq.) Eduardo e Cláudio, agrônomos.
“No viveiro da Fazenda do Estado, produzimos principalmente mudas de espécies nativas e algumas frutíferas. Além disso, Marília é o único núcleo que tem a produção de plantas medicinais e aromáticas”, explicou Eduardo Gazola. Assim, as mudas locais são exportadas para dezenas de municípios.

Referência no estado de São Paulo, o viveiro comercializa as mudas medicinais e aromáticas a R$ 1,50 a unidade e ainda fornece orientação sobre o cultivo. Hortelã, poejo, alecrim, arruda, capim-limão, erva cidreira, erva-doce, camomila, espinheira santa, guaco, manjericão, carqueja, confrei, insulina, malva, manjerona, menta, babosa, são as mais pedidas entre mais de 30 espécies disponíveis. É só fazer o pedido em um dia e retirar a encomenda no outro.

Um dos clientes habituais é o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), vinculado à Secretaria da Justiça, responsável pelo assentamento de famílias de trabalhadores rurais. Para a agricultura familiar são enviadas, junto com as mudas de espécies nativas e frutíferas, também as mudas de plantas medicinais e aromáticas, contribuindo para a preservação da cultura popular.
Vista geral das matrizes medicinais na Fazenda do Estado
IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA

O viveiro da Secretaria de Estado da Agricultura foi instalado na Fazenda do Estado em um dos 118 lotes de um dos primeiros assentamentos que se tem notícia, nos anos 60.  Já saíram de lá mais de 2,5 milhões de mudas de espécies nativas para o Programa de Micro-Bacias, informou o agrônomo Cláudio Funai. Ele observou que tem ocorrido um aumento da procura por espécies nativas e frutíferas para recuperação de matas ciliares e áreas de preservação permanente nas propriedades rurais.
Carqueja é uma das mais pedidas
Estão à disposição desde as mudas de espécies mais comerciais, como laranja, limão, manga, uva e pêssego, até as frutíferas silvestres pouco exploradas como pitanga, araçá, gabiroba, pitomba etc.

Plantas aromáticas, como este manjericão roxo, também estão disponíveis
Eduardo Gazola, por sua vez, lembrou que como toda a estrutura da Secretaria da Agricultura (incluindo o Núcleo de Mudas e Sementes) está concentrada no prédio da Rua Santa Helena, próximo ao Bosque Municipal, os agricultores têm acesso às informações e orientações necessárias.

SEMENTES ORGÂNICAS

Graças aos investimentos do governo estadual e à equipe técnica de alto nível, o Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes se prepara para mais um avanço: produzir sementes orgânicas. Segundo o agrônomo Cláudio Funai, “não existem sementes orgânicas no mercado. E com a nova lei, o Ministério da Agricultura passará a exigir, no fim de 2013, que todo produto orgânico tenha uma origem orgânica”.

Ao custo de R$ 1,50, cada muda de planta medicinal vai embalada
em um saquinho plástico contendo substrato. Agrônomos orientam sobre cultivo,
Na região de Tarumã e Palmital, uma área de um produtor orgânico será usada para produção de sementes de milho orgânico na unidade de Paraguaçu Paulista. Já arroz e feijão orgânicos serão cultivados para produção de sementes em Taubaté. Atualmente, a unidade de Marília já produz o milho variedade, utilizado pelos agricultores que se dedicam à produção orgânica diante do aumento da demanda por esses produtos no mercado.


Cultivo de Confrei
Para outras informações, os interessados podem entrar em contato com o Núcleo de Marília no e-mail: npm.marilia@cati.sp.gov.br ou pelo telefone: (14) 34334188
 
Obs: Imagens do arquivo de fotos do NPM

* Reportagem publicada na edição de 03.03.2013 do Correio Mariliense