Na pequena vila portuguesa de Arraiolos, região de Alentejo, o tradicional bordado, ensinado de geração em geração, é a principal atração turística. Os tapetes confeccionados com refinada delicadeza ganharam o mundo com a reputação ilibada das bordadeiras que podem ser encontradas em ateliês espalhados por toda parte. A boa notícia é que tudo caminha para que os trabalhos elaborados por um grupo de artesãs de Marília sejam exportados para Arraiolos, seguindo de lá para outros mercados, como reza a globalização da economia.
Aninha: arraiolo como terapia |
Para
entender essa parceria Brasil-Portugal do século XXI, é preciso voltar a 2.011
quando a artista plástica Aninha Garcia Lopes recebeu o temido diagnóstico de
um câncer de mama. Impactada com a notícia, ela enfrentou a depressão e o
tratamento com armas potentes: tirou as agulhas do cesto de lã e transformou a
dor e o medo no combustível necessário a um novo desafio: ensinar o bordado
arraiolo em um dos projetos sociais mantidos pelo Univem (Centro Universitário
Eurípedes de Marília).
Realizadas
às segundas e quintas-feiras, nos intervalos do almoço e do jantar, as aulas de
arraiolo logo chamaram a atenção dos colaboradores da universidade: de
jardineiro a cozinheira, passando pelo pessoal administrativo, os alunos são de
faixa etária e nível educacional bem distintos. Em comum, têm a vontade de
aprender e se realizam com os bordados que formam belíssimos tapetes e painéis
de juta e lã colorida.
No Univem, concentração no trabalho que exige muita delicadeza e precisão. |
“Eu passei
pelo fundo da agulha. Quem me tirou de lá foi o arraiolo”, declarou a artista
plástica que mantém um serviço de Xerox na universidade há 11 anos. Ela contou
que fez aulas de arraiolo durante 10 anos com a professora Rosana Serafim e
quando se viu diante do diagnóstico de câncer foi orientada pelo médico a
procurar alguma atividade para aliviar o estresse.
Mas, não
bastava apenas bordar. Para Aninha, como é carinhosamente chamada pelos
colegas, era preciso agregar algo mais. Assim, foi uma grata surpresa receber o
convite para formar o grupo de arraiolo da Sra. Neusa Macedo Soares, esposa do
reitor do Univem, Luís Carlos Macedo Soares, na época em que visitou uma
exposição de seus trabalhos na própria universidade.
Recordação da viagem a Portugal |
TERAPIA
Com muita
dedicação e paciência, Aninha começou as aulas com os funcionários do Univem e,
dia após dia, viu como a atividade impactava positivamente na vida das pessoas:
“Teve gente que se curou da depressão, uma moça deficiente auditiva, que não
ouve e não fala, hoje faz alguns dos mais lindos trabalhos. Temos no grupo um
jardineiro de 70 anos que se distrai e borda os tapetes gerando renda para sua
família”, assinalou.Tapetes expostos em loja portuguesa |
Como o
Univem mantém um portal na internet e divulgou o trabalho do grupo, uma
portuguesa leu a notícia e entrou em contato com a universidade, interessada em
fazer uma parceria. Aninha não pensou duas vezes e no mês passado embarcou para
a Europa tendo a vila de Arraiolo como primeira parada.
No local,
ela visitou os ateliês e soube das dificuldades de comercialização dos
trabalhos diante da crise econômica que assola a Europa. A portuguesa anfitriã
contou os planos de levar os tapetes bordados para os Estados Unidos, via
Miami, propondo terceirizar a mão-de-obra para o grupo de Marília já que
necessitará de muita produção para exportar o artesanato.
COOPERATIVA À VISTA
Aninha afirmou
que foi bem recebida e pode visitar várias oficinas e ateliês de arraiolo (sem
autorização para fotografias, evidentemente). A diferença entre os bordados dos
dois países é que em Portugal as peças são minimalistas, enquanto no Brasil os
destaques ficam por conta de tapetes com padrões geométricos, numa releitura da
arte milenar.
Aninha na exposição da UNESP |
Algumas
amostras de tapetes do grupo foram deixadas em Arraiolo para avaliação. Mas, ao
que tudo indica, a parceria deve decolar ainda em 2013. “Neste caso, vamos
formar uma cooperativa porque precisaremos de muito mais bordadeiras”, explicou
a professora. “Voltei muito esperançosa. Se der certo, abriremos a cooperativa
para o pessoal do Univem e também para toda a comunidade”, acrescentou.
Destaque para a padronagem geométrica na exposição da UNESP |
Exposição até 13 de março, onde podem ser adquiridos os tapetes de arraiolo |
Finalizando,
Aninha, que superou o tratamento e reencontrou a alegria de viver através do bordado,
manifestou o desejo de “transmitir para outras pessoas um pouco do que o
arraiolo fez por mim, me tirando do fundo do poço. Antes, eu bordava porque
gostava. Hoje, eu bordo com a alma. Vai meu coração junto”.
Para
contatar a artesã, escreva para: aninha-ccuunivem@hotmail.com
Além de
colaboradores do Univem, participam da oficina de arraiolo também alguns
familiares, como é o caso da pensionista Nair Villa, de 66 anos. Mãe de um
funcionário da universidade, ela entrou em depressão com a morte do esposo,
chorava o tempo todo e temia estar caminhando para uma doença mais grave: “Eu
esquecia das coisas e pensava que já estava com Alzheimer”, relatou.
Dona Nair recebe orientação da professora Aninha |
* Reportagem publicada na edição de 10.03.2013 do Correio Mariliense
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