sábado, 3 de fevereiro de 2018

ARTE SUSTENTÁVEL: SOBRAS DE LÃ E RETALHOS SE REVELAM NO TEAR DE ROSSANA CILENTO.

Por Célia Ribeiro

Como a vida, em que os laços se atam e depois desatam para se reconstruírem em outra dimensão, os fios entrelaçados misturam materiais de diferentes texturas ressurgindo em criações com novo significado pelas mãos habilidosas da artista têxtil Rossana Cilento. Esta semana, ela participou do Workshop Tear, na Vila das Artes, em Marília, em uma prévia do trabalho que pretende realizar para compartilhar seu conhecimento.
Rossana foi artista convidada do Bazar da Vila, em dezembro de 2017
Formada em Comunicação e Artes pela Universidade Mackenzie, Rossana Cilento é uma profissional reconhecida e respeitada no mundo da moda. Como Designer Textil, por mais de 30 anos, trabalhou não só na produção (tapeçaria artística, mantas para sofá, jogos americanos, xales, cachecóis etc) como também trazendo arte para produtos de moda e decoração, em São Paulo.
Sobras de lã, linhas e outros materiais se tornam belas criações
Naquela época, ela desenvolvia, “com exclusividade para cada cliente ou estilista, padrões no tear. Eu mesma tecia as amostras piloto que definiam cores e texturas”, cuja produção era terceirizada em Minas Gerais e São Paulo, informou. Entre as grifes, destacam-se Alcaçuz, Lilla Ka, Rosa Chá e estilistas do primeiro time como Reinaldo Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Fause Haten. Ela trabalhou, ainda, para a Tok Stock e Camicado (decoração) e Loja do MAM (Museu de Arte
Moderna).
Designer Têxtil: xale da moda

MENINA NA CALÇADA

Rossana Cilento foi atraída pela arte ainda menina: “Desde os seis anos de idade sou apaixonada por fios e agulhas. Eu sempre fui uma tecedeira natural. Nunca tive dúvida que era isso que eu queria fazer. Mas, isso não entrava no que a gente ia estudar para ser alguém quando crescesse. Eu não conseguia definir que eu ia fazer isso por não ser uma profissão”, recordou.

A artista, que queria sentir o impacto do seu trabalho nas pessoas, revelou-se diante de um pedaço de tecido com caseados de crochê. Sentada na calçada, em meio aos olhares curiosos, a menina chamava a atenção da vizinhança: “As mulheres paravam. As vizinhas começaram a me ensinar. Lembro muito bem da dona Inês e da dona Rita me ensinando. Elas faziam coisas lindíssimas”, contou.

Com o passar dos anos, o sonho da arte parecia distante. A opção mais realista foi a faculdade de engenharia. No entanto, as ciências exatas não trouxeram brilho ao seu olhar: “Fiz um semestre e saí correndo. Minha mãe falou para fazer artes. Passei no vestibular e fui cursar Comunicação e Artes”, explicou.

Com o sorriso iluminando o semblante, a artista revelou sua grande descoberta: “Entre outras coisas, aprendi o tear manual. Quando eu vi pela primeira vez, aos 19 anos, eu peguei e já teci. Era como se fosse um encontro. Nunca tive dúvida disso e foi quando começou esse mundo têxtil”.
Patricia Muller e Rossana Cilento na Vila das Artes
Refratária aos rótulos, Rossana afirmou que “ser artista é fazer algo para interferir de alguma forma. O que estou percebendo é que quando você consegue interferir com o que você faz, numa emoção, em alguma sensação, é um trabalho artístico. Trabalhei a vida toda com essa arte voltada para o mercado porque eu sobrevivi com essa arte em São Paulo. Eu teci para comer, digamos assim. Trabalhei com tear profissionalmente”.

Na época da faculdade, Rossana conheceu muita gente e descobriu um universo paralelo repleto de criatividade. “Comecei fazendo arte, mesmo, com a tapeçaria. Fiz a primeira peça e vendi, fiz a segunda e vendi, e assim por diante”, explicou o mergulho na fase produtiva que logo mostrou um lado amargo.
Artista reconhecida saiu em várias
publicações da moda

“Só que a arte é um caminho dificílimo. Uma hora ela é e outra hora não é. Chegou um momento que a tapeçaria artística teve uma queda, porque o mercado tem isso”, relembrou contando que iniciou a produção comercial com um grupo de tecelões. Eles criavam e terceirizavam a produção.

Com seus trabalhos cada vez mais valorizados, Rossana Cilento partiu para a formalização, abrindo empresa com funcionários para dar conta das encomendas. Mas, como a criatividade sempre falou mais alto com ela, o caminho de designer têxtil estava traçado. Foi quando mergulhou no mundo da moda.

“Interpretava o que os estilistas queriam para o tecido, me especializei nisso, nesta tradução. Foi uma coisa muito legal e que me dá muito prazer fazer”, assinalou. E o reconhecimento a tornou uma das referências da área com direito a reportagens em revistas da moda onde exibia suas criações geradas no tear.

VOLTA ÀS ORIGENS

Hoje, aos 61 anos, Rossana leva uma vida tranquila na cidade de Tupã para onde mudou-se com o marido em 2008, por razões profissionais. No entanto, a arte que nasceu com ela se transmutou, nos últimos 10 anos, e renasceu de uma maneira surpreendente. A artista trabalha com desconstrução e reconstrução de materiais: uma camiseta velha pode ser cortada em tiras que se juntam a tecidos coloridos, fios de lã, papelão e toda sorte de materiais descartáveis.
Ateliê em Tupã

No ateliê que montou em casa, além do tear inseparável, ela trabalha técnicas que utilizam pedaços de papelão como base. Foi o caso do Workshop Tear de quinta-feira (31), na Vila das Artes. Para aprenderem tapeçaria artística, as alunas tramaram fios e tecidos em um suporte de bandeja de papelão descartável.

Ela narra esse recomeço com muita alegria: “Fui voltando para o artístico, na minha pesquisa solitária, em casa. Até tirar a linha de produção de mim, para limpar isso, levei uns 5 anos porque eu sentava com um fio e pensava em mercado. O que me ajudou muito a sair disso foram as redes sociais. Eu fazia, postava e tinha o retorno”, observou.

HORA DE COMPARTILHAR

A artista falou com entusiasmo sobre a nova fase que se desenha no horizonte: “Sinto que hoje eu estou com impulso gigantesco de trazer isso para trocar com as pessoas. Foram 10 anos de muito contato e muito desenvolvimento para ficar só para mim. Tenho vontade de proporcionar, de trocar isso que eu tenho, que é muito antigo e muito consistente, para as pessoas sentirem que isso pode ser maravilhoso mesmo em um momento de interrupção”.
Cores vivas nesta peça  que mistura materiais
Ressaltando que não tem formação terapêutica, a artista fala dos benefícios que uma pausa na correria do dia-a-dia pode proporcionar a todas as pessoas: “Quem tiver um intervalo, de duas ou três horas, em contato com a arte e interromper o contato com a tecnologia, vai ter uma possibilidade de saúde”.

Concluindo uma peça de tapeçaria, a psicóloga Maristela Colombo, concordou com a colocação de Rossana, a quem conhece de longa data. Elas se reencontraram a partir das redes sociais quando Maristela se interessou por fotografias de trabalhos da artista para usar em um congresso da área.
Bandeja descartável de papelão fez as vezes de tear no workshop
E de lá para a participação no workshop foi um pulo: “Gosto muito de artesanato e nunca tive muito tato. Acho muito lindo e estou encantada e muito feliz de ter feito. A gente ficou aqui tecendo. É um tempo que você para, é uma terapia. Você sai fora de outro foco para voltar para algo que é seu, seu interior, a escolha da linha, a escolha do tecido, da cor. Cada um escolhe uma coisa diferente e você tira de dentro para fora. Alinhavando, colorindo”, disse, enquanto arrematava o trabalho.

Fundadora da Vila das Artes, Patrícia Muller trouxe Rossana Cilento como artista convidada para o Bazar da Vila, realizado em dezembro. Na oportunidade, as pessoas puderam conhecer o tear e as crianças mostraram muito interesse, o que abriu a possibilidade de promoção de cursos para adultos e crianças, neste ano.
Maristela Colombo e sua criação: tecendo com alegria
“A ideia é que qualquer pessoa tem que experimentar. As pessoas, desde pequenas, crescem achando que não têm jeito para isso. Todo mundo consegue e se surpreende com o resultado. Todo mundo é artista e só precisa procurar dentro de si, mas deixa lá guardado e vai uma vida inteira sem experimentar essa emoção fantástica”, pontuou Patrícia Muller.

Quanto à Rossana, está entusiasmada para trazer a Marília a garotinha que sentava na calçada e que ela reencontra toda vez que entra em seu ateliê para criar. Essa pequena artista, que vive em seu interior, cresceu, ganhou o mundo, mas volta sempre ao universo das linhas para brincar com as cores.
Para contatar a artista, o e-mail é: rossanacarmencilento1@gmail.com

3 comentários:

  1. Célia!!! Que presente esse seu texto, muito gostoso ler a própria história sob outro ponto de vista! Agradeço muito a você pela delicadeza e consistência da matéria, agradeço também Patricia Muller, Vila Das Artes por essa possibilidade! Forte abraço, foi delicioso esse encontro!

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    1. Querida, eu que agradeço a sua confiança em me permitir contar sua história. bjs

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  2. Maria Inês Guedes Person Iyda4 de fevereiro de 2018 às 15:08:00 BRST

    Parabéns, prima querida! Você nasceu artista, tem uma sensibilidade incrível, e sempre nos brinda com lindas peças,tramas de amor...❤

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