segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Amelie Boudet: Lar de Meninas acolhe e prepara para a vida

Por Célia Ribeiro

Boas-vindas na placa da árvore
Na chuvosa e fria manhã de quarta-feira, uma placa pendurada num dos galhos da árvore centenária parecia bailar, em movimento de pêndulo, atraindo a atenção dos visitantes com seu vai-e-vem. Nela, a inscrição “Aqui tem gente feliz” era o prenúncio do que encontraríamos, logo adiante, numa das mais antigas e tradicionais instituições filantrópica de Marília: o Lar de Meninas “Amelie Boudet”.

Fundado há 56 anos pela Mocidade Espírita Allan Kardec, o lugar destoa do modelo de abrigo. Não há quartos coletivos, o mobiliário e a decoração remetem às casas de famílias convencionais e a atmosfera de organização derruba a ideia de que um local assim teria que ser sombrio e triste.

Erigido numa área de 20 mil metros quadrados, o Lar de Meninas tem 2.000 metros de construção, segundo o presidente Nelson Cezário Motta, um contador que doa seu tempo e experiência à entidade desde 1.996, ao lado da esposa Fátima. “Os fundadores eram visionários. Quase 60 anos atrás, não havia nada nesta região. A cidade acabava bem antes”, comentou.
Lembranças em preto & branco

Com pé direito alto e paredes reforçadas, típicos das construções antigas, o prédio mantém a arquitetura original. Com o passar dos anos, foram feitas adaptações internas, como o redimensionamento dos quartos e algumas mudanças de portas, explicou o presidente: “Tudo está praticamente como antes. Os fundadores projetaram pensando no futuro”.

Custos elevados

Abrigando 20 meninas de 03 a 22 anos, a entidade tem espaço físico para até 100 vagas. No entanto, devido aos altos custos, o Lar foi dimensionado para atender esse número: “Temos despesas aproximadas de 15 mil reais, por mês, incluindo o pagamento de 08 funcionárias. Recebemos cerca de 20% de subvenções estadual e municipal e os outros 80% nós que arcamos”, assinalou Nelson Motta.
Infraestrutura para alimentar muita gente

O governo estadual repassa R$ 1.480,00 mensalmente, o que custeia despesas com água e energia elétrica. A Prefeitura cedeu duas professoras que acompanham as atividades complementares das meninas, auxiliando nas tarefas e trabalhos escolares, de manhã e à tarde. A entidade sobrevive graças à locação de imóveis próprios, como a área onde funciona um posto de combustível da Shell, próxima à rotatória do Supermercado Big Mart, na zona sul, e ao bazar que realiza duas vezes por semana.

Preparando para a vida

Boneca: brincadeira de meninas
Apesar de a idade máxima ser 18 anos, a “Amelie Boudet” abriga uma jovem de 22 anos que chegou 12 anos atrás. Ela trabalha como coordenadora de Recursos Humanos em um colégio da cidade e permanece no lar porque sua família não se reestruturou. “Tivemos vários casos de meninas que cresceram, se formaram, casaram e constituíram família”, contou o presidente.

A arte em trabalhos manuais
Também 08 ex-internas que foram encaminhadas à entidade pelo Juizado da Infância e Adolescência, começaram a trabalhar aos 16 anos e pouparam quase todo o salário. Ao completarem a maioridade, saíram, compraram apartamentos no conjunto CDHU, na zona sul, e foram resgatar suas famílias.

“Quando as meninas fazem 16 anos, nós as encaminhamos ao mercado de trabalho. Abrimos uma conta poupança e lá depositamos quase todo o salário que recebem. Elas pegam uma pequena parte, uns 10%, para recarga de celular, por exemplo, e outras coisinhas. Mas, 90% vão para a poupança para o futuro delas”, explicou Nelson Motta.

Segundo ele, as meninas são encaminhadas ao abrigo pela Justiça “oriundas de famílias desestruturadas pela droga, álcool, prostituição e pobreza extrema”. Há grupos de 02, 03 e até 04 irmãs que, neste caso, ficam no mesmo quarto. No começo, a adaptação é difícil, explicou o presidente: “Mesmo com maus tratos e a situação que viviam, essas meninas mantém um vínculo muito forte com suas famílias. Tem pais que visitam no começo, mas depois esquecem as meninas aqui. Elas ficam muito tristes quando chega o dia de visita e não aparece ninguém”.

A difícil fase da adolescência
Animação na hora da foto

Aos poucos, as meninas vão se adaptando e incorporando novos conceitos. Aprendem a organizar suas coisas, a colaborar umas com as outras e, com o tempo, vão se modificando. A fase complicada, observou o presidente, é a adolescência: “As meninas estudam nas escolas do bairro e têm coleguinhas que saem à noite, namoram etc. Elas demoram a entender que somos responsáveis por elas, que não podem sair e namorar do jeito que quiserem. Apenas quando chegam à maioridade e, se permanecerem conosco, têm permissão para sair desde que cumpram os horários e respeitem as regras da casa”.

Neste ano, uma das meninas, que começou a namorar depois de completar 18 anos, casou-se. A festa foi na entidade onde a confraternização simbolizou o início de uma nova fase para aquela que encontrou abrigo, amor, respeito e apoio para se fortalecer e constituir sua própria família.
Nelson Motta e a cacçulinha do grupo

Enquanto o tempo passa, as meninas estudam, aprendem trabalhos manuais e participam de atividades culturais como o coral. Já bem conhecido, o grupo faz apresentações não só em Marília como em outras cidades. Recentemente, um regente começou a ensinar as meninas a cantarem em japonês e as apresentações têm recebido muitos elogios.

Cantando para espantar a tristeza, estudando para ser alguém, e recebendo muito carinho de todos que colaboram com a entidade, as meninas que chegam num abrigo, concebido para ser temporário, têm a oportunidade de crescer e se desenvolver física, mental e espiritualmente. A solidariedade garante que dias melhores virão e o futuro é uma porta aberta!

Para ajudar

Quem quiser colaborar com a entidade, o Lar de Meninas recebe todo tipo de doação. O que não é vendido no brechó semanal é doado a famílias da Favela Tóffoli, na zona sul. Para conhecer o abrigo, acesse www.lardemeninas.org.br ou escreva para lardemeninas@lardemeninas.org.br O telefone é (14) 34174930.

 * Reportagem publicada na edição de 19.12.2010 do "Correio Mariliense"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja bem-vindo(a). Seu comentário será postado, em breve.