domingo, 11 de fevereiro de 2018

INFÂNCIA AMEAÇADA: EDUCANDÁRIO LUTA PARA MANTER SEU PROJETO SOCIAL

Por Célia Ribeiro

Alicerçado sobre os ideais de solidariedade de seus instituidores, o Educandário Bento de Abreu Sampaio Vidal, de tempos em tempos, é submetido a verdadeiros testes de resiliência. Em 2014, recebeu um ultimato para deixar a área pertencente à Santa Casa de Misericórdia de Marília que ocupava desde sua fundação. Em 2016, transferiu-se para uma sede provisória, no Patronato, mantendo grande parte do trabalho voltado aos meninos de 5 a 18 anos. Agora, devido à Lei Federal 13.019/14, corre o risco de deixar para fora nada menos que metade da clientela.
Crianças almoçam na entidade: refeições balanceadas
O que a burocracia oficial não explica é como uma instituição filantrópica, mantida há 61 anos com apoio da comunidade, auxílio de órgãos públicos e clubes de serviço, vai mandar embora justamente os adolescentes na faixa etária mais vulnerável. Pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, as Prefeituras não poderão mais custear a manutenção das crianças matriculadas na Rede Estadual, garantindo a ajuda tão somente aos estudantes da Rede Municipal de Ensino.
Vários garotos conseguiram emprego após curso de panificação do Educandário
Situação parecida enfrentam outras entidades de Marília. O que difere o Educandário é sua imensa capacidade de enfrentar adversidades em um curto espaço de tempo e, como se diz, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Para suportar os solavancos, a instituição está sob o guarda-chuva da Sociedade São Vivente de Paulo, à qual pertence como obra unida, e a Associação Amigos do Educandário com seu exército de voluntários.
Nesta semana, o presidente do Educandário, policial militar aposentado Pedro Luiz Alves, e o diretor religioso, Irmão Agenor Lima Rocha, explicaram, durante almoço com as crianças e jovens assistidos, que estão buscando alternativas para enfrentarem a dura realidade. Com muita fé, eles esperam sensibilizar o prefeito Daniel Alonso a manter o acordo de cooperação, além do termo de cooperação que deverá ser celebrado através da Secretaria Municipal da Educação.

Dessa forma, o Educandário manteria os funcionários atualmente cedidos pelo município (professores, cozinheiras, assistente social etc) e alimentação para continuidade das atividades aos 100 inscritos. Os meninos, a partir de cinco anos, são assistidos no período do contra-turno escolar: chegam para o café da manhã, participam de atividades pedagógicas, aulas de informática e esportes, tomam banho, almoçam e vão para a escola. Os que estudam pela manhã chegam para o almoço após as aulas e permanecem na entidade para as oficinas profissionalizantes e prática esportiva.

Procurada, a administração municipal manifestou-se com a seguinte nota da Assessoria de Imprensa: “A Prefeitura de Marília, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informa que manterá a parceria com as entidades, como Juventude Criativa, Eurípedes Barsanulfo e Educandário Bento de Abreu, atendendo aos alunos matriculados na Rede Municipal de Ensino, cumprindo assim o que determina a lei”.

CRIMINALIDADE

“Os meninos de 13, 14 anos são os mais vulneráveis e não podem ficar na rua”, observou o presidente do Educandário. Conforme disse, nesta faixa etária, os adolescentes precisam de ocupação, orientação e preparação para o mercado de trabalho que são oferecidos na instituição. Se não tiverem esse apoio, eles correm os riscos oriundos da violência cada vez mais em evidência.
Pré-adolescentes correm o risco de ficarem fora da entidade
O Irmão Agenor acrescentou que “a gente pretende fazer o convênio com a Educação e pedir à Prefeitura que mantenha o acordo de cooperação conosco para a gente manter os funcionários e os nossos alunos do Estado. Hoje, a gente tem 100 crianças, sendo 50 da rede municipal e 50 da rede estadual. Se for atender o que estão propondo para nós, teríamos que mandar 50 crianças da rede estadual embora, justo na idade de periculosidade”.

Destacando a infraestrutura do prédio atual, o presidente lembrou que o Educandário conta com “quadra esportiva coberta, cozinha completa, padaria moderna, salas de aula, sala de informática equipada, banheiros novos, campo de futebol etc. O dever da educação é do município, do Estado e da União. Como entidade, somos parceiros”.
Irmão Agenor  e presidente Pedro Alves em frente à entidade
Ele assinalou que “nós queremos ver as crianças melhores futuramente. Essa responsabilidade que o município está jogando para as entidades fica difícil. Imagine essas crianças jogadas na rua, na fase da adolescência, com droga, com prostituição, com tráfico e pequenos furtos. Na entidade, não. O contra-turno tira esses meninos da rua”, frisou.

SOLIDARIEDADE

Em 2017, durante seis meses, o Educandário não recebeu alimentos do município, o que foi suprido graças aos voluntários, empresas parceiras e clubes de serviço, como o Rotary Clube Alto Cafezal. As despesas são muito altas, apesar do respaldo da Prefeitura. Dessa forma, se nada for feito, quando sair o chamamento para os convênios e os alunos da rede estadual estiverem excluídos, mais do que nunca, o Educandário terá que se reinventar para não deixar essa clientela necessitada à própria sorte.

Além do imenso amor ao próximo, o que mantém a chama da esperança acesa são os frutos que não param de se multiplicar ao longo de seis décadas: “Outro dia, um senhor de São José dos Campos nos contatou através do Facebook do Educandário. Ele contou que se casou, constituiu família, formou seus filhos e era muito grato à entidade por onde passou na infância. Temos muitas histórias como essa. E isso nos dá motivação para não desistirmos”, contou o presidente.
Panificadora: preparação para o mercado de trabalho e fonte de alimentos
Ao longo do ano, o Educandário promove inúmeros eventos para arrecadação de recursos e a programação de 2018 deverá conter vários deles com o apoio dos voluntários e parceiros: almoços, jantares, sorteios etc estão sendo agendados contando com a solidariedade da população.

Como a ave mitológica fênix, que renasceu das cinzas, o Educandário ainda acredita em uma solução a médio prazo. Por isso, faz planos inovadores como a formação de uma horta orgânica e promoção de curso de panificação para as mães dos meninos atendidos, como fomento à geração de renda.
Almoço servido nesta semana

Atualmente, crianças e adolescentes participam do curso ministrado por padeiro certificado que já garantiu vagas no mercado de trabalho a vários deles. Aprendendo a selecionar os ingredientes, porcioná-los e vê-los mudar de forma transformando-se em alimentos, os meninos e pré-adolescentes, moradores das regiões mais carentes das zonas norte e sul, levam para casa uma importante lição: com a orientação adequada, suas mãos podem ser transformadoras e criarem o futuro que tanto sonham!

* Reportagem publicada na edição de 11.02.2018 do Jornal da Manhã

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