Na ensolarada manhã de sábado, com a primavera soprando, suavemente, os primeiros ventos da nova estação, um refúgio encrustado na zona oeste de Marília teve sua habitual tranquilidade interrompida pelo badalar de um antigo sino. O som inconfundível, que fazia as vezes da campanhia, anunciava a chegada dos visitantes à Aurora Boreal, obra conduzida pelas Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima com o objetivo de reinserir, na família e na sociedade, as mulheres que passaram por tratamentos de dependência química.
O badalar do sino anuncia as visitas |
Para entender a importância desse projeto, é preciso retroceder no tempo e contar a trajetória da Irmã Santa Mendes da Silva, assessora da Pastoral da Sobriedade, assessora eclesiástica da Pastoral Diocesana e presidente da obra. De sorriso fácil e olhar expressivo, Irmã Santa parece levitar em seus trajes azuis enquanto explica esse trabalho inovador.
Missionária no exterior por 28 anos, dos quais 23 anos vividos na Itália, 03 anos na Dinamarca e 02 anos em Israel, Irmã Santa retornou ao Brasil em 2.008 para trabalhar na Comunidade Terapêutica de Tupã voltada ao tratamento de dependentes químicos do sexo masculino. Durante sua jornada, preparou-se cursando Assistência Social, Filosofia e Teologia, o que lhe rendeu bagagem suficiente para o trabalho espiritual na comunidade onde também levou sua alegria e seu tempero inconfundível para a cozinha.
Em Tupã, a convite do Bispo Emérito D. Osvaldo, Irmã Santa iniciou o trabalho com entusiasmo juvenil. Mas, com o passar do tempo, foi tomada por uma inquietação diante dos quase 40 internos atendidos: “Eu estava responsável pela espiritualidade e sentia uma angústia nos rapazes quando se aproximava a saída deles. Tem os que não querem voltar para casa. E tem a família que não sabe como lidar e já deu situação de abandono”, confidenciou com o semblante fechado.
Irmã Santa (centro) preside a Aurora Boreal |
PROVIDÊNCIA DIVINA
O local onde funciona o Centro de Apoio Aurora Boreal da Associação das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima pertence ao Estado e foi cedido para o desenvolvimento de projetos sociais em 2.004. Segundo a presidente da obra, em 2010, houve uma tentativa frustrada de trabalho com adolescentes: "Com tanta tecnologia, poucos se interessam por trabalhos manuais”, disse ao justificar a desativação da iniciativa.
Instalações simples em meio à natureza: refúgio para o recomeço |
Laborterapia: a horta também garante verduras e legumes frescos |
“A Aurora Boreal é um fenômeno da natureza porque só Deus consegue fazer aquela maravilha toda. E nós acreditamos que, na dependência química, esse novo despertar é uma Aurora Boreal na vida da pessoa”, comentou Irmã Santa enquanto mostrava as instalações da entidade.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Na visita à Aurora Boreal, a conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina e delegada aposentada, Rossana Rossini Camacho, e a assistente social Cássia Giandon que atuou na Delegacia de Defesa da Mulher, foram recebidas pelas irmãs da Congregação e pelos diretores da entidade: Manoel Francisco Otre (secretário diocesano), Claudemir Messias dos Santos (tesoureiro diocesano), Zenin Gasparoto (membro da Pastoral da Sobriedade) e Fátima Aparecida da Silva Domingos.
Roda de conversa: Rossana Camacho falou sobre políticas públicas |
Fátima, Rossana e Cássia com as irmãs missionárias |
Irmã Santa na cozinha: ambiente acolhedor |
Um dos quartos da instituição |
O colorido de uma das salas da entidade |
VÍCIO AOS 14 ANOS
Aos 51 anos, órfã e com uma única irmã residindo no exterior, Adriana foi a primeira residente da nova fase da Aurora Boreal. Demonstrando um pouco de dificuldade para se expressar, devido aos medicamentos, ela tem uma curadora que a encaminhou para o projeto e tem se revelado um “anjo da guarda”.
Adriana: confiança no recomeço |
Aos 14 anos conheceu o primeiro vício: o cigarro. Em seguida, experimentou álcool, maconha, cocaína, crack e tudo o que pudesse chegar às suas mãos. Pela situação financeira da família, conseguiu acesso aos tratamentos, mas logo recaía. Adriana contou que chegou a beber álcool gel em uma fase de abstinência severa e que, mesmo com cuidadoras por perto, conseguia um jeito de driblar a vigilância e voltar às ruas em busca de mais drogas.
Ao contar sua história, ela disse que, pela primeira vez, participava de um trabalho de reinserção após sair da fase de desintoxicação. Adriana ainda não pode sair sozinha, mas revela uma incrível vontade de superação: “Quero melhorar minha saúde, fazer academia, cuidar dos meus dentes”, contou.
Enquanto caminhava mostrando seu quarto cuidadosamente arrumado, Adriana recordou com tristeza as fases difíceis que enfrentou: “Teve uma vez que a comunidade em que eu estava, com umas 300 pessoas, foi lacrada. A gente era trancada em quarto escuro, sem banheiro e obrigada a fazer trabalho pesado”.
A capela está sempre aberta e a entidade recebe pessoas de qualquer religião |
CONTATOS
Para saber mais sobre a Aurora Boreal ou contribuir com o projeto, entre em contato no e-mail: auroraborealmf@gmail.com ou telefone (14) 33064354. A entidade localiza-se à Rua Antônio Dantas, 135, Quadra N no Jardim América, em Marília/SP.