Por Célia Ribeiro
Potes de giz de cera coloridos espalhados nas pequenas mesas
de trabalho, uma profusão de letras que saltam de tabuleiros com velcro e das lousas
imantadas formando palavras e até frases completas, compõem um dos ambientes
mais instigantes da Santa Casa de Misericórdia de Marília. Bem ao lado da
Pediatria Oncológica funciona uma classe hospitalar modelo, cuja reputação
corre de boca em boca entre os pequenos que se alvoroçam quando a moça de
jaleco lilás passa pelos corredores.
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Garotinha faz atividade enquanto é medicada |
Antes de permitir o desenvolvimento educacional das crianças
hospitalizadas ou em tratamento ambulatorial prolongado, a classe criada há
dois anos pela pedagoga Michelle Fontoura da Cunha, 32 anos, funciona como um
analgésico para os pequeninos que precisam ser fortes para suportarem desde
sessões de quimioterapia até os dolorosos processos de recuperação da Unidade
de Queimados.
Servidora da Secretaria de Estado da Educação, com diversas
especializações em Pedagogia (Deficiência Física, Auditiva, Intelectual,
Visual, Dificuldade de Aprendizagem, Super Dotados e Talentosos etc), Michelle,
ou simplesmente “Tia Mi” como é conhecida pelas crianças, apresentou o projeto
à Santa Casa após conseguir o aval da Diretoria Regional de Ensino e da Escola
Estadual “Amilcare Mattei” à qual está vinculada.
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Lousa imantada. painéis com velcro e outros recursos ajudam no aprendizado |
Profissional entusiasmada, Michelle fala com orgulho deste
trabalho: “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante o direito das
crianças hospitalizadas de continuarem seus estudos e não perderem o vínculo
com a escola. As crianças da Oncologia e da Unidade de Queimados ficam dias,
meses e até anos afastadas da escola. Se não tivessem o acompanhamento da
classe hospitalar, com certeza, na hora que tivessem alta não estariam no mesmo
nível que os alunos das suas turmas”, observou.
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Michelle e os cadernos de atividades: controle e organização |
Ela explicou que as atividades são preparadas segundo cada
faixa etária, a partir dos dois anos. Em contato com a escola da criança, a
pedagoga prepara as aulas segundo o conteúdo programático. Assim, os pequenos
fazem atividades, tarefas e até trabalhos valendo nota. Quando recebem alta,
eles levam junto o relatório completo para que possam continuar seguindo o
ritmo da classe normal.
CRIATIVIDADE
Mãe de uma menina de três anos, Michelle leva jeito com as
crianças. Foi com muita sensibilidade que ela notou o medo dos pequenos
pacientes quando se aproximava deles usando o jaleco branco, mesma cor dos
uniformes da equipe de enfermagem: “Tinha uns que começavam a chorar na hora,
pensando que seriam tocados, manipulados. Foi quando pedi autorização para
mudar a cor do meu jaleco”, disse sorrindo. Agora, a cor diferenciada chama a
atenção de outra maneira: as crianças sabem que irão para a classe estudar,
fazer atividades lúdicas o que ameniza o estresse do tratamento.
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Concentração na hora de fazer as tarefas |
Com muitas histórias para contar, “Tia Mi” parece lembrar-se
de cada nome. Nas paredes da pequena classe especial estão fotografias e
lembranças diversas dos pequenos pacientes, sempre sorrindo. As datas
comemorativas são trabalhadas e muito festejadas com atividades diversas. Tudo
é motivo para incentiva-los a participarem e desenvolverem suas
potencialidades.
Quando perguntada sobre a principal dificuldade, a pedagoga
não relacionou a falta de materiais ou estrutura, por exemplo. Usando sucatas e
recicláveis, ela dá bom uso a tudo o que encontra e as crianças ajudam com
ideias para que uma garrafa PET, por exemplo, se transforme num brinquedo útil
ao aprendizado. A única coisa que tira o sorriso do rosto sereno da “Tia Mi” é
o sentimento de impotência quando o pior acontece: “A maior dificuldade que
tenho, no meu trabalho, creio que seja o de dizer ‘até breve’ quando a
criança recebe alta celestial. Ou seja, é continuar a rotina da classe sem
tê-la conosco".
Nos casos de óbito, é preciso muita determinação para seguir
adiante, comenta a pedagoga quando precisa entregar à família os cadernos e
relatórios do filho que se foi, que não venceu a luta contra a doença. Momento
difícil, sim. Mas, segundo ela, às vezes uma palavra de apoio dos pais, dizendo
que a criança viveu feliz na classe hospitalar nos seus últimos dias, parece
aliviar um pouco a dor da perda, a saudade...
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Crianças aprendem brincando: momento feliz |
E assim, trabalhando na classe hospitalar ou levando
todos os apetrechos até o leito, nos casos das crianças que não podem sair do
quarto, “Tia Mi” sente-se recompensada pelos avanços que as crianças
hospitalizadas registram durante a internação. Em média, são realizados 200
atendimentos por bimestre. Todos devidamente avaliados e respaldados pela
Diretoria Regional de Ensino.
SANTA CASA: HUMANIZAÇÃO
“A classe hospitalar vem romper um conceito de cuidado
centrado na doença. Essa é uma luta incessante por parte dos profissionais de
saúde que são comprometidos com os destinos do cuidado em saúde. Não queremos e
não devemos tratar a doença, e sim o ser humano com todas as suas fragilidades
e fortalezas, considerando-o dentro de um contexto bio-psico-social. A classe
hospitalar vem contribuir de forma efetiva nesta perspectiva, valorizando a
criança e toda a rede que compõem seu habitat natural”, afirmou o coordenador
da Santa Casa de Marília, Márcio Mielo.
Ele assinalou que “estar adoecido pode significar uma ausência
momentânea de boas condições de saúde, e não privar-se de outras formas de
convívio que levam o ser humano a um completo estado de bem estar como é o caso
da educação. A Santa Casa reconhece esta lógica de pensar em saúde de uma forma
ampliada, integral e pautada na interdisciplinaridade, considerando aqui a
classe hospitalar como um segmento vital para que este objetivo seja atingido”.
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Painel de fotos: lembranças dos pequenos pacientes |
E concluiu: “Há que se ressaltar a diferença que um
professor faz dentro de um processo pedagógico. Fomos muito felizes na
implantação da classe hospitalar e diria privilegiados com a professora.
Michele é competente, humana, comprometida e apaixonada pelo que faz. Projetos
nesta vertente e com este compromisso social devem ser valorizados por toda
sociedade e também por autoridades que pensam e planejam a saúde e a educação
neste país. Somente através da educação poderemos melhorar a saúde das pessoas,
sua qualidade de vida e estimular a sua autonomia para uma cidadania
consciente”.
MÃE DO VINICIUS
O pequeno Vinicius, de três anos, é um dos fãs da “Tia Mi”
segundo sua mãe, a operadora de caixa Denise Cristina de Oliveira. “Ele adora a
Michelle. Esse trabalho da Santa Casa é muito importante porque acho que a
criança aprende muito, até mais do que se estivesse na escola porque tem a
atenção toda para ela, naquele momento”.
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Vinicius e o carinho
na "Tia Mi" |
Em tratamento oncológico, Vinicius passa alguns períodos no
hospital e se mostra feliz quando sabe que vai para a salinha colorida da “Tia
Mi”, revelou Denise, que fez questão de autorizar a divulgação da imagem do
filho com a pedagoga: “As fotos dele com ela já dizem tudo”, comentou.
Reportagem publicada na edição de 23.09.2012 do Correio Mariliense
Algumas pessoas são como anjos...Tia Mi deve se sentir muito realizada com esse trabalho... Fiquei fã...Amei a matéria Celinha, seu trabalho é lindo e seu carinho e amor pelo que faz se revela através dele...Parabéns pela matéria... Parabéns GERAL!!! bjsss
ResponderExcluirQuerida Paty, obrigada pelas palavras de estimulo! Bejão
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