domingo, 19 de novembro de 2017

AFROFEST: PROJETO DIFUNDE CULTURA E DESENVOLVE A AUTOESTIMA DAS CRIANÇAS

Por Célia Ribeiro

Um projeto social, iniciado há cinco anos em Marília com o objetivo de difundir a cultura negra, ganhou nova dimensão ao extrapolar o binômio moda e beleza para atuar no desenvolvimento da autoestima, sobretudo das crianças. O Afrofest teve seu ápice neste fim de semana, com os concursos Miss e Mister Beleza Negra das escolas estaduais, desfile Top Kids e Teens (sexta-feira) e Concurso Miss e Mister Beleza Negra 2017 (sábado).
Cartaz do evento 2017

No entanto, o trabalho começou em fevereiro com a inscrição das crianças e jovens que chegaram ao Afrofest cheios de expectativa. Quem explica é Denise Campos Justino,  uma das voluntárias que mesmo após deixar uma das coordenadorias na Secretaria Municipal da Cultura, onde atuou por vários anos, transpira entusiasmo pela causa.

Ela contou que a ideia surgiu quando seu filho Jairo e alguns amigos questionaram a existência de eventos das comunidades italiana, portuguesa, árabe e japonesa, enquanto não se fazia nada alusivo à comunidade negra. “Queríamos, desde o início, trabalhar a questão da beleza, da autoestima, porque o negro, tanto a criança como o jovem, não se olha no espelho e fala ‘eu sou negro’. Diz sou mulato, puxei mais para a minha mãe, fica aquele colorismo. Ele tem que se reconhecer negro primeiro e, segundo, sou negro e sou bonito”, destacou.
Abertura do evento (17/11): Denise Justino é a primeira à esquerda
Denise explicou que o Afrofest teve início com o concurso, em 2014. A partir do segundo ano, chegaram as primeiras crianças. Hoje, 60 delas se reúnem com a equipe, no último sábado de cada mês, no Espaço Cultural: “Com a criança a gente trabalha de forma lúdica. Não fico falando do racismo, do preconceito”, assinalou.

A ativista cultural recordou o dia em que  abordou a controversa questão capilar: “Sabe porque nosso cabelo é assim? Porque lá na África, se você tiver o cabelo totalmente liso vai cozinhar seu cérebro”. Com essa naturalidade no falar, os cinco voluntários tratam de temas recorrentes visando elevar a autoestima das crianças e jovens negros que passam a ter orgulho da sua pele e do seu cabelo.
“A coisa mais grata é quando uma mãe chegou e disse que a filha tinha vergonha de ser negra; que depois que entrou no Afrofest ela adora ser negra, se acha linda e empoderada e vai para a escola com o cabelo solto”, prosseguiu. Conforme disse, “o preconceito existe quando a gente não conhece. Tudo o que a gente vai falando, elas vão assimilando porque criança é um coração aberto para tudo”.

Nos encontros do grupo, os voluntários “ensinam sobre o estudo da África. A gente fala sobre africanidade, sobre identidade racial porque tem muita criança que o pai é negro e a mãe é branca ou ao contrário”, acrescentou.
Denise e as meninas do Afrofest

Denise Campos Justino frisou que as crianças que participam do projeto “não são crianças de risco,  são crianças negras, assim como as jovens dos concursos. Temos algumas que moram na periferia, mas a maioria é de universitárias”. No dia 04 de novembro, houve um encontrão entre as crianças e os participantes dos concursos de beleza negra. “As meninas vendo aquelas negras lindas, algumas de tranças, desfilando, se inspiram. Eu quero que elas olhem e digam: olha lá, deu certo. Não são prostitutas, não estão pedindo”, observou.

Ela coleciona histórias emocionantes que dão novo fôlego à equipe Afrofest para continuar desenvolvendo o projeto, como a mãe de uma das meninas que revelou: “Minha filha mudou completamente. Até as notas estão melhores”. Para Denise, “não tem dinheiro no mundo que pague”. 

REFERÊNCIA NEGRA

Filha do ex-vereador e ex-presidente da Câmara, Nadir de Campos, Denise recordou a época escolar no famoso colégio particular que frequentava: “Não havia um colega negro, uma professora negra, nada que eu quisesse ser negra. Só tinha branco. Éramos só eu e minha irmã. Não tinha referência nenhuma”.

Prosseguindo, ela observou que “todo negro um dia tem um start e fala: sou negro, mesmo. O gordo emagrece, o japonês pode fazer uma cirurgia para abrir o olho, o ruivo pode ficar moreno, mas o negro é negro e acabou. Sou negro, mas tenho meus direitos e meus deveres. Não é aquele negócio de orgulho negro, porque nós somos negros, somos maravilhosos, não somos melhores que ninguém; isso que eu quero passar para as crianças, a questão da igualdade”.

Denise Justino fez questão de frisar que o Afrofest não envolve credos: “A gente não trabalha com questão de religião porque não dá certo. Nada que venha imposto de religião ou de partido político dá certo”. Ela revelou que houve pressão para incluir religião de matriz africana como o candomblé, mas não cedeu.
Tássia  eleita Princesa Beleza Negra em 18/11 com Diego Antônio (2º Mister)
“Quando a criança vem se inscrever não tem campo religião na ficha. Pode ter criança do candomblé, espírita, católica, evangélica. Eu sou evangélica, mas nunca chamei meu pastor para vir orar para as crianças, nunca peguei grupo de dança da minha igreja para colocar aqui.
Às vezes, querem jogar todo negro em uma vala comum, como se todo negro tivesse que ser de matriz africana”, disse, lembrando que visitou a África, recentemente, onde sua filha foi estudar e viu muçulmanos, católicos e evangélicos convivendo harmoniosamente.

PROGRAMAÇÃO

Denise Campos Justino falou, ainda, sobre a parte cultural do Afrofest que se inicia em fevereiro, começa a ter mais foco nos concursos em julho, quando são abertas as inscrições, mas também tem a parte de dança e música: “hip hop, street dance, capoeira, maculelê, happy, samba, pagode, porque é uma coisa universal”.

Durante o ano são desenvolvidas ações de cidadania: a conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina, Rossana Camacho, proferiu uma palestra às concorrentes do Miss Beleza Negra sobre o enfrentamento à violência. “Nossa preocupação é cultural, de empoderar essas meninas através do conhecimento. Fizemos a campanha de doação de sangue que leva cidadania, princípios e valores”.

A Campanha “Sangue Muito Bom”, levou dezenas de doadores do Afrofest e apoiadores do projeto ao Hemocentro, no último dia 11, como Tássia Camilo Barbosa, 28 anos, programadora de produção e candidata à Miss beleza Negra: “Achei a campanha extremamente importante. As pessoas precisam de empatia, a gente se colocando no lugar do outro. Tem muita gente precisando e não custa nada. É um ato muito bonito. A gente tem que doar mesmo”.
Tássia foi uma das doadoras de sangue


Com um sorriso iluminando o rosto, Tássia afirmou que “as pessoas precisam conhecer sobre o que é a nossa cultura, a nossa cor. Tem muita gente que acha que é bonito e gosta dos nossos turbantes, das nossas cores, mas não entende. Espero que com o projeto, o concurso, enfim, a gente consiga levar informações para as pessoas e não só o visual. As pessoas precisam conhecer um pouco da nossa cultura que é magnífica”.

APOIADORES

Realizado pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal da Cultura de Marília, juntamente com a equipe Afrofest, o evento teve o apoio dos seguintes patrocinadores: Banco Bradesco, Microlins, MegaEasy, FAIP, ONG Afrobras, Faculdade Zumbi dos Palmares (São Paulo), Hill Fashion e Estylo New.

GRITO DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Acontece neste domingo (19), a partir das 15 horas, na praça do Tiro de Guerra de Marília (zona norte), o Grito da Consciência Negra, em homenagem ao “Dia da Consciência Negra” comemorado no dia 20 de novembro. O evento tem apoio da Prefeitura, através da Secretaria Municipal da Cultura.

Segundo informações publicadas no blog da Secretaria da cultura, “o Movimento Negro de Marília está composto por representantes de segmentos da juventude, religiões de matrizes africanas, carnavalescos e grupos da diversidade de Marília e que se reuniram para pensar e propor atividades que valorizem a comunidade negra em regiões que carecem dessas oportunidades culturais e artísticas na cidade de Marília”, explicou Luciano Cruz, da Comissão Organizadora do evento.

Aberto ao público, o evento conta com oficinas, feira de gastronomia, exposições, rodas de conversa, capoeira, dança e música.



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