domingo, 24 de fevereiro de 2019

LIXO ZERO: ARTESÃ PRATICA O QUE ENSINA REDUZINDO RESÍDUOS COM CRIATIVIDADE.

Por Célia Ribeiro

Quando criança, a menina de olhinhos puxados se encantava ao ver a avó costurar. De suas mãos habilidosas saíam as criações que faziam a alegria da família. Mas, um detalhe a marcou para sempre: nem um fiapo de tecido era desperdiçado. Três décadas depois, a artesã Mary Kaneji segue os passos da avó ensinando e praticando a arte sustentável com reaproveitamento de materiais onde coloca criatividade em benefício do meio-ambiente.
Rutinha e as ecobags
Natural de Londrina, a história da artesã com Marília começou quando ela veio estudar Fisioterapia na Unimar. Voltou à terra natal e trabalhou em várias cidades, principalmente no Sul do País, como fisioterapeuta, até o dia em que resolveu desconsiderar o conselho de uma professora de costura que havia lhe dito para desistir porque não “levava jeito para a coisa”.
Sobra do tecido: regata, turbante e colar

“Comecei com o Patchwork em 2.006, como hobby. Foi a segunda vez que tentei porque da primeira vez, quando tinha 17 anos, a professora disse para eu desistir”, recordou abrindo um sorriso enquanto corria o olhar pelo ateliê que mantém na residência, localizada no Parque das Esmeraldas, como quem diz: venci!

No início “sem dinheiro para comprar uma máquina de costura eu fiz duas colchas à mão”, revelou, explicando que, mesmo sem o equipamento, é possível usar as técnicas de unir os retalhos para produzir as peças mais variadas. Para quem se interessa, “existem máquinas de 5 mil reais, de 15 mil reais, mas tem a que custa 300 reais e dá para costurar também”, assinalou.

E por falar em equipamento, no ateliê ela deixa à mostra uma das suas preciosidades: uma máquina bem antiga da avó do marido onde mandou instalar um motor. Além disso,  Mary guarda uma “Singer de 1910 que foi a primeira fabricação da Singer no Brasil, que  permanecerá original”.
Muita técnica neste trabalho de Patchwork
TECIDOS DE REUSO

Muito atuante nas redes sociais, Mary Kaneji é  conhecida pelos cursos e workshops que ministra fora de Marília, principalmente em São Paulo. Por isso, ela se mantém atualizada e com acesso a iniciativas que têm tudo a ver com sua filosofia de vida como, por exemplo, um banco de tecidos da capital.
Relíquia de família: da avó do marido a máquina ainda em uso

Do banco de tecidos para o ateliê

A artesã explicou que na indústria da moda as confecções que trabalham com estampas exclusivas, depois de colocarem as coleções à venda nas lojas, o que sobra vai para os outlets e, se não forem vendidas, muitas voltam para as fábricas onde as peças são destruídas e acabam em “sacos de lixo nos aterros”, observou, consternada.

Felizmente, está crescendo um segmento de empresas que se preocupam com a sustentabilidade ambiental, que destinam sobras de tecidos para projetos sociais, como a Farm do Rio de Janeiro (https://www.farmrio.com.br/)  e colocam tecidos de coleções passadas em bancos de tecidos como o que Mary utiliza, em São Paulo.

Mary Kaneji explicou que o banco funciona da seguinte forma: quem tem tecidos parados em casa pode levar para o local e fazer o depósito recebendo um crédito para retirar em outros tecidos que desejar: “Tem muita gente que simplesmente doa. Mas, tem quem leve tecidos e pegue outros. Um metro de linho que custaria 80 reais nas lojas, lá no banco sai bem em conta. Um quilo de tecido custa 50 reais e, no caso do linho, daria para levar 3,5 metros”.
Ecobags criadas por Mary e suas alunas
Nas prateleiras do ateliê, a artesã tem tecidos de estampas exclusivas, alguns de três ou quatro anos atrás, que fizeram sucesso em grifes conhecidas. Ela aproveita os tecidos de reuso, como são chamados, para uma infinidade de trabalhos: ecobags, estojinhos, mochilas, bolsas, cangas, colchas etc.
A delicadeza do trabalho fica visível nesta peça de bolsões para cama

FIAPOS DO BEM

Lembrando das lições da avó, Mary não desperdiça nada. Ela mantém três baldes em que são depositados retalhos e fiapos residuais das costuras separados de acordo com o tamanho: “Dependendo de quanto sobrou, tiro um estojinho e as fiapeiras são aproveitadas no enchimento de peso de portas, por exemplo. Não jogo nada fora”, frisou.
Vidros de geleia e papinha infantil são reaproveitados
Falando em ecobags, Mary disse que pensou em criar modelos diferenciados para incentivar o uso: “A pessoa tem que amar aquela ecobag para carrega-la. Tem que pegar a pessoa por um canto, se não for pela consciência ecológica, que seja  pela beleza”, assinalou. Para essas peças, ela conta com a ajuda da amiga Cristiane Bertassi que faz crochê em fios de malha e, assim, vão saindo peças diferenciadas que chamam a atenção.


A artesã atua, comercialmente, em duas frentes: tem o Patchwork com aulas no ateliê e os cursos que ministra fora e o projeto “Mary Kaneji Lixo Zero” focado na sustentabilidade ambiental. Na lojinha da internet ( https://www.elo7.com.br/marykaneji) são encontrados alguns produtos como sacolas para legumes, verduras e frutas, sacos de algodão para pães e outros de algodão orgânico para extração de leite de vegetais, Kits para armazenar o lanche das crianças etc. Tudo isso para dispensar as embalagens plásticas descartáveis.
Saco de algodão: nada de plástico descartável

Entre os produtos que têm boa procura, estão encomendas de  lembrancinhas em que aproveita potes de vidro, como de papinhas de bebê e geleia, que são enfeitados com retalhos de tecidos de reuso com um efeito surpreendente e único.

Quando vai ao supermercado, Mary leva suas embalagens. Coloca os legumes e verduras nos sacos, que por serem bem leves não comprometem o peso final. Na saída, se as ecobags que levou não forem suficientes, ela solicita caixas de papelão. Até os frios ela coloca em embalagens próprias e lamenta que esse hábito nem sempre seja bem visto: “Deixei de comprar em uma padaria por causa disso”, comentou.
Embalagem para o lanche das crianças
Em casa, ela vivencia o que prega procurando gerar o mínimo de resíduos possível. Assim, mantém duas composteiras de onde sai o adubo para suas plantas e árvores frutíferas. “O grande problema não é só a reciclagem. Temos que diminuir a quantidade de lixo que geramos”, assinalou.

Talheres, canudo e guardanapo de tecido: kit vai na bolsa
Conforme disse, a filha de cinco anos, Rutinha, está sendo educada com a experiência que aprende em casa ao ver o respeito ao meio-ambiente nas pequenas coisas. E quando a família sai, o kit de talheres, canudos e copos vai junto: “Se a gente chega no shopping e vai comer onde não tem talheres de metal, usamos os nossos e recusamos os de plástico descartável”, explicou.

Preocupada com o planeta que as futuras gerações herdarão, Mary procura se informar e conhecer iniciativas inspiradoras. Recentemente, voltou impressionada de uma viagem a Florianópolis onde conheceu um “Restaurante Zero Lixo” certificado. E tem esperança em ver a coleta seletiva de lixo implantada em todas as cidades.
Mary e Rutinha: educando pelo exemplo
Enquanto isso, a artesã segue ensinando Rutinha como tornar o mundo melhor e incentivando suas alunas a lançarem um novo olhar quando forem executar suas criações. O contato de Mary é: (14) 991732211, nas redes sociais:  https://www.facebook.com/RefazendadaMary/ e  https://www.instagram.com/marykanejiartetextil/

*Reportagem publicada na edição de 24.02.2019 do Jornal da Manhã

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