Quando criança, a menina de olhinhos puxados se encantava ao ver a avó costurar. De suas mãos habilidosas saíam as criações que faziam a alegria da família. Mas, um detalhe a marcou para sempre: nem um fiapo de tecido era desperdiçado. Três décadas depois, a artesã Mary Kaneji segue os passos da avó ensinando e praticando a arte sustentável com reaproveitamento de materiais onde coloca criatividade em benefício do meio-ambiente.
Rutinha e as ecobags |
Sobra do tecido: regata, turbante e colar |
“Comecei com o Patchwork em 2.006, como hobby. Foi a segunda vez que tentei porque da primeira vez, quando tinha 17 anos, a professora disse para eu desistir”, recordou abrindo um sorriso enquanto corria o olhar pelo ateliê que mantém na residência, localizada no Parque das Esmeraldas, como quem diz: venci!
No início “sem dinheiro para comprar uma máquina de costura eu fiz duas colchas à mão”, revelou, explicando que, mesmo sem o equipamento, é possível usar as técnicas de unir os retalhos para produzir as peças mais variadas. Para quem se interessa, “existem máquinas de 5 mil reais, de 15 mil reais, mas tem a que custa 300 reais e dá para costurar também”, assinalou.
E por falar em equipamento, no ateliê ela deixa à mostra uma das suas preciosidades: uma máquina bem antiga da avó do marido onde mandou instalar um motor. Além disso, Mary guarda uma “Singer de 1910 que foi a primeira fabricação da Singer no Brasil, que permanecerá original”.
Muita técnica neste trabalho de Patchwork |
Muito atuante nas redes sociais, Mary Kaneji é conhecida pelos cursos e workshops que ministra fora de Marília, principalmente em São Paulo. Por isso, ela se mantém atualizada e com acesso a iniciativas que têm tudo a ver com sua filosofia de vida como, por exemplo, um banco de tecidos da capital.
Relíquia de família: da avó do marido a máquina ainda em uso |
Do banco de tecidos para o ateliê |
A artesã explicou que na indústria da moda as confecções que trabalham com estampas exclusivas, depois de colocarem as coleções à venda nas lojas, o que sobra vai para os outlets e, se não forem vendidas, muitas voltam para as fábricas onde as peças são destruídas e acabam em “sacos de lixo nos aterros”, observou, consternada.
Felizmente, está crescendo um segmento de empresas que se preocupam com a sustentabilidade ambiental, que destinam sobras de tecidos para projetos sociais, como a Farm do Rio de Janeiro (https://www.farmrio.com.br/) e colocam tecidos de coleções passadas em bancos de tecidos como o que Mary utiliza, em São Paulo.
Mary Kaneji explicou que o banco funciona da seguinte forma: quem tem tecidos parados em casa pode levar para o local e fazer o depósito recebendo um crédito para retirar em outros tecidos que desejar: “Tem muita gente que simplesmente doa. Mas, tem quem leve tecidos e pegue outros. Um metro de linho que custaria 80 reais nas lojas, lá no banco sai bem em conta. Um quilo de tecido custa 50 reais e, no caso do linho, daria para levar 3,5 metros”.
Ecobags criadas por Mary e suas alunas |
A delicadeza do trabalho fica visível nesta peça de bolsões para cama |
FIAPOS DO BEM
Lembrando das lições da avó, Mary não desperdiça nada. Ela mantém três baldes em que são depositados retalhos e fiapos residuais das costuras separados de acordo com o tamanho: “Dependendo de quanto sobrou, tiro um estojinho e as fiapeiras são aproveitadas no enchimento de peso de portas, por exemplo. Não jogo nada fora”, frisou.
Vidros de geleia e papinha infantil são reaproveitados |
A artesã atua, comercialmente, em duas frentes: tem o Patchwork com aulas no ateliê e os cursos que ministra fora e o projeto “Mary Kaneji Lixo Zero” focado na sustentabilidade ambiental. Na lojinha da internet ( https://www.elo7.com.br/marykaneji) são encontrados alguns produtos como sacolas para legumes, verduras e frutas, sacos de algodão para pães e outros de algodão orgânico para extração de leite de vegetais, Kits para armazenar o lanche das crianças etc. Tudo isso para dispensar as embalagens plásticas descartáveis.
Saco de algodão: nada de plástico descartável |
Quando vai ao supermercado, Mary leva suas embalagens. Coloca os legumes e verduras nos sacos, que por serem bem leves não comprometem o peso final. Na saída, se as ecobags que levou não forem suficientes, ela solicita caixas de papelão. Até os frios ela coloca em embalagens próprias e lamenta que esse hábito nem sempre seja bem visto: “Deixei de comprar em uma padaria por causa disso”, comentou.
Embalagem para o lanche das crianças |
Talheres, canudo e guardanapo de tecido: kit vai na bolsa |
Preocupada com o planeta que as futuras gerações herdarão, Mary procura se informar e conhecer iniciativas inspiradoras. Recentemente, voltou impressionada de uma viagem a Florianópolis onde conheceu um “Restaurante Zero Lixo” certificado. E tem esperança em ver a coleta seletiva de lixo implantada em todas as cidades.
Mary e Rutinha: educando pelo exemplo |
*Reportagem publicada na edição de 24.02.2019 do Jornal da Manhã