Por Célia Ribeiro
O olhar amendoado da pequena bailarina
explora o ambiente. Ela levanta os bracinhos e, ao som da música instrumental,
rodopia executando com leveza os movimentos da aula de balé. Aos nove anos, a
pequena Duda leva uma vida comum às meninas da sua idade: estuda, faz ginástica
rítmica e balé, e adora brincar com os amiguinhos. O que a diferencia é a luta
que travou, logo no primeiro ano de vida, contra um adversário poderoso: o
retinoblastoma.
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Dudinha operou ainda bebê
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Residente em Araçatuba, Dudinha enfrentou
o raríssimo câncer ocular que atinge as crianças até os 10 anos de idade. No
entanto, quando o diagnóstico foi fechado não havia mais tempo para preservar o
olhinho esquerdo. Paciente da médica Dra. Simone Almeida, de Marília, a pequena
foi submetida ao tratamento, que incluiu quimioterapia. A cirurgia de remoção
do olho aconteceu quando ela era um bebê de apenas um ano e dois meses.
A médica, que é chefe da disciplina de
Oncologia Ocular da Faculdade de Medicina de Marília (Famema) e integrante da
equipe do Ambulatório de Onco-Oftalmologia da Santa Casa de Marília, tem visto
periodicamente casos como este. Por isso, defende a necessidade de uma ampla
campanha de divulgação para que os pais e cuidadores de crianças de 0 a 10 anos
estejam atentos aos sinais. Quanto mais cedo se diagnosticar o retinoblastoma,
maiores as chances de cura e de preservação do olhinho.
REFERÊNCIA
Recentemente, o termo “retinoblastoma”
ganhou as manchetes dos jornais, TVs e sites de notícias por causa da revelação
dos jornalistas Tiago Leifert e Daiana Garbin, de que a filha de pouco mais de
um ano foi diagnosticada com a doença. Eles gravaram entrevistas e depoimentos
nas redes sociais alertando as famílias para que observem seus filhos a fim de
identificarem o problema o quanto antes.
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Daiana e Tiago Leifert com a filha Lua (Foto Reprodução TV Globo) |
De acordo com a Dra Simone Almeida, em
média são diagnosticados, por ano, de dois a três casos de retinoblastoma no
serviço de Marília. No entanto, o tratamento é multidisciplinar e demorado.
Conforme disse, falta divulgação sobre esse tipo de câncer que, por ser muito
raro, acometendo uma a cada 25 mil crianças, não recebe o mesmo destaque de
outras doenças na mídia.
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Bebês com retinoblastoma |
Ela afirmou que “o que aconteceu com a
filhinha do Tiago Leifert é algo que a gente não deseja para família nenhuma.
Mas, quando uma pessoa famosa se vê nesta situação e tem a coragem de expor
isso, na minha opinião, é uma atitude de amor sem fim, porque a quantidade de
crianças que eles nem conhecem e que eles vão ajudar é imensurável”.
A médica assinalou que “por conta de
ser muito raro, a gente não encontra parceiro que queira abraçar uma
divulgação, uma publicidade, uma campanha. Apesar de aqui em Marília ter
tentado várias vezes encontrar parceiros, eu não consegui. Então, faço o meu
trabalho de formiguinha há 18 anos”.
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Dra Simone Almeida |
Ela explicou que “o teste do olhinho,
todo mundo sabe que ele tem que ser feito na maternidade. A gente procura,
principalmente, por catarata congênita, glaucoma congênito, descolamento de
retina e o retinoblastoma. Mas, é um teste de triagem. Ele não é um teste de
diagnóstico. E para catarata, muitas vezes sem dilatar, você já pega”.
A médica prosseguiu observando que “glaucoma,
dependendo do estágio até pega, mas o retinoblastoma só pega se a lesão estiver
lá no centro. E então, para fazer um teste do olhinho que seja significativo
para o retinoblastoma, a criança tem que estar com o olhinho dilatado.
E não se dilata olhinho de recém-nascido,
normalmente só após 30 dias ou se tem alguma situação em que é necessário
dilatar”.
A Dra Simone contou que costuma fazer
no consultório “o teste do olhinho e faço um exame de fundo de olho, porque a
criança já está ali comigo. Mas, nunca vai conseguir fazer um exame de fundo de
olho detalhado em um bebê porque ele não vai olhar, não vai colaborar; Mas você
consegue um teste bem bacana com olho dilatado após 30 dias. Aí, tem uma
segurança um pouco maior do significado daquele teste”.
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Olho em detalhe (Foto Arte/TV Globo) |
Entretanto, evitando alarmar as
famílias, a médica destacou que “mais importante que refazer o teste é a
orientação que a gente, como oftalmologista, precisa dar para esse pai e para
essa mãe sobre o retinoblastoma. E isso é muito individual de cada
profissional. Eu, como lido com retinoblastoma, como trato criança com
retinoblastoma, passo mais tempo conversando com pai e mãe sobre os sinais, os
sintomas e sobre o que tem que fazer se notar algo, do que avaliando a criança”.
ATENÇÃO AOS SINAIS
A médica comentou que os pais
geralmente tiram muitas fotografias dos filhos, desde que nascem. E que esse
recurso pode ser aproveitado para observar os olhinhos das crianças quando
fotografam com flash: “Aquele reflexo vermelho que a gente vê na foto é o teste
do olhinho na forma de foto. É o normal. O teste do olhinho é a verificação
daquele reflexo em tempo real. Por isso que a criança não precisa ficar
voltando todo mês para eu dilatar e ver”.
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Dois irmãos fotografados: o maior com o vermelho normal e o bebê com o câncer em um dos olhinhos |
Ela explicou que, quando há alteração,
no lugar do reflexo vermelho aparece um branco e, neste caso, os pais devem
procurar um oftalmologista. O estrabismo é outro sinal: “Se a criança nunca
teve e de repente vira o olhinho ou para dentro ou para fora e não volta,
precisa ver o que está acontecendo, normalmente é sinal de baixa visão”.
A médica frisou a importância do
diagnóstico precoce para preservar o olhinho da criança. E acrescentou que “o tratamento
e seguimento do retinoblastoma são multidisciplinares. Não existe tratamento só
oftalmológico ou só quimioterápico. A gente tem que ter o oncopediatra, o
onco-oftalmologista, o radioterapeuta, o especialista em imagem e intervenção.
Parte desde o tratamento local, que raramente usa isoladamente, que é laser ou
crioterapia associada à quimioterapia. Essa é a base do tratamento”.
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Vermelho normal na foto com flash |
Existem tratamentos mais avançados,
como a quimioterapia intra-arterial em que um cateter é inserido via
cateterismo e o quimioterápico aplicado no olho diretamente, o que dá uma alta
concentração do medicamento e baixos efeitos colaterais, como queda do
cabelinho. O casal de jornalistas está usando este tratamento que, no entanto,
não é pago por convênios ou pelo SUS. Um cateter custa mais de 100 mil reais.
SANTA CASA
A médica informou que o serviço de
Marília é referência para o interior de São Paulo porque, além da Capital,
apenas mais duas cidades (Campinas e Ribeirão Preto) são indicadas para o
diagnóstico e tratamento do retinoblastoma. O ambulatório da Santa Casa de
Marilia atende particular, convênio e SUS.
No entanto, a médica frisou que a
prioridade é atender a criança, independente se a família tem condições ou não,
destacando a importância do trabalho da instituição filantrópica que conta com
uma profissional encarregada de fazer toda a tramitação junto ao SUS para
garantir o tratamento de alta complexidade às crianças.
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Ambulatório da Santa Casa atende particulares, convênios e pacientes SUS, sem discriminação. |
Dra Simone lamentou que tantas
crianças fiquem na fila de espera em serviços como do GRAACC de São Paulo e
quando são atendidos já se perdeu um tempo valioso. Por isso, ela insistirá na
busca de parceiros junto a empresas e instituições para uma grande campanha
educativa.
A HISTÓRIA DE DUDA
Cristiane K., mãe da Duda, concedeu
uma entrevista ao JM de Araçatuba, por WhatsApp. Ela revelou o sentimento de
medo e impotência quando recebeu o diagnóstico: “Se soubesse antes, ficaria
mais atenta aos sinais. Ela ficou uma semana internada no hospital da minha
cidade com celulite orbitária até conseguir fazer um exame para identificar que
seria retinoblastoma. Mas, a confirmação veio somente quando a transferimos
para a cidade de Marília e a Dra Simone, com mais exames específicos detectou o
tumor. Lembro que eu e meu marido ficamos desolados e choramos muito quando
recebemos a notícia”.
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Dra Simone acompanha Dudinha |
A mãe da Dudinha recordou que “quando descobrimos
a doença ela era muito pequena. Precisou fazer sessões de quimioterapia. Mas,
mesmo com as quimios ela precisou enuclear o olhinho esquerdo. Hoje ela faz uso
de uma prótese ocular e, a cada seis meses a trazemos de novo em consulta com a
oftalmologista dela, tirando as intercorrências que surgem nestes períodos”.
Cristiane contou que Dudinha “é uma criança
bem feliz. Vai à escola e adora os amiguinhos, faz ballet, ginástica
rítmica. Tento colocá-la em atividades
que vão agregar valor, dar coordenação. Apesar da falta de uma das visões, ela
tem se saindo bem.”
Ela aproveitou para agradecer o apoio
recebido: “No nosso caso, suportamos e temos suportado com a misericórdia de
Deus. Ele é a nossa força e sempre será. O que nos ajudou também a passar por
tudo isso foi o apoio da família e amigos queridos em Cristo”.
Antes de encerrar a entrevista, a mãe
de Duda fez questão de deixar um alerta aos pais: “Como qualquer tumor, se
diagnosticado precocemente possivelmente o tratamento teria evitado a perda do
olhinho esquerdo. Apesar de ser um câncer
raro, vale a pena difundir o tema, pois poderíamos, através do reflexo do “olho
de gato” em uma foto com flash, ter procurado um especialista antes de o tumor
ter se espalhado”.
Para entrar em contato com a Dra.
Simone, o endereço é Rua 7 de Setembro, 734 e telefones (14) 34135475 e (14)
9.96786123. No Instagram, seu perfil é: @dra_simone_almeida
Veja AQUI mais informações sobre o caso da filha de Tigo Leifert.
Reportagem publicada na edição de 06/02/2022 do Jornal da Manhã
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