Por Célia Ribeiro
Do toque do despertador no
smartphone à música que se ouve por aplicativos, transitando pelo comércio,
trabalho remoto e até estudos on line, a tecnologia está presente em todos os
lugares. Por isso, não surpreende que as brincadeiras do passado sejam pouco
conhecidas pelas crianças do século XXI cada vez mais isoladas em uma espécie
de bolha que começa a preocupar pais e educadores.
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Gincana movimentou a garotada |
Inconformado com essa situação, um
grupo de mães da zona sul de Marília, liderado pela esteticista Lauriele da
Silva, decidiu intervir para desplugar os filhos dos celulares e dos computadores.
Nascia, assim, o projeto social “Desconecta” com o objetivo de resgatar a
socialização através das atividades ao ar livre.
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Atividade ao ar livre no Costa e Silva |
Em entrevista ao JM, Lauriele
contou que a ideia surgiu por ocasião do “Setembro Amarelo” de prevenção ao
suicídio: “Em 2019, vendo adolescentes e pré-adolescentes com pensamentos suicidas,
e algumas coisas que acompanhei no meu convívio de amizade, eu e algumas mães
sentimos a necessidade de tirar as crianças da internet e das redes sociais
para voltar a brincar, realmente”.
Ela contou que tem uma filha portadora
de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade): “Lembro que
quando conversei com a neurologista, ela falou que minha filha precisava ser
bem assistida, bem cuidada em relação ao transtorno, porque ela poderia ser uma
futura adolescente com pensamentos suicidas se ela não se encontrasse no mundo
dela. E isso me assustou muito”.
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Lauriele |
Lauriele afirmou que a filha foi
uma inspiração para o futuro projeto: “Passei a fazer as terapias com a Lara.
Na época, eu trabalhava e saí do emprego para cuidar mais de perto. Minha filha
usou medicação tarja preta por dois anos e teve uma grande melhora, de 70 por
cento, com as atividades físicas. Aproveitei o gancho da minha realidade mais o
ganho de algumas mamães com crianças com transtorno de depressão e também
passando muito tempo dentro de casa”.
COSTA E SILVA
Moradora do Costa e Silva,
Lauriele reuniu um grupo de mães com as mesmas necessidades para criar o
“Desconecta” que começou com algumas crianças que faziam atividades ao ar
livre. Com a autorização para utilizar o centro comunitário do bairro, a
proposta ganhou musculatura e chegou a receber 22 crianças de 07 a 12 anos, em
dois encontros semanais, das 18 às 19h30 e uma roda de conversa às
sextas-feiras.
Segundo Lauriele, “fomos
divulgando na comunidade e foram chegando mais crianças. Chegamos a atender
crianças com transtorno de ansiedade, a minha com déficit de atenção e tinha
uma outra criança com autismo leve e uma criança com transtorno alimentar. As mamães
foram acompanhando o desenvolvimento dessas crianças, mais ativas e mais
felizes em voltar para o projeto, querendo que fosse todos os dias”.
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Início do projeto em 2019 |
No entanto, a falta de estrutura
para atender um número maior de crianças, sobretudo de faixa etária menor,
gerou frustração. Ela contou que muitas crianças tinham irmãos menores e as
mães queriam que eles também fossem beneficiados. “Eram só três monitoras e
crianças menores exigem cuidados maiores. Nosso maior desafio foi ter que falar
não”, recordou.
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Entrega de doces e brinquedos antes da pandemia |
Lauriele lamentou, por outro lado, a falta de engajamento de
mães que deixavam os filhos no local sem se envolverem. Conforme disse, “muitas
não queriam dar o nome, se comprometer, só queriam deixar a criança e ir
embora. Foi difícil disciplinar as mães que o projeto não era um lugar para
jogarem as crianças e irem embora. Era um projeto que tinha um por quê e
precisava da parceria delas”.
PANDEMIA
Após seis meses, o projeto sofreu
um duro golpe com o Covid e precisou ser paralisado: “Estávamos a todo vapor.
Fizemos festa de Natal para as crianças e em março parou tudo por conta da
pandemia. Como eu tinha o cadastro dessas mães, teve algumas ações sociais na
cidade com a distribuição de cestas básicas. Consegui cadastrar minhas crianças
e as famílias ganharam cestas básicas”, destacou.
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Kits prontos para entrega |
No “Dia das Crianças” do ano
passado, com apoio de parceiros, como a ONG “Amigos do Bar” e doações de amigos
e empresários, foram montados kits com doces e brinquedos entregues às crianças
do bairro. Além dos inscritos no projeto, foram entregues 150 kits a outras
crianças marcando a data festiva, apesar
da tristeza da pandemia.
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Outubro do ano passado |
Além das atividades ao ar livre,
Lauriele falou com tristeza da pausa no projeto porque as rodas de conversa, às
sextas-feiras, eram muito importantes ao abordar temas que nem sempre se
discute em família. Ela contou que uma criança confidenciou ter trocado
mensagens no WhatsApp com uma pessoa que conheceu em um jogo on line.
“Depois, a pessoa, que era um
adulto, passou a mandar fotos pornográficas, pedindo foto e querendo encontrar
a criança que ficou com medo e excluiu o contato. Mas, não chegou a contar para
a mãe”, recordou. A voluntária disse que as crianças eram orientadas sobre os
perigos da internet, principalmente do contato com estranhos.
“A pandemia vai passar e vamos
voltar a brincar, socializar e fazer com que nossas crianças vivam uma infância
saudável porque a gente sabe que internet, videogame e computador não são boas
distrações para nossos filhos. Às vezes é cômodo para nós, porque eles estão
quietos. Mas, só Deus sabe a que eles estão tendo acesso, o que eles estão
vendo e que formação estão tendo através de informações que vêm de várias
maneiras erradas, distorcidas”, frisou.
A voluntária observou que a pandemia
tem causado muito estresse às crianças que ficaram longos meses em casa
enquanto os pais precisaram voltar ao trabalho. Sem escola, sem o projeto, sem
socializar, muitas apresentam problemas de compulsão alimentar, entre outros.
Por isso, ela aguarda, ansiosamente, o momento de retomar o “Desconecta” que
sonha ver replicado em outros bairros da cidade.
*Reportagem publicada na edição de 19.09.2021 do Jornal da Manhã
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