domingo, 28 de outubro de 2012

“O QUE EU SEMPRE QUIS FALAR”: PROJETO VOLTADO PARA A JUVENTUDE AMPLIA ATUAÇÃO E VAI PARA A PERIFERIA.

Por Célia Ribeiro

Os traços delicados e a voz suave da garota recém-saída da adolescência escondem a personalidade forte de alguém que optou por arregaçar as mangas e trabalhar na transformação da realidade de jovens em situação de vulnerabilidade social. Demonstrando maturidade incomum para a idade, Jaqueline Santana Alves, 22 anos, aproveita os conhecimentos da universidade e a experiência de anos de militância nos grupos de jovens da igreja católica para coordenar o inovador Projeto “O que eu sempre quis falar”.
Ao ar livre, roda de conversa no Espaço Juventude.
Formada em Serviço Social e cursando pós-graduação na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Goiás, em parceria com a Rede de Institutos da Juventude, Jaque, como é conhecida pela moçada, cresceu independente. Aos 12 anos já trabalhava vendendo desde chinelos e toalhas bordados por ela, até louças, enxovais de Ibitinga, cosméticos etc. “Sempre fui muito inquieta e essas questões sociais sempre me afetaram, principalmente na área da juventude, que desde o primeiro contato me apaixonei pela causa”, revelou.

E a causa da juventude começou a interessa-la bem cedo: “Cresci na comunidade da ‘Sagrada Família’, entrei para o grupo de jovens e essa vivência me ajudou a escolher minha profissão. Cursei Serviço Social e faço pós-graduação porque quero conhecer outras realidades e atuar mais com a juventude”, afirmou.
Jaqueline, 22 anos e muita garra.
Da atuação na Pastoral da Juventude, dois anos e meio atrás, surgiu a fagulha responsável por acender o fogo interior que a motiva. A jovem queria abrir os horizontes de garotos e garotas, tinha inúmeras ideias, mas faltavam um local e estrutura para que os projetos se materializassem. Foi quando chegou ao Espaço Juventude IRSC da Congregação Irmãos do Sagrado Coração, conhecida pelas escolas de alto nível (como o Colégio Cristo Rei de Marília) e manutenção de obras sociais em sete municípios (SP, MG e PR).

O PROJETO

Localizado estrategicamente na Avenida Campinas, 240, o Espaço Juventude IRSC foi criado sob medida para o desenvolvimento dos projetos voltados aos jovens. Tem alojamento com beliches e armários, cozinha, salas de reunião, ampla área verde com bancos, equipamentos de som etc. O local é cedido para seminários, encontros e atividades diversas, explicou Jaqueline.

Contratada da entidade, onde faz um pouco de tudo, a jovem vislumbrou a possibilidade de emplacar ali um projeto social que recebeu o apoio da Secretaria Municipal da Juventude: “O que eu sempre quis falar”. Desde meados de 2011, já foram realizadas oficinas, workshops artísticos e culturais e inúmeras outras atividades mobilizando jovens de várias camadas sociais, mas com foco naqueles mais carentes.

Descontração na oficina de artesanato
Jaque explica que o projeto tem por objetivo “auxiliar os jovens e as jovens a serem agentes de seu meio, discutindo e fomentando a ideia do protagonismo, a emancipação e o empoderamento juvenil, através de grupos de discussão com temáticas que envolvem a dinâmica da vida dos jovens e das jovens, ressaltando a vida comunitária, a cena política, a cidadania e estimulando seus desenvolvimentos pessoais e sociais”.

Conforme disse, “o Espaço Juventude quer se tornar um espaço para acolher os jovens e as jovens”, oferecendo local para aprendizado, troca de experiências e vivências, “visando articular ações socioculturais de prevenção e proteção, assim como desenvolvimento de capacidades e potencialidades através de oficinas artísticas e culturais, além de rodas de conversas com temáticas recorrentes à vida das juventudes”.

Muito espaço nos alojamentos da instituição
 A primeira edição do “O que eu sempre quis falar” aconteceu no período de agosto a dezembro do ano passado. Em encontros semanais, foram realizadas rodas de conversa com temática voltada às políticas públicas da juventude, a questão das mulheres, a violência contra jovens negros e negras etc. “A gente sempre tenta intercalar a discussão com alguma linguagem artística, oficina de teatro, artesanato, fanzine (jornal), grafite, stencil”, explicou a coordenadora.

Jaque observa a entrada do Espaço Juventude
Em 2.012 estão acontecendo workshops mensais: o de fotografia chamou muito a atenção e o de questões de gênero atraiu um público interessado em discutir o tema controverso. Mas, as atividades não se restringem ao “Espaço Juventude”. A ideia, segundo Jaqueline, é levar o projeto aos bairros.

CULTURA

Para chegar às comunidades mais distantes, o grupo segue conquistando aliados, como a ONG “Psicologia e Integração Social” que atua em favelas da zona norte: “Fizemos uma parceria para entrar na comunidade e conhecer a realidade deles e delas. Vamos trabalhar com poéticas visuais, arte urbana, técnicas de grafite, stencil, stiker (pinturas) e rodas de conversa sobre a questão juvenil”.

Ontem, o projeto foi realizado durante todo o dia no salão anexo à Capela São Francisco, no final da Rua Dermânio da Silva Lima. Nos intervalos entre as discussões em grupo e as atividades culturais e artísticas foram servidos lanches aos participantes.  A previsão é que essa etapa do projeto seja realizada até fevereiro de 2.013.

Grafite no mural interno: criatividade
Jaqueline contou que elaborou o projeto com auxílio de professores e que as ações pretendem ser voltadas à juventude, como um todo: “Minha visão não é trabalhar apenas com os jovens da igreja”, afirmou. Ela destacou o grande apoio da Pastoral da Juventude, a quem inicialmente apresentou a ideia, e do Espaço Juventude IRSC que abraçou a proposta viabilizando sua concretização.

PROTAGONISMO JUVENIL

“A pressão é muito grande. A família, a escola e a sociedade empurram o jovem muito cedo para o mercado de trabalho, sem ter vivenciado muitas coisas”, analisou Jaqueline, que acrescentou: “A gente trabalha na contramão. A maioria dos cursos é para formar para o mercado de trabalho formal e a gente quer mostrar outras possibilidades. Por exemplo, tem o curso pré-vestibular da UNESP, de graça, onde os jovens podem continuar estudando”.

A questão das drogas e da violência é um dos temas que merecem muita atenção, também: “A gente acredita na prevenção”, destacou a coordenadora explicando que nas rodas de conversas esses assuntos são debatidos e que para prevenir a violência são necessárias políticas públicas.

 
Workshops atraem muitos jovens
Dizendo-se apaixonada pela causa da juventude, Jaqueline observou que a linha do projeto “tem tudo a ver com a proposta de Cristo, de construção do reino. Esse é um projeto que eu sempre quis vivenciar, ter um espaço onde poderia conversar sobre as minhas dúvidas e inquietações. A maioria dos jovens é inquieta e não tem espaço onde conversar, para onde direcionar essas inquietações”.

Questionada como imaginava-se no futuro, Jaque mudou o semblante e disse, com firmeza: “A causa da juventude, para mim, é proposta para a vida toda. Que eu saiba enxergar meu papel hoje como jovem e, amanhã, como adulta que trabalha com jovens”, finalizou.

* Reportagem publicada na edição de 28.10.2012 do Correio Mariliense

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