O que prostitutas, travestis e garotos de programa poderiam ensinar a estudantes universitários, numa populosa favela da zona sul de Marília? Não há uma única resposta, mas várias, que vêm sendo dadas, desde a fecundação do embrião que se tornou a Organização Não Governamental (ONG) “Psicologia Social”, há quatro anos.
Cores que transformam |
Tudo começou com um trabalho de monografia elaborado pelo então estudante do 4º ano do Curso de Psicologia da Unimar, Rodrigo César Vieira. “A idéia era aproximar a psicologia dos profissionais do sexo porque, embora não seja como 20 anos atrás, a psicologia ainda é muito elitizada”, contou o psicólogo e coordenador da ONG.
Do trabalho de campo, realizado nas conhecidas ruas do centro da cidade e nos postos de combustível às margens das rodovias, a pesquisa chegou à Favela do bairro Tóffoli e agora os voluntários (profissionais de várias áreas) liderados pelo psicólogo, atendem cerca de 80 das 250 famílias do local.
Enxugando gelo
Rodrigo, coordenador |
“Quando você vê um escravo apanhando, existem três maneiras de ajudá-lo. A primeira é comprar o escravo e cuidar de cada uma de suas feridas; a segunda maneira é vê-lo apanhando, se sensibilizar, juntar dinheiro e comprá-lo; a terceira opção é realizar um trabalho de articulação política e conseguir uma lei que liberte não só aquele escravo, mas todos os outros”, afirmou o psicólogo.
Com essa metáfora, Rodrigo Vieira explicou que surgiu a idéia da ONG que além dos profissionais voluntários, recebe apoio de igrejas evangélicas, da Unimar, da Cáritas Diocesana, da Casa do Pequeno Cidadão (Unidade III), da Secretaria Municipal da Juventude e militantes do movimento Hip Hop.
Além da pesquisa acadêmica, são realizados atendimentos individuais e em grupo de prostitutas, travestis e garotos de programa, além de suas famílias (principalmente crianças e idosos). Paralelo aos atendimentos, a ONG procura focar na adolescência num trabalho preventivo que quebre o círculo vicioso que leva à prostituição e às drogas. Aos 31 anos, Rodrigo destaca o apoio da esposa, Gisele, voluntária nas atividades com as crianças.
Sede no barraco
Massas geram renda |
Destoando das moradias precárias da favela do Tóffoli, o barraco que funciona como sede da ONG é todo colorido. “Existe um mercado imobiliário lá. No começo, pagávamos 60 reais de aluguel”, conta o coordenador que anuncia a expansão do projeto para a favela da Vila Barros, onde moram 600 famílias, aproximadamente.
“Tentamos plantar sementes de consciência. Cada um faz o que quer”, observa Rodrigo ao contar a história de uma adolescente, de 16 anos, que se prostituía desde os 12 anos: “Normalmente, eles usam muita droga para encarar a noite. Essa garota teve um ‘insight’ quando percebeu que sua irmã caçula, de quem gostava muito, estava indo pelo mesmo caminho das drogas e prostituição”.
Segundo ele, a jovem “teve uma conversa com a irmãzinha e, neste momento, conseguiu forças para sair”. Um dos aprendizados, lembra Rodrigo, foi quando a moça disse que não se considerava vítima da sociedade porque poderia ter sido levada àquela situação, mas permanecer nela era sua opção. “Se a pessoa estiver culpando muito a sociedade,culpando muito os outros, vai ter dificuldade para sair”, pontuou.
O trabalho com as crianças e adolescentes está merecendo atenção especial da ONG. Rodrigo contou, com tristeza, que uma menina que se droga e se prostitui, aos 13 anos, chegou a passar pelo projeto quando tinha 9 anos: “É como óleo que vaza entre os dedos. Infelizmente, não conseguimos segurar”, lamentou para, em seguida, assegurar que o público infanto-juvenil é uma das prioridades agora.
Adolescentes, público alvo |
Neste sentido,o psicólogo lamentou a falta de instituições locais para recuperação de usuários de álcool e drogas voltadas, principalmente, às meninas.
Geração de renda
“Trabalhar o emocional sem pensar no social é como o avião de uma asa só”. Assim, o coordenador da ONG anunciou uma nova etapa, a geração de renda. Estão começando os trabalhos para produção de sacolas retornáveis (eco bag) com apoio de uma empresária da Grande São Paulo.
Essa é daquelas notícias que tingem de esperança o futuro das comunidades assistidas pela ONG. Colorido como a sede na favela.
Favela, vista por dentro. |
Para saber mais: http://www.psicologiasocial.org.br/
Reportagem veiculada na edição de 30/05/2010 do Correio Mariliense.
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