domingo, 6 de novembro de 2022

SUPERAÇÃO: PROFESSORA DE ARRAIOLO VENCEU A MORTE E INSPIRA AS ALUNAS NO ATELIÊ.

Por Célia Ribeiro

A tradição dos tapetes bordados em lã sobre tela de juta ou de algodão se popularizou na Vila de Arraiolos, em Portugal, embora haja relatos desta arte desde o século XII, na Península Ibérica. Em Marília, Rosana Cristina Serafim é o nome por trás das telas, lãs e agulhas que atraem cada vez mais interessadas. No entanto, nas tardes do ateliê no bairro Maria Izabel, mais que aprender sobre o ponto arraiolo, as alunas se deparam com uma lição de vida e de superação.

 

Rosana e um dos tapetes
 bordados por suas aluna
s
Desde 2.000, quando teve o primeiro contato com a técnica, Rosana pratica e ensina o que aprendeu. E, dessa forma, ajuda a espalhar beleza através de trabalhos em tapeçaria, almofadas, pesos de porta, quadros, entre outros objetos, confeccionados por suas alunas. A produção, que pode ser demorada dependendo do tamanho da tela, também leva amor e solidariedade às entidades filantrópicas que sempre recebem doações para os tradicionais bazares de fim de ano.

Uma das alunas, a ex-secretária municipal da Educação de Marília, Rosani Puia de Souza, falou com entusiasmo sobre a tapeçaria em sua vida: “Sempre que eu passava na rua Mecenas eu via a placa ‘Arraiolo Chão Bonito’. E sempre tive muita vontade de aprender a bordar em arraiolo, que eu acho um trabalho fantástico. Mas, eu trabalhava e não tinha muito tempo. Quando me aposentei, uma das primeiras coisas que eu fiz foi procurar a Rosana para iniciar essa aprendizagem. Comecei com um tapete mais simples, passei para outro mais floral, e ela sempre com muita paciência e, principalmente, muita generosidade”.

Rosani observou que “o arraiolo, como todo artesanato, é algo que auxilia na saúde mental. Assim como o crochê, quando você presenteia com algo que você fez, você doa não apenas o presente; você doa um pouco do seu trabalho, o seu carinho, um pouco de cada coisa que você sente quando está fazendo aquele trabalho. Ainda sou iniciante e não tenho peças muito trabalhadas, tapetes grandes, como algumas alunas que têm trabalhos maravilhosos”.

 

Rosana e Rosani no ateliê

E citando os benefícios do arraiolo para a mente, ela lembrou o momento difícil que a professora enfrentou ao contrair Covid, no início de 2021. Rosana ficou hospitalizada por 60 dias na UTI onde teve dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral) e chegou a ser desenganada pelos médicos. Ao receber alta, com membros superiores e inferiores sem movimento, ela lutou bravamente pela vida e seu retorno ao bordado é considerado um milagre. 

Materiais na mesa do ateliê

Rosani falou com carinho da professora: “A Rô é assim. Ela se doa. É o tipo de pessoa que gosta de passar o que ela sabe. Então, essa generosidade da Rosana é o que mais me impressiona nela, além da força de vontade e da fé que ela tem. A Rosana representa, para mim, um dos muitos milagres que Deus fez na vida de muitas pessoas que superaram isso”. 

Tapetes em arraiolo

RENASCIMENTO

 Em Entrevista ao JM esta semana, Rosana falou sobre o início do seu bordado, inspirada nas artesãs Sandra Araújo Garla e Lenita Haddad, em cujo ateliê fazia aulas, 22 anos atrás. E de aluna para professora, o processo foi natural, comentou, destacando o clima agradável das tardes em que as turmas se reúnem para bordar: “É uma verdadeira terapia”, pontuou. 

Cássia, amiga e aluna de Rosana

Assim, ao se ver com a terrível doença que tantas vítimas fez, sobretudo antes da vacinação em massa, Rosana se apegou à fé e lutou muito. “Tem uns amigos que brincam perguntando se eu vi a luz”, disse em alusão às experiências de “quase-morte” que algumas pessoas que estiveram no limite relatam. 

À esquerda, material riscado pronto para bordar

No entanto, ela disse ter sofrido um apagão naquelas semanas: “O que me recordo é de ter ido à UPA, da falta de ar, e da médica ter me internado. Depois tem os dois meses sem qualquer lembrança. Só que acordei em uma maca indo para casa, sem mexer as pernas e os braços”. 

Conjunto de tapetes

Rosana disse que seu maior temor era não conseguir retomar os movimentos. Além disso, ela precisou tratar uma escara nas costas provocada pelo tempo prolongado de internação e se submeteu a sessões na câmara hiperbárica (Oxigenoterapia) na Santa Casa, com a ajuda de amigos. Para a recuperação dos movimentos, contou com a Fisioterapia da Unesp e muita vontade de voltar ao normal.

 

Rosana: gratidão por nova chance

AMIGA INSEPARÁVEL

Aposentada da Justiça do Trabalho e atualmente atriz, Cássia Silva, é a amiga inseparável que sofreu muito no período de internação de Rosana. Ela contou que costumavam se falar todos os dias e que, de repente, ficou sem contato. Ao saber da gravidade do quadro, ela chegou a ter um bloqueio que a impediu de bordar por muitos meses. Apenas, recentemente, com a amiga recuperada, Sandra conseguiu voltar ao arraiolo. 

Cassia Silva

Sandra começou a bordar com Rosana em 2009 e conta que as aulas em grupo são terapêuticas. Eu tive câncer de mama e no grupo havia pessoas que já tinham tido e estavam bem. Outras tiveram depois de mim e uma apoiou a outra”, assinalou. Conforme disse, “as aulas são muito divertidas. Tem a mulherada que faz tapetes enormes, cheios de florzinhas. Eu já gosto de arte moderna. O arraiolo produz peças bonitas e tira um estresse danado”, assinalou, comentando que integra o Conselho Municipal da Cultura de Marília.

 Para a professora, voltar a bordar e a ensinar as técnicas significa um renascimento. Com três filhas e duas netas, Rosana ainda tem sequelas do Covid, como uma forte dor de cabeça que trata com um neurologista. Mas, quando está em meio ao colorido das lãs e das telas que risca com perfeição, ela não olha para trás e só pensa em agradecer a Deus pela chance de recomeçar.

Para saber mais sobre este trabalho, acesse: https://www.instagram.com/arraioloschaobonito/ O endereço do ateliê é Rua Mecenas Pinto Bueno, nº 730, Jardim Maria Izabel, em Marília. Contato: (14) )99713-0507

*Reportagem publicada na edição de 06.11.2022 do Jornal da Manhã

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